Doenças e tabus

Doenças e tabus

Dos males humanos, a depressão é a pior das doenças. Existe um tabu imenso que se reflete no imaginário humano em relação às doenças psíquicas. É muito mais aceitável que se tenha problemas cardíacos, renais, hepáticos, que inclusive possam resultar em transplantes, ou mortes, mas os males da mente, esses devem ser escondidos no mais profundo baú, em locais inacessíveis, para que ninguém tome conhecimento, porque sofrer da mente é causa de vergonha, representa fraqueza. Quando uma pessoa assume seus problemas mentais em seu meio social, ela passa a ser estigmatizada, desacreditada, passa a carregar uma marca de vergonha. Os seus semelhantes não conseguem ser solidários com essa pessoa, pelo contrário, buscam a distância máxima, e passam a extirpar o doente da sociedade.

No ambiente de trabalho, essa pessoa é alvo de olhares de dó, de críticas, de medo, menos de compaixão. O depressivo geralmente não apresenta um motivo externo para a sua dor, porque é uma doença interna, e independe de fatores externos. Se o doente está numa situação global favorável, se tem uma família, um cônjuge, um bom emprego, se mora bem, então a pergunta não cala nunca: por que essa pessoa está a fazer drama? E surgem as falas equivocadas, sem qualquer embasamento científico, e dessa forma, o doente fica cada vez mais só.

Eu já fui vítima desse mal, e passei exatamente pelas situações citadas, e eram perguntas que eu ouvia diariamente, perguntas que eu não tinha como responder, porque também eu não conhecia as respostas. Hoje, anos após essa vivência, tenho em mim um novo olhar, um entendimento muito mais amplo, e apesar de admitir ser extremamente difícil conviver com um depressivo, ainda assim,  sei que tenho condições de fazê-lo, pois já trilhei esse caminho, e tenho gratidão pelos anjos com os quais pude contar durante essa difícil jornada.

Como profissional da saúde, eu realmente sonho com o dia em que as doenças mentais sejam vistas apenas como doenças, e que sejamos todos capazes de acolher o doente que está próximo de nós, esquecendo de nosso ego, e nos doando em humanidade.

Palavras

Palavras

Já é Outono, o tempo começa a esfriar

Mas nada é tão frio quanto algumas palavras

Emoções verbalizadas

Sentenças decretadas

Sonhos desfeitos

Pesadelos de solidão

É como se eu de repente

Despencasse do alto, em queda vertiginosa

Em direção ao nada

Mergulhando num vazio de emoções

Caminhando nesse escuro

Tropeçando nas tuas verdades

Debato-me e firo-me

Ou sou ferida

Isso já não importa

Nada me conforta

E o coração apenas sangra

Numa hemorragia perene

Até que em algum momento

Ele já não pulse

Yin Yang

Yin Yang

É preciso falar sobre o nosso despertar a cada amanhecer

Sobre a confluência de nossos corpos

Tal como Yin e Yang

A cada toque, é como se quiséssemos nos perpetuar um no outro

Como tatuagens sagradas

Com eternas marcas de amor

Esse desejo de ficar para sempre

Mesmo tendo que ir

Traz-me a certeza da urgência

De que é preciso voltar

E no momento tão esperado

Me lançar em teus braços

Como um rio que se une ao mar.

17/08/2021

A liberdade das letras

A liberdade das letras

Eu gostava de poder gritar o meu amor

Mas não me permites

De sorte que tenho a poesia

É através dela que liberto os meus sentimentos

Tu és o silêncio que me reprime

Escrever tira-me a mordaça

Tornas-te impotente diante do poder libertador das letras

Amo-te, e grito aqui

Onde tantos me ouvem

Uns choram

Outros encantam-se

Mas consigo tocá-los através do que sinto

O campo das letras é libertário

Aqui eu posso dizer que te amo

Consigo desenhar o teu corpo sob meu domínio

Em todas as noites em que és tão meu

Aqui eu posso gritar o tanto que eu sou tua.

28 de Elul, 5781

Um lamento de despedida

Um lamento de despedida

Como se fosse uma terapia
É preciso falar dessa dor que anestesia
Das palavras e atos que dilaceram a alma
Que destroem os sentimentos
Já não chegam lágrimas aos olhos
As lâminas de tuas palavras já não me fazem sangrar
Apenas sinto um frio que invade o meu ser
Como se eu me ausentasse de mim mesma
E observasse tudo como em uma tela
Uma pintura semelhante ao inferno de Dante
Ou A mulher sentada sobre os cotovelos de Picasso
Do sonho ao pesadelo
Do amor ao desencanto
Mas já não existe pranto
Ficaram essas palavras que expresso como se fosse um canto
Um lamento e uma despedida.
14/10/2021
08 de Chesvan, 5782

Feridas que sangram

Feridas que sangram

Existe uma ferida aberta no seio de minha alma
Que não para nunca de sangrar
Não me causa ira, sequer raiva pelo agressor
Só consigo sentir a dor
Que dilacera todo meu ser
Sinto esvair-se de mim toda a esperança que pode advir do amor
Já não enxergo a humanidade
Vejo-me cercada de zumbis
Seres sem sentimentos
Sem a menor capacidade de empatia
Se a cama é quente
A mesa é totalmente fria
Porque os zumbis não enxergam humanos
E são incapazes de sonhar e amar
Só sabem ferir e matar.
15/10/2020
9 de Chesvan, 5782