por Mauro Nadvorny | 27 fev, 2021 | Sem Categoria
O capitão, kafkianamente eleito presidente da República, continua impunimente a cometer seus crimes cotidianos, em meio à indiferença do Procurador-geral da República, seu capacho.
Augusto Aras, homem dos mil instrumentos, fecha os olhos e os ouvidos para não ver nem ouvir as barbaridades perpetradas pelo chefete, tapa o nariz para não sentir o cheiro repugnante da merda que se amontoa no vaso em que jogou a ética (moral e jurídica), ao mesmo tempo em que rasga a Constituição, imaginando com certeza que a lei máxima se aplica aos mortais, não ao Messias.
Como o seu patrão, a quem deve lealdade cega, Aras é um ser amoral.
O Procurador-geral da República é cúmplice do genocídio que vem acontecendo no Brasil. Na hora de pagar a conta dos milhares de mortos vítimas da inexistência de uma política sanitária, deverá responder como tal. Afinal, cabe a ele denunciar e abrir investigação contra o presidente da República a cada crime e delito cometido na esfera penal. Muitos.
Porém, Augusto Aras finge ser cego, surdo e analfabeto jurídico. Seu último feito data de sexta-feira, 26 de fevereiro. No dia em que o Brasil registrava o recorde de mortos da Covid – 1.592 – Jair Bolsonaro limitou-se a criticar o uso de máscaras e o lockdown, cometendo assim um enésimo crime contra a saúde pública, em desrespeito das medidas de combate ao coronavírus ditadas pela OMS e seguidas por todos os países governados por gente minimamente séria. O procurador-geral, que tinha o dever de entrar com uma representação imediata junto ao STF, preferiu prosseguir no seu berço esplêndido, absorto pela indiferença absoluta.
Não é por acaso que os países que praticaram seriamente o isolamento social têm menos mortes a lamentar. Foi a única medida, paralelamente às ações básicas de higiene, que funcionou até aqui na contenção da pandemia do coronavírus, exatamente como há 670 anos, na Idade Média, contra a Peste Negra: quarentenas, confinamentos, toques de recolher, uso de máscaras e mãos limpas.
” Não há outra maneira de enfrentar a pandemia, além do que recomenda a ciência. Portugal está com a mais baixa taxa de contaminação da Europa graças ao confinamento e uso de máscaras.
Vários estados brasileiros estão decretando lockdowns de curta duração ou obrigando as pessoas a ficarem em casa durante a noite. Há lei seca, praias com tapumes e outras iniciativas. Mas a experiência de Portugal mostra que o que funciona mesmo é o confinamento geral. Claro que é muito mais complicado aplicar isso num país do tamanho do Brasil, pobre e sem comando, onde milhões se amontoam em barracos e saem de manhã para conseguir o que comer à noite. Mas a alternativa é tenebrosa: mortes e mais mortes.”; escreveu nas redes sociais o jornalista Paulo Markun, direto de Lisboa.
Ao contrário, vale a pena lembrar que as novas variantes surgiram todas em países que deixaram o vírus circular livremente (como defende o capitão). É por isso que se fala em variante britânica, brasileira e sul-africana, mas é impossível falar-se em variante neozelandesa, porque na Nova Zelândia e em outros países que optaram por estratégias de erradicação não há propagação do vírus suficiente para que apareçam mutações.
Daí a necessidade imperiosa e urgente de se confinar já, com duplo objetivo: baixar a curva da pandemia e tentar evitar que uma variante mais letal e mais infecciosa se torne dominante. É uma luta contra o tempo.
Mas para tanto é preciso que o presidente e o sargento Garcia sejam lúcidos, o que é impossível, ou que Augusto Aras tire suas nádegas da cadeira e trabalhe. Esperar que o Congresso dos bandidos do Centrão acorde e abra um dos 60 processos de impeachment não é factível. Afinal, Lira e seus comparsas só estão preocupados consigo mesmos. Em outras palavras, em escapar da Justiça. Na verdade, muitos parlamentares não são deputados nem senadores, e sim fugitivos.
Ou o Brasil acorda ou morrerá, de morte morrida e de morte matada.
por Mauro Nadvorny | 26 nov, 2020 | Sem Categoria
POSIÇÃO POLÍTICA
BOULOS, SÃO PAULO E OS JUDEUS
Em primeiro lugar, adianto que sobre este texto a seguir respondo eu mesmo e não represento qualquer instituição judaica ou israelense aqui.
Estando esta questão superada, vamos ao tema principal.
Vídeos e posts apócrifos e não apócrifos pronunciam um virulento ataque aos setores progressistas e de esquerda da comunidade judaica que apoiam a candidatura Boulos/Erundina à Prefeitura de São Paulo.
Arrogam-se os autores o poder de determinar quem é e quem não é judeu em função desta escolha neste momento para a cidade de São Paulo.
Acusam-nos de traição às causas judaicas e relativas à defesa do Estado de Israel.
Isto porque membros e grupos do PSOL se envolveram em diversas atividades de ataque político ao Estado de Israel, muitos deles com viés antissemita, segundo acusam.
Independentemente de quem sejam, claramente representam setores reacionários e radicais de direita, que, na falta de capacidade de enxergar as prioridades da Cidade de São Paulo e sua sofrida população, tentam trazer para o debate temas e eventuais conflitos que em absoluto não contribuem para a discussão essencial que se faz neste momento para o futuro de nossa cidade, um verdadeiro país de mais de 10 milhões de almas que vivem sob todo tipo de dificuldades, muitas delas criadas pelos artifícios de um planejamento secular em favor de elites financeiras e políticas.
Para pessoas como eu, a chapa Boulos/Erundina representa o resgate do pensamento humanista para esta cidade. Traz o estofo intelectual de um filósofo, psicanalista, escritor e ativista social e político com uma legitimidade que muito poucos alcançaram em nossa história, e associa-se a um verdadeiro ícone da mulher brasileira, nordestina, lutadora e bem-sucedida em sua trilha política recheada de experiência, trabalho, ética e cultura política. Valores que se acomodam perfeitamente nos ambientes judeus concretos e abstratos onde fui criado e educado. Tudo o que sou e o que penso pode sim ser conectado às minhas raízes históricas, culturais, familiares e teológicas, e todas essas forças me encaminham ao encontro desta escolha política que faço neste momento.
Se existe antissemitismo em setores da esquerda, ele também existe em outros campos políticos, muitos deles associados ao governo atual, que conta com membros e apoio de setores da comunidade judaica brasileira (e estrangeira também), não obstante a proximidade deste governo com padrões de atividade que fariam vergonha a todos os nossos sábios reverenciados em todos os tempos e lugares. Se o PSOL tem setores que odeiam Israel, a proximidade artificial do governo Bolsonaro a Israel não é menos nociva, pois trata-se de um apoio ignorante e néscio, que se em nada enriquece a história das relações Brasil-Israel, por outro lado aumenta o antissemitismo arraigado em diversos setores da sociedade brasileira, algo que já é patente e inquestionável.
Como já escrevi aqui antes, sou daqueles que defende a legitimidade do Estado de Israel, mas, que ao mesmo tempo, não fujo à responsabilidade de criticá-lo quanto a certas políticas que representam clara ameaça à soberania do povo palestino e que em absoluto não contribuem com o processo de pacificação. Por outro lado, não sou daqueles que acreditam que apenas Israel cometa erros neste campo, mas deixo todas estas questões para outros fóruns, da mesma forma e com a mesma convicção que penso que este debate deve ser isolado do momento político atual da cidade, sendo claro que a posição e escolha dos judeus de S.Paulo corresponde a irrisórios 0,45%, se tanto, do eleitorado, e que Boulos não é candidato a prefeito de nenhuma cidade de Israel ou da Palestina.
Voltando às manifestações de setores radicais, posso afirmar com segurança que estas, sim, representam algo totalmente externo à cultura e tradições judaicas, que por milênios aprendeu a viver na diversidade, e, muito além disso, deixou registrados nas suas mais profundas literaturas os grandes debates teológicos e filosóficos sobre toda a complexidade da vida e do mundo judeu e não judeu.
Não, vocês não dirão o que é ou o que não é judeu. Nem hoje, e nem amanhã.
Nelson Nisenbaum
São Paulo, 26/11/2020.
por Mauro Nadvorny | 24 nov, 2020 | Sem Categoria
Magnífico ! Mal terminavam os últimos acordes do concerto, vinha aquela voz grave, antecipando-se aos aplausos. Os músicos já a conheciam no teatro Municipal e na sala Cecília Meirelles, e lembro dos gêmeos Santoro sorrindo com a manifestação mais do que esperada. Tinha variações. Maravilha ! e um hilário Wundenbach! (sic) na apresentação de um conjunto de câmera suíço. Com direito a sotaque maranhense.
Mariano Gonçalves Neto reservava sempre a mesma poltrona, bem próxima às orquestras. Seu grito despertava reações diferentes. Alguns o levavam na esportiva, afinal de contas o baixinho careca trazia um pouco de surpresa para o ambiente solene da música clássica. Outros, presos à tradição, olhavam torto e murmuravam “ridículo, a que ponto leva a vaidade!”. Mariano, do alto de sua elegância terno-e-colete, pouco se lhes dava. Se divertia e, reza a lenda, conseguiu acesso às estrelas do palco. Dizia, com orgulho, que Luciano Pavarotti deu-lhe um telefone de contato. Seu lema, variação de um Milton Nascimento clássico, era: Solto a voz no teatro/já não quero parar.
Mariano chegou a ser deputado estadual nos anos 80. Brizolista, seita em acelerado estágio de extinção no Rio. Figura folclórica, desses tipos que dão forma ao que João do Rio chamava de alma encantadora das ruas. Do mesmo nível do Bloco do Eu Sozinho, do feirante inventor do bordão “mulher bonita não paga … mas não leva”, dos velhos camelôs que, antes de fugir do rapa, vendiam giletes Wilkinson, a ingreza legítima, e perfume francês made in Praça Paris. Do Beijoqueiro, do Sheik das Cocadas, do Oi de Botafogo (vendedor de amendoim em viaduto, vestido de terno e gravata), do Profeta Gentileza.
A cidade, mergulhada numa depressão de dar gosto, vai matando seus tipos folclóricos. Geraldinos e arquibaldos, expulsos do Maracanã, coloriam o cimento com seus dentes sumidos, seus radinhos de pilha, seus urubus e pós-de-arroz. Madame Satã, travesti perito em rabos-de-arraia e navalhadas, soberano da velha Lapa, pródiga incubadora de causos, não deixou herdeiros. Conta-se que Madame Satã matou com um soco só o sambista Geraldo Pereira (“O escurinho era um escuro direitinho/Agora está com mania de brigão”). Enfrentou rádio-patrulha a pernadas e levou vantagem.
Políticos? A gente logo associa com máfia, pestilência, dissimulação. Pois já tivemos Barão e Lurdinha, digo, Tenório. Apparício Torelli, o Barão de Itararé, foi eleito vereador pelo PCB, nos anos 40. Consta que as sessões da Câmara tinham audiência redobrada quando ele estava em plenário. Ficou célebre seu discurso de despedida, quando a legenda do PCB foi cassada em 1947. Concluiu dizendo: “Saio da vida pública e entro na privada”. Alguém consegue imaginar Crivella ou Paes falando assim? Saudações baronis. Tenório Cavalcanti era outro estilo. Andava com uma submetralhadora, a quem apelidou de Lurdinha, escondida numa capa preta. Jogou Flávio Cavalcanti, apresentador de TV demagogo e conservador, na piscina de sua casa, em Duque de Caxias. Não faço juízo de valor, mas reconheço nele os traços do folclore político, que tanto nos enriqueciam de histórias.
A escassez das figuraças, dos inventores da realidade montados em nuvens, entristece as calçadas, os becos, as esperanças. Sua ausência carrega nas tintas a nossa pressa de não chegar a lugar algum. Sua falta nos lembra como andamos mais estressados, menos cordiais, indisponíveis para sair da couraça. Vivemos, oh vida, oh azar, o ocaso da carioquice.
Por onde andará o Magnífico ?
Abraço. E coragem.
por Mauro Nadvorny | 11 nov, 2020 | Sem Categoria
(Publicado originalmente em 10.11.2020 em Brasil247 – https://www.brasil247.com/blog/o-voto-judaico-nos-eua-a-quebra-de-estereotipos-e-como-sempre-o-conflito-israel-palestina)
Hoje completa-se uma semana desde as eleições estadunidenses e três dias desde que soubemos derradeiramente os seus resultados. E ainda estou celebrando a chegada desse momento que esperei diariamente por quatro anos. Nos últimos dias foram muitas lives, postagens e discussões, nas quais defendi meu argumento contra a turma do “Trump e Biden é tudo igual”. Não, obviamente não é. Biden é um político padrão, que defende os seus interesse e os do seu país, uma pessoa decente e que aceita jogar o jogo político no tabuleiro de xadrez ao qual este cabe. Trump é o oposto de tudo isto e foi o líder mais perigoso do planeta desde Hitler. Simples assim. Assimilado e reconhecido como o indiscutível líder mundial do Neonazifascismo, o “projeto de Führer” estava prestes a remodelar a Ordem Mundial, substituindo a Verdade pela Mentira, a Democracia pelo Autoritarismo, a Ciência pelo Negacionismo, e a Tolerância pelas Armas, tudo isso em um distópico cenário de supremacia branca cristã heteronormativa.
Desde 2016 nós da Esquerda basicamente só sofremos derrotas. A queda de Trump é somente a nossa terceira vitória desde então, se unindo à soltura de Lula em novembro de 2019 e à reversão do Golpe da Extrema-direita na Bolívia em outubro de 2020. Portanto devemos sim comemorar. E muito. Quanto a Biden, a partir do momento em que assumir a presidência em 20 de janeiro de 2021, estaremos atentos e seremos oposição sempre que necessário, como perenemente fazemos frente ao Imperialismo dos EUA.
Mas vamos ao tema deste artigo. Quantas vezes escutei por aí ou li na internet falarem que são os judeus, ou os sionistas (como se este termo significasse alguma coisa fora de um contexto), que colocaram e sustentaram Trump no poder? Incontáveis vezes. Sempre contra-argumentei me utilizando da arma que qualquer pessoa comprometida com a realidade e com a verdade porta: fatos. E os fatos são que os judeus estadunidenses são fundamentalmente democratas, ou seja, inimigos de Trump. Os números não mentem. Em todas as eleições – realmente sem exceção – desde que o voto judaico é computado (a partir de 1916), os judeus sempre votaram a favor dos liberais e contra os conservadores. Em algumas ocasiões, inclusive, a comunidade judaica optou em peso por candidatos de um terceiro partido ainda mais à Esquerda, como é o caso de Eugene Debs (1920), do Partido Socialista da América; de Robert La Follette (1924) e Henry Wallace (1948), ambos do Partido Progressista (todos os dados disponíveis na Jewish Virtual Library).
Em 2016 os números foram o seguinte: 71% dos judeus votaram em Hillary Clinton, enquanto 24% optaram por Trump (além de 5% que votaram em outros candidatos ou não quiseram responder). Pois bem, após quatro anos da pior presidência da história, em 2020 a comunidade judaica ampliou sua diferença entre azuis e vermelhos, votando em 77% para Biden e somente 21% para Trump (segundo estudo do instituto GBAO Strategies, realizado em 4 de novembro). Ou seja, somente um em cinco judeus se mostrou trumpista.
E realmente, em uma eleição cujos resultados foram tão “apertados”, o voto judaico de fato contribuiu para com a queda de Trump. Os números de judeus no país variam entre 7 e 10 milhões, dependendo dos parâmetros dos estudos. Sim, em números absolutos há mais judeus nos EUA do que em Israel. Inclusive, dos dez estados com maior porcentagem judaica na população, em nove venceram os democratas (perdendo somente na Flórida).
Mas e as políticas de Trump pró-Israel? Bem, a questão é simples: Trump acreditou que suas políticas de extrema-direita que beneficiam os nefastos planos do também ultradireitista Netanyahu, fariam com que os judeus estadunidenses caíssem de amores por ele. O que ele não compreendeu desde o início e continua a não compreender é o seguinte: os judeus progressistas – grupo no qual me incluo – de fato se importam dia e noite com Israel, mas se importam também dia e noite com os palestinos, com os Direitos Humanos, com a Democracia e com a Justiça Social. Os judeus que apoiam e aplaudem políticas fascistas são os judeus fascistas, que no caso dos EUA comprovadamente se mostraram mais uma vez absoluta minoria.
E nós continuaremos a lutar pela causa palestina, que ao nosso modo de ver não somente não contradiz a causa israelense, mas – muito pelo contrário – se abraça a ela. Uma Israel segura, livre, independente e soberana depende de uma Palestina segura, livre, independente e soberana. E o verdadeiro compreendedor da Ética Judaica sabe que nunca foi e nunca será admissível termos um Estado que oprime outro povo.
E antes que algum leitor bravo e desavisado regurgite a palavra Sionismo sem conhecer um centésimo de seu significado, já deixo claro: ao longo dos tempos houve diferentes significados para este termo. E em nossa contemporaneidade há também diversas acepções ao seu redor, fazendo com que isoladamente ele não signifique nada. Para mim, enquanto sionista de Esquerda, Israel deve possuir pleno e integral direito de existir soberanamente, da mesma forma que possui plenos e integrais deveres de conduta ética para com povos não-judaicos que habitam o país ou que se avizinham a ele. E a fundação de um Estado Palestino, que já tarda 72 anos, não pode esperar mais. E assim que fundado, terá os mesmos direitos e deveres que Israel e que qualquer outro país no mundo tem.
E por que isso não se concretiza? Simples: forças autoritárias – de ambos os lados, judeus e palestinos – que desejam manter o status quo da maneira que está, simplesmente pois lhes é interessante dos pontos de vista econômico e do mantenimento do poder político. E é claro, não somente os protagonistas judeus e palestinos possuem culpa nesta história, mas também diversos outros países do mundo e do próprio Oriente Médio, que possuem responsabilidade histórica pela verdadeira “bagunça” que criaram ao longo de séculos na região, através de seus impérios, mandatos, guerras e imposições.
Enfim, após um reinado tão longo e destrutivo politica- e ideologicamente de Netanyahu, sinceramente sou pessimista com relação à possibilidade de vermos uma solução vinda unicamente dos judeus israelenses. Minha esperança é que, em algum momento, os judeus da diáspora – aqueles que não vivem em Israel – possam ser a grande chave para o acordo que nós judeus progressistas e nossos amigos palestinos esperamos desde que nascemos. A comunidade judaica estadunidense pode ajudar. A alemã também, afinal é da mesma forma progressista. Já a brasileira, rachada em dois, em inevitável espírito de pura inimizade entre bolsonaristas e anti-Bolsonaro, pode contar com a metade que se propõe a positividades.
E quanto a Biden e Kamala, faço meu pedido público: tragam a Paz à mesa de discussão em Israel e na Palestina. Mediem, colaborem, joguem a favor das duas partes – ou seja, façam o oposto do que Trump sempre fez. Tomem o exemplo de Lula e Celso Amorim e visitem Israel e Palestina diversas vezes. Nós estaremos com vocês, colaborando para que assim como vocês exemplarmente enviaram seu ex-presidente de volta ao covil fascista de onde ele nunca deveria ter saído, possamos também nos livrar de Netanyahu e de todos os seus lúgubres aliados, incluindo o cidadão que hoje preside o Brasil.
Termino com as iluminadas palavras de Marek Edelman (1919-2009), último líder sobrevivente do Levante do Gueto de Varsóvia de 1943, que ilustram grande parte de minha identidade não somente étnica, mas, sobretudo, humana: “Ser judeu significa estar sempre ao lado do oprimido. Nunca do opressor.”
por Nelson Nisenbaum | 26 out, 2020 | Sem Categoria
O paciente, de 86 anos, traz a queixa de incapacidade de realizar certas tarefas que exigem atenção e memória. De alguma forma, sente-se frustrado, pois no seu sentimento, as falhas não ocorriam antes. Apresenta-se lúcido, consciente, orientado, demonstra grande cultura e fino senso de humor. Trabalhou em sua vida formal com assuntos complexos de duas grandes empresas de tecnologia e formou-se na mais competitiva das universidades. Não obstante um passado “agitado” sob o ponto de vista neurocirúrgico (2 neurocirurgias por problemas diferentes, a última para drenar o sistema ventricular por uma hidrocefalia de pressão normal, bem sucedida), tem vida totalmente independente, realizado todas as suas tarefas sem ajuda. Atualmente, trabalha administrando o seu próprio patrimônio. Suas comorbidades são hipertensão arterial e diabetes, ambas totalmente controladas com as respectivas medicações.
Diante da queixa, o neurocirurgião pede uma avaliação neuropsicológica completa.
A especialista surpreende-se com os resultados, sendo que todas as pequenas “torturas” cerebrais são correspondidas por respostas muito acima da média para a idade, muitas delas, no “teto” dos valores estatisticamente obtidos. Os dados são então retornados ao neurocirurgião, que entende que não há medidas adicionais necessárias sob o ponto de vista cirúrgico, pois o paciente apresenta desenvoltura cerebral irretocável e excepcional.
Mas tudo isso não resolve o problema do nosso paciente, que certamente continuará com a sensação de deficiência.Se o corpo está “perfeito”, de onde pode vir a sensação de impotência, frustração e inferioridade que atormentam o nosso paciente?
Às vezes os pacientes nos perguntam: “O que é a depressão”? “O que é a ansiedade”? “O que é a angústia”? “Por que eu sinto isto ou aquilo”?
São perguntas, que sob o ponto de vista objetivo de tudo aquilo que a ciência e a tecnologia podem alcançar, não têm resposta. Atribuir um mal-estar mental – e emocional – qualquer a um atributo químico que será minimizado por um outro químico pode ter efeito prático, mas absolutamente insuficiente para esclarecer de onde exatamente vêm as nossas emoções, como se formam, como se perpetuam, como aparecem ou como desaparecem. Entender o funcionamento cerebral como uma massaroca de neurônios e feixes de comunicação organizados em um aspecto físico peculiar e universal (pelo menos para a imensa maioria dos indivíduos) naquilo que chamamos de encéfalo é absolutamente frustrante. Se os grandes comportamentalistas animais já concluíram que os cachorros são pessoas, imagine isto transposto para um cérebro proporcionalmente muito maior que é o dos humanos.
Gosto de comparar os nossos pensamentos e emoções com o que vemos no céu. A formação, movimentação, desaparecimento e variedade das nuvens representa o resultado físico de fenômenos caóticos muito complexos, que nem os computadores mais poderosos já construídos são capazes de prever com absoluta precisão, embora o já alcançado seja notável. E quase todas as questões relacionadas ao binômio emoção/função quase sempre terminam no dilema do “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha”. Assim, a terra, o corpo da vida, e o Sol, o sopro permanente de tudo o que aqui vive sobre a terra, seus movimentos, ondas de energia, gravidade, termodinâmica, forças químicas, elétricas e magnéticas, tudo isso produz as lindas imagens das nuvens no céu, que parecem, na minha abstração, algumas expressões do “pensamento” da grande Gaia.
A ciência nos permite “desmontar” as coisas complexas em partes, nos permite alcançar os detalhes até um nível sub-atômico de tudo o que acontece. Mas o Universo ainda é cheio de mistérios. A física clássica vem sendo humilhada por um turbilhão de fenômenos totalmente incompreendidos mesmo após Einstein e Bohr (e todos os seus discípulos). Sabemos hoje que desconhecemos em torno de 80% do Universo. O que quer dizer que o Universo é composto por uma maioria de coisas que sabemos que existem, mas não temos a menor idéia do que sejam.
No mundo do nosso paciente também existem coisas que podem ser conhecidas em profundidade, o que até produzem certo deleite. Mas não são suficientes para resolver suas expectativas, frustrações e sensação de impotência. Alguma coisa em sua alma (podem usar qualquer modelo para a compreensão de “alma”, não apenas os esotéricos) permanece incomodada e eventualmente pode causar algum sofrimento.
Hora de chamar o psicanalista, que na maioria das vezes sabe como a coisa toda funciona, independentemente de conhecer suas partes nos profundos detalhes. De uma certa forma, ele será um bom “meteorologista”, lendo o céu do nosso paciente, interpretando-o, identificando padrões peculiares, e guiando nosso paciente no caminho de entender que está ao alcance dele mudar o clima.
por Richard Klein | 28 mar, 2020 | Brasil, Comportamento, Literatura, Livro, Sem Categoria
Capítulo 03
Todo menino é um Rei.”
Roberto Ribeiro
Sexta-feira, 23 de novembro de 1968 foi um dia único. A poucos quarteirões do nosso apartamento, a Rainha Elisabeth II estava dormindo hospedada no Hotel Copacabana Palace.
Se estivesse acordada de madrugada, teria se maravilhado com o espetáculo diário do sol clareando o horizonte. A beleza do mar refletindo o céu aberto e evaporando sua agua no ar fresco desencadeava o cantar dos pássaros nas milhares de árvores das ruas entre os prédios do bairro. Essa sinfonia soava no bairro inteiro, quer na sacada do hotel, quer no nosso quarto no décimo segundo andar. Ao fundo, dava para ouvir ondas quebrando ritmicamente na praia, sua espuma salpicado a areia, indo e vindo na vastidão.
Meu pai saiu para sua caminhada diária enquanto a Rainha, sua comitiva, Renée,
Sarah e eu continuávamos no sétimo sono protegidos por ar condicionados barulhentos.
Nosso despertador tocou às seis e quinze da manhã em ponto. Por mais que a preguiça tentasse me convencer de que nada tinha acontecido, não dava para ignorar o barulho metálico alto e irritante. No estupor, vi o vulto da Sarah se levantar e aliviar a situação desligando o aparelho. Já com onze anos, estava com sua sua cabeleira negra, comprida e despenteada envolvendo seu pijama favorito até o ombro.
Me ignorando, não só ligou a luz como também fez um barulhão abrindo o armário para tirar suas roupas. Depois, saiu para tomar banho. Quando abriu a porta, o ar quente invadiu o quarto. Lutando contra a claridade e o calor de baixo da coberta, num esforço sobre humano, me estiquei para ligar o rádio de pilha deitado no chão.
Assim que deu para ouvir seu ruído, girei o sintonizador até achar a Rádio Globo. Quando consegui, entrei em sintonia com o Rio de Janeiro. Essa era rádio preferida das domésticas, dos porteiros e de outras pessoas comuns. Para mim era o Brasil em estado puro, eu adorava mas ninguém em casa conseguia entender como nem porque.
O apresentador bem-humorado com uma voz de cantor de ópera, Haroldo de Andrade, conduzia o show matinal de maior audiência da cidade. Nele, além de fazer orações, transmitia notícias, divertia os ouvintes com curiosidades e fazia entrevistas com astros do futebol, do samba e das novelas. Era um programa interativo em que gente da cidade inteira ligava para deixar opiniões sobre os assuntos do dia. Durante os intervalos, tocava os últimos sucessos do samba e hits da Jovem Guarda: Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, Wanderléa entre outros. Roberto Carlos, o rei, devia ser muito caro para tocar naquele horário. Também havia a participação do astrólogo da programa, Alziro Zarur, que lia suas previsões com uma música mística, meio oriental ao fundo.
“Aquela porcaria” – que era como minha irmã se referia a meu programa de rádio favorito – estava no ar quando voltou do banheiro enrolada na toalha. Sem falar uma palavra, irritada com minha preguiça, mudou de estação, desligou o ar condicionado já fraco, abriu as venezianas de madeira e me mandou sair do quarto para que pudesse se vestir.
Ficou difícil dizer o que era mais irritante: não ser o mais velho, ser acordado daquela maneira ou simplesmente ter que levantar tão cedo. De qualquer forma, se me acordar era o que queria, funcionou. A luz forte e a música americana chata mataram o que restava da minha morbidez.
Antes de qualquer coisa, saí para a varanda. Assim os pés tocaram a cerâmica ainda fria, o sol bateu no meu rosto que, junto com a brisa vinda do Oceano Atlântico ali em frente, me desejou um bom dia. Aquele era o meu lugar favorito da casa; foi lá onde tinha aprendido a falar, a andar e a brincar. Adorava ficar ali contemplando a vista espetacular, sonhando acordado na rede de balanço em meio às plantas. Passava horas ali me debruçando no parapeito para ficar espiando as pessoas e os carros passando na rua lá embaixo.
Como um cão fiel, minha bola de futebol tinha passado a noite do lado de fora me esperando. Minha “dente de leite” não era uma bola profissional de couro, mas pelo menos não era daquelas infantis que mais pareciam um balão. Dava para jogar futebol de verdade com ela. Seu plástico esticado podia se tornar vil: se chutada com força contra a parede soava como um sino e caso a bolada acertasse na pele, vinha acompanhada de uma ardida enjoada. Por causa de acidentes com vasos e com outros objetos mais caros fiquei proibido de dar bicudas, fossem elas dentro de casa ou na varanda. Havia o perigo de quebrar uma janela, ou pior; segundo meu pai, se qualquer brinquedo caísse lá embaixo e acertasse a cabeça de alguém, poderia quebrar seu pescoço, rachar sua cabeça e talvez até matar.
“Já imaginou uma bola pesada?!”
“Mas como é que vão saber que ela veio daqui?”
“A polícia sabe de tudo!” respondeu Rafael se segurando para não rir.
Apesar das explicações, minha cabeça de jerico vivia tentada a jogar a bola lá embaixo para ver o que aconteceria. Estouraria? Até que altura quicaria de volta? Qual o estrago que causaria? Mas nunca me atrevi. Mais tarde acabei jogando uma daquelas bolas de borracha transparentes japonesas, mas o resultado foi decepcionante: não a vi quicando de volta nem ouvi barulho nenhum, simplesmente desapareceu.
*
Já frequentava a escola, a British School of Rio de Janeiro. Naquele dia a família inteira estava indo para o evento importante. Minha irmã, já vestida, veio até a varanda para ver o que estava fazendo. “Richard! Você ainda está aí!? Você vai atrasar todo mundo!”
Depois da mini bronca, fui me preparar. O bom de se estar no banheiro é que dava para ouvir o rádio da Maria, nossa empregada, na área de serviço. Ela também gostava da Rádio Globo mas de manhã cedo, para garantir que tudo fosse feito dentro do horário, ouvia a Rádio Relógio, uma estação que dizia as horas a cada dois minutos entre anúncios monótonos e informações bizarras.
“Você sabia que o rinoceronte africano tem dois chifres; o maior fica na frente e o menor atrás? Você sabia?… Biiip, biiip, biiiiip… são seis horas, quarenta e dois minutos e zero segundos… Biiip.”
Tanto eu quanto a Sarah adorávamos aquela mulata faladeira que vivia rindo de nossos hábitos gringos. Forte mas não gorda, lábios carnudos, um dente de ouro, olhos intensos e puxados como os orientais, ela enchia nossa casa de alegria brasileira, principalmente quando estávamos a sós. Anos mais tarde o porteiro, Zé, me contaria que Maria era fogosa e que a maioria dos empregados de nosso prédio já havia tentado algo com ela, com níveis variados de sucesso.
Depois do banho, de escovar os dentes, pentear os cabelos, vestir o uniforme com perfeição e colocar sapatos engraxados desconfortáveis estava pronto para me unir à família. Odiava com paixão aquelas frescuras, mas não tinha jeito.
Quando cheguei, estavam todos me esperando sentados embaixo do toldo na varanda. Em dias de sol, o café era servido ali numa mesa de plástico dobrável que minha mãe mandava cobrir para disfarçar sua simplicidade. Maria estava de uniforme fazendo cara séria em frente ao homem da casa e tomando cuidado para não derramar nada ao servir nosso café da manhã anglo-tropical; ovos cozidos, leite quente, mingau, geleia, bananas, mamão, suco de laranja espremido na hora, pão preto, mel e manteiga.
*
Café tomado, uniforme conferido e impecável, sapatos brilhando, com dona Renée, seu Rafael e minha irmã nos seus trajes mais finos, a família estava pronta para sair. Descemos juntos no elevador. Na portaria, minha mãe deu as chaves do carro para o garagista e logo que ele saiu com o Aerowillys na rua, eles entraram e partiram. Não fui com eles, tinha que ir no ônibus escolar, afinal era o único que estudava lá. Fiquei esperando com o Zé falando de futebol.
Para apanhar os alunos, o ônibus vermelho ziguezagueava entre as vias principais do bairro; a Avenida Atlantica, a Avenida Nossa Senhora de Copacabana e a Rua Barata Ribeiro onde, na sombra das árvores antigas, bondes soltavam faíscas brilhosas ao tocarem o emaranhado de fios elétricos sustentados pelos postes enferrujados.
Eram oito da manhã e todos meus colegas do bairro tinham enchido o ônibus. Antes de pegar o túnel, ficamos presos num engarrafamento junto com outros ônibus lotados, bondes, lotações, taxis e carros particulares. Motoristas impacientes buzinavam e gritavam sem qualquer motivo enquanto crianças descalças das favelas passavam no meio do congestionamento conduzindo seus carrinhos de rolimã, tão baixos que quase tocavam o asfalto.
Na nossa condição de gringuinhos grã-finos, olhávamos para aqueles meninos maltrapilhos pela janela com uma mistura de inveja e de medo. Muitos eram da nossa idade e sabíamos que apanharíamos fácil se tivessem a oportunidade de nos enfrentar. Eles eram contratados por feirantes para entregar seus produtos nas casas ou nos escritórios dos clientes. Esses mercados improvisados mudavam de bairro todo dia, mas onde quer que parassem, o odor acre de frutas, de carne e de peixes expostos ao sol era o mesmo. Seu cheiro e seu barulho inconfundíveis anunciavam sua presença a vários quarteirões de distância. De dentro das bancas de frutas, homens em camisetas rasgadas cantavam rimas para atrair as madames
“Ooooolha aí! Mulher bonita paga metade se levar meio quilo! – Olha a banana novinhaaaaa, dez cruzeiros a dúziaaaaa!”
Nos cruzamentos, policiais elegantemente uniformizados controlavam o trânsito por meio de uma coreografia de apitos, olhares e movimentos de mãos que lembravam um ritual de acasalamento de uma ave rara que os motoristas pareciam entender.
*
seguir
voltar
– Início –