Benjamin Netanyahu demonstra desamor por Israel, na medida em que coloca os seus interesses pessoais e mesquinhos sempre à frente do amor e lealdade pelo Estado de Israel. Ficam atrás ainda a história e o sofrimento dos judeus e mesmo a libertação dos reféns.
Não fosse isto, amasse Israel antes de tudo, teria renunciado no exato momento em que o promotor do Tribunal Penal Internacional apresentou sua denúncia. Ou muito antes, envergonhado de ser o primeiro chanceler israelense que não soube cuidar dos seus cidadãos, permitindo o massacre de 7 de outubro. Assim será lembrado.
O atual primeiro-ministro faz jus às falas de Golda Meir, uma verdadeira estadista que, em sua sabedoria, disse que “a única maneira de eliminar a guerra é amar mais nossos filhos do que odiar nossos inimigos.” Para Netanyahu, seu ódio e seus inimigos estão em primeiro lugar e vão do Hamas e Hezbolah até a democracia representativa israelense e o sistema judiciário que quer puni-lo.
Não se duvida que Benjamin Netanyahu tenha algum afeto pelo Estado de Israel, mas com certeza este afeto é mediado sempre pela sua sobrevivência política e pessoal. Estas vêm sempre antes de qualquer outra coisa.
Benjamin Netanyahu cresceu politicamente navegando sobre o cadáver fresco de Yitzhak Rabin, assassinado em 15 de novembro de 1995 por judeus extremistas com os quais ele compartilhava uma ideologia em comum.
Netanyahu assumiu a chancelaria pela primeira vez em 18 de junho de 1996, sete meses depois do assassinato de Yitzhak Rabin, em uma Israel que ainda vivia seu luto. A lápide no túmulo de Rabin, que marcaria o fim do período do luto judaico, ainda estava por ser colocada.
Netanyahu enterrou os acordos de Oslo, promoveu mais e mais assentamentos ilegais e, hoje, coloca em risco os acordos de Abraão, o acordo de paz com o Egito conquistado por Menachem Begin há 46 anos e toda uma série de conquistas de Israel e dos judeus sobreviventes do Holocausto e dos seus filhos.
Ainda antes da guerra, e o que provavelmente contribuiu para a falha em proteger os cidadãos israelenses e prevenir o massacre de 7 de outubro, dedicou todos seus esforços e foco em dar um golpe no judiciário.
Para se manter no poder e não ser encarcerado, formatou uma coalizão com ministros racistas e supremacistas, cujas falas lembram de um período trágico em que os israelenses e judeus em todo o mundo clamam por nunca mais se repetir.
Os ministros Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, e sua extrema direita, trazem uma ideologia absolutamente incompatível com os princípios judaicos mais sensíveis. Eles vêm traçando falas desavergonhadas e sistemáticas na defesa de um genocídio palestino, o que contribuiu para a representação da África do Sul no Tribunal Internacional de Justiça, na ONU.
Eles não representam a comunidade israelense, não têm poder de fato, mas são o esteio para a permanência de Benjamin Netanyahu no poder e para evitar seu julgamento e condenação por corrupção. Netanyahu tem vários processos, foi denunciado por quebra de confiança, por aceitar subornos e por fraudes e agora deve acumular novas denúncias.
O dia 7 de outubro é fruto também de uma negociação ruim, malfeita, uma “tragédia”. Conduzida por este mesmo primeiro-ministro, de forma amadora, em 2011, foram trocados 1.027 presos palestinos, muitos deles com sangue judeu nas mãos, por um único soldado israelense, Gilad Shalit.
Pelo menos uma centena destes presos participaram dos estupros, violações, degolas, que incluíram judeus sendo queimados vivos, promovidos pelo Hamas no massacre do dia 7 de outubro. Dentre mais de mil presos trocados estava Yahya Sinwar, hoje chefe do Hamas em Gaza.
Esta é a índole e o caráter deste líder que jamais poderá ser chamado de estadista, pelo contrário, um homem covarde e moralmente fraco que, no intuito de permanecer no poder e não ir preso, tem, pelas atrocidades sob o seu comando e conduta, concorrido com a destruição da imagem de Israel no mundo, dando vazão para que os antissemitas retraídos em seus armários tentem justificar seus discursos de ódio.
Benjamin Netanyahu vem prolongando a guerra contra o Hamas, evitando soluções que deem guarida a um novo status na região de Gaza, com a implementação de uma nova gestão, em uma aliança entre o Fatah, países europeus e árabes, solução que já poderia ter iniciado no Norte e centro da faixa de Gaza.
Mas Benjamin Netanyahu quer prolongar a guerra, para se safar da justiça, e faz jus a outra máxima de Golda Meir: “A única alternativa à guerra é a paz e o único caminho para a paz são as negociações.” Deixemos claro, não necessariamente com o Hamas, mas com a liderança do Fatah, com a Arábia Saudita e com o Catar. Benjamin Netanyahu não tem o menor interesse nisto.
Benjamin Netanyahu foi denunciado pelo promotor do Tribunal Penal Internacional (TPI), que é uma instituição séria.
Seu diploma legal, o Estatuto de Roma, é muito claro quando diz que o:
“Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais. (…) Relembrando que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais.”
Isto significa que a atuação do TPI é preponderante quando os Estados Nacionais não são capazes de colocar no banco dos réus seus próprios criminosos, quando há falha no seu poder de fazer justiça, quando não possuem as ferramentas adequadas para destituir um primeiro-ministro que coloca seus interesses pessoais à frente dos interesses nacionais.
É neste momento que o TPI é acionado e ganha jurisdição (competência para julgar) líderes que cometem “crimes de maior gravidade”. A denúncia, no caso, foi de “crimes de guerra” e “crimes contra a humanidade” (não de genocídio, que com estes não se confundem).
Como dissemos, houvesse um mínimo de honra e caráter e seu amor por Israel fosse maior que seus interesses pessoais, Benjamin Netanyahu teria renunciado. Mas não, ele é um líder fraco e covarde.
Israel, portanto, tem sua responsabilidade e culpa direta, não é apenas o primeiro-ministro e o seu governo.
Tem faltado iniciativa dos demais líderes, da oposição e, ao que parece, o ferramental jurídico e constitucional não tem sido suficiente para destituir Benjamin Netanyahu. A movimentação de rua, da população, ainda é incipiente.
É certo que há o hábito, uma convenção, de que Israel não deve trocar lideranças em meio a uma guerra. Mas vivemos uma situação excepcional, Benjamin Netanyahu está destruindo o futuro do Estado de Israel e comprometendo a história do povo judeu.
Algo tem que ser feito logo, a oposição deve convocar e sair às ruas com a população o quanto antes, convocando a população para que o voto de desconfiança e novas eleições sejam realizadas o quanto antes.
O movimento tem que ser diário, o judiciário deve ser acionado, todos devem participar.
Só assim Israel poderá resgatar, algum dia, sua imagem e credibilidade. E isto não ocorrerá no curto prazo.
Dentre as múltiplas acusações que pesam sobre o “Estado colonial sionista de Israel” está a de praticar limpeza étnica e genocídio, em Gaza como nos territórios ocupados da Cisjordânia. As vítimas seriam, é claro, os palestinos. Será que as denúncias procedem?
A história, na versão palestina, começa com a grande catástrofe, a Nakba, consequência da criação de Israel, em 1948, seguida da primeira guerra. 700 mil palestinos teriam então sido obrigados a deixar suas casas, suas terras, e se refugiar nos países árabes vizinhos. Em maio de 1948, forças do Egito, Síria, Jordânia, Iraque , Arábia Saudita e Líbano invadiram Israel, levando à primeira de uma série de guerras . No ano seguinte foi alcançado um armistício e a Cisjordânia foi separada de Israel para se tornar território jordaniano e Gaza foi designada como território egípcio.
Vejamos sob um outro ângulo, dos nossos irmãos sefarditas: em 1948, 265 mil judeus viviam no Marrocos, em 2023 eram 2 mil; na Argélia, de 140 mil só restaram 50; na Tunísia viviam 150 mil judeus, contra 50 no ano passado. E assim por diante: na Líbia e na Síria eram por volta de 40 mil, hoje, zero; no Egito 75 mil, hoje 40; no Iêmen, 55 mil, hoje 50; no Iraque de 150 mil só restaram 7; e no Líbano (então Suíça do Oriente Médio) dos 20 mil ficaram 100.
Ou seja, a população judaica nos países árabes diminuiu 99,83%.
Em contrapartida, em Israel, viviam 156 mil árabes em 1948, contra 2.178.000 em 2023. Conclusão: neste período de 75 anos a população árabe em Israel cresceu 1.296,15%.
Em Gaza, a população passou de 34.250 a 2.106.745, com uma taxa de natalidade de 2,8, após ter chegado a mais de 4. Obviamente, hoje nenhum judeu vive na Faixa de Gaza.
Interessante também notar que dos mais de 900 mil judeus que foram expulsos dos países árabes, nenhum teria se tornado refugiado sob cuidados da ACNUR, a agência da ONU para os refugiados, enquanto a UNRWA, agência da ONU para os refugiados palestinos, criada em 1949, conta com mais de 30 mil funcionários, encarregados de dar assistência aos palestinos, que continuam vivendo em condições precaríssimas, em campos situados nos países árabes vizinhos. Em muitos deles, não têm o direito de trabalhar, de ter uma habitação digna, sem água nem saneamento básico, e sequer direito de se casar com alguém de fora do campo. Muito embora eles sejam filhos, netos e até bisnetos de refugiados.
Hoje, o Estado de Israel e os judeus da diáspora são acusados de terem cuidado dos seus. Talvez, na cabeça dos antissemitas, isto signifique limpeza étnica ou, quiçá, genocídio
Israel e Palestina estão em conflito há 100 anos. Mas, depois da guerra dos 6 dias, em 1967, quando Israel conquistou o Sinai, Gaza e Cisjordania os israelenses, judeus e árabes, e os palestinos e egípcios começaram um novo tipo de relação. Relação humana. Os israelenses iam a Cisjordania e a Gaza fazer compras e passear. O Sinai se tornou o paraiso da juventude israelense. Festivais de música, passeios, dive no Mar Vermelho. Os palestinos vinham a Israel, trabalhar.
Eu cheguei em Israel em 1973, 3 meses antes da guerra de Yom Kipur. Foi um trauma para os israelenses. Egito e Síria nos pegaram de surpresa, no dia mais sagrado do povo judeu, quando todos estavam na sinagoga, mesmo a maioria laica. Dia que não se trabalha, não há restaurantes, centros de lazer ou lojas abertas. Não há carros nas ruas.
Mas, depois da guerra voltamos a normalidade. Eu e minha parceira e todos meus amigos íamos pelo menos uma vez por ano ao Sinai. Minhas compras, principalmente de produtos não Kasher, fazia em Shoafat na parte oriental de Jerusalém. Descíamos ao mar Morto e passávamos por Jerico para comer, passear, fazer compras.
No Sinai mediterrâneo Israel construiu uma cidade. Yamit, um assentamento israelense na parte norte da Península do Sinai com uma população de cerca de 2.500 pessoas. Paraíso com suas praias e dunas de areia branca. Meu primo morou lá. Fomos visitá-lo várias vezes e a cada vez passávamos pela franja de Gaza e sempre íamos comer nos restaurantes da Cidade de Gaza que tinham schrimps deliciosos. Uma das vezes fui com meu primo, que era jornalista, entrevistar o assessor de Arafat, quando isso ainda era proibido. Sentamos em frente do mar Mediterrâneo, num restaurante. Almoçamos e conversamos sobre o futuro.
O governo de direita a partir de 1977, aumentou intensivamente a colonização. Havia um conflito político, haviam atentados terroristas, havia incursões na Cisjordânia. Israel era o poder, o opressor político. Mas, havia relações humanas e amizades entre israelenses e palestinos. Havia organizações pro Palestina em Israel. Em 1982 eu fazia parte de Shalom Achshav (Paz Agora) e Yesh Gvul (Tem Limite, movimento de reservistas que se recusavam a servir além das fronteiras de 67).
Com o acordo de paz com o Egito, Israel devolveu TODO o Sinai, apesar do paraíso que era, de praias dez vezes mais bonitas do que as de Israel, de dispensar o petróleo do Sinai e de arrancar a força os 3 mil moradores da cidade de Yamit, a grande maioria do povo em Israel estava totalmente a favor do acordo de paz. Perdemos a soberania do Sinai. Ganhamos a paz e continuamos a ir ao Sinai nas ferias. Eu ia com meus filhos pequenos ao Sinai, a Jerico e a Cisjordania. Meus filhos, hoje casados e pais de crianças pequenas, seguem indo ao Sinai.
Em 1993 pensamos que a paz venceu. Rabin e Arafat assinaram o acordo de reconhecimento mútuo. Festejamos, estávamos bêbados de alegria. Fui a Jerico alguns meses depois do acordo e havia um ambiente de festa, de alegria. Iamos devolver a Cisjordania e Gaza aos palestinos e como com o Egito, poderíamos seguir passeando como estrangeiros na Palestina. Terminou o terrorismo, terminou a opressão de Israel sobre o povo palestino. Um palestino deu o nome de Salam ao filho. Vim encontrar a Salam, no Centro Árabe de artistas plásticos, 30 anos depois. Que decepção em seus olhos. Salam sem Salam.
Se o assassinato de Rabin, foi o fim da esquerda em Israel e a conquista da direita e religiosos do governo, a 2ª Intifada, o maior erro de Arafat, de acordo com Abu Mazen, foi o assassinato da paz. Não mais Jerico, não mais Gaza, não mais Cisjordânia e a devolução de Gaza, sem um acordo de paz, que permitiu que a Hamas assumisse o governo, foi a declaração de guerra perpetua. Situação que fortaleceu as narrativas da extrema-direita e do fundamentalismo em Israel e em Gaza, levando a 4 operações de Israel em gaza e ao massacre de 07.10.23.
E como fiz durante estes 40 anos, volto ao Sinai, e lá me encontro com milhares de jovens israelenses que apesar de terem nascido depois da 2ª intifada, ainda sonham com a paz, na esperança de que possam visitar a Gaza e a Jerico, cidades do estado da Palestina, como turistas e não como reféns.
29.11.2023 – Esta Terra tem que ser compartilhada e não partilhada
Este último ano foi um ano cheio de bons e maus acontecimentos. Pensei que o auge seria o 1º Congresso Internacional de educação para Paz e Não Violência. Estávamos trabalhando há dois anos, arduamente, sem verba e sem uma estrutura organizacional. Junto a isso perdi o meu parceiro amigo, Sergio Storch. Com um pequeno grupo de ativistas, conseguimos juntar 50 palestrantes de 7 países que em 3 meses nos deram uma lição dexpazxexnãoxviolência. Ao terminar o congresso, pensei que iria sentar e escrever a conclusão propondo dois novos projetos. O primeiro um livro sobre educação para paz e não violência, o segundo o primeiro curso para jovens agentes de mudança no Brasil. As ideias voavam na minha cabeça, palavras e imagens. Assim trabalho antes de sentar-me e escrever.
Mas, justo quando pensei em escrever, acordei em um pesadelo, o maior de todos – o Shabat 7.10.23. A invasão de terroristas da Hamas, bárbaros, que perderam sua humanidade, que esqueceram o verdadeiro sentido do Corão, do Islamismo e das religiões. Fato não tão pouco comum. Seres Inumanos, fundamentalistas. Essa é a definição – fundamentalistas.
Com o passar das horas fomos nos inteirando do grau do massacre, do número de mortos, do modo da matança e da alegria desses inumanos por matarem judeus. Essa é a verdade que o mundo não quer reconhecer. A Hamas tem como ideologia matar aos judeus, aos cristãos, aos hereges muçulmanos e todos àqueles que não aceitam a Sharia. Não há nenhuma relação entre o movimento da Hamas, fundamentalista, com o Movimento de Libertação da Palestina.
Fiquei desnorteado, perdi minha bússola por uns dias. Logo em seguida fui a Portugal, Grécia e finalmente no dia 17 de novembro aterrizei em Israel. Decidi calar-me, tentando entender o que as pessoas, aqui, em Israel, que passaram por estes momentos terríveis, estavam sentindo, pensando. Minha família e meus amigos. O que diziam os jornais, a Midia e as redes sociais. Entender àqueles que estavam envolvidos em movimentos pro paz, a favor da libertação da Palestina. Entender o que os árabes israelenses estavam sentindo, o que pensavam do massacre. Ainda não pude entrar em contato com meus amigos e companheiros de caminhada pela paz na Cisjordânia, na Palestina.
No dia 29 de novembro de 1947 nas Nações unidas foi declarado a partilha da Palestina. Talvez ali tenha começado o conflito, talvez 40 anos antes. As datas para mim são importantes, elas são um “turning point” de processos históricos. Assim que decidi, hoje, escrever o que sinto, e principalmente o que penso. O que sinto tem uma reflexão na minha ideologia política, o que penso tem uma reflexão nos fatos. Me esforço ao máximo não fazer de meus sentimentos fatos, coisa comum nos dias de hoje.
Antes de colocar fatos quero colocar 3 reflexões ideológicas e um fato.
A primeira, relacionada com a partilha. Ambos os povos, judeu e palestino, tem direito a sua liberdade, a sua auto-determinação. A liberdade de um somente ocorrerá com a liberdade do outro. O povo judeu tem direito a seu Estado, Israel. Assim como o povo palestino tem direito ao seu, Palestina. A partilha promovia a divisão do território em dois estados e infelizmente os palestinos recusaram, apesar de terem 65% do território do Rio ao Mar. Não tenho que me justificar, mas quero deixar bem claro que sou um ativista e sempre serei pela causa sionista e palestina, pela Confederação Israel-Palestina.
A segunda, relacionada com o massacre de 07.10.23. Nada, mas nada no mundo poderá justificar esta barbaridade. O sofrimento do povo palestino não pode justificar o massacre, o assassinato de crianças na frente de seus pais, assassinato dos pais na frente de seus filhos, decapitação de crianças, violação de mulheres. Esta semana vi pela primeira vez fotos do massacre. Vi uma criança queimada com sua barriga aberta, uma mulher com seios cortados depois de ser violentada por um grupo de terroristas, que brincavam com seus seios arrancados como se fosse uma bola de futebol. E isso são as fotos e vídeos menos horripilantes. Se justificarmos estas ações pelo sofrimento do povo palestino, poderia dizer que o sofrimento dos judeus na inquisição, nos pogroms na Rússia, no assassinato de 80% de minha família em campos de concentração nazistas, justificaria a realização de barbaridades e massacres a cristãos, russos e alemães. Se justificarmos o massacre de 7.10, podemos justificar dezenas de massacres no mundo pelo sofrimento humano e pela violação do mínimo denominador comum de humanidade.
A terceira, é que existe uma desproporção total do conflito entre Israel e Palestina. Eu falo de soluções, para o dia de hoje e para o futuro. Aquele que queira falar comigo sobre o conflito Israel-Palestina, terá que provar que realmente sabe do que está falando, e não só de slogans antissionistas e antissemitas. Terão de falar comigo sobre o conflito entre xiitas e sunitas, do setembro Negro na Jordania, sobre o massacre de 5 mil palestinos na Síria, sobre a proposta da comissão Peel, sobre a Nakba e os refugiados palestinos, sobre os 600 mil judeus expulsos dos países árabes, refugiados em todo o mundo e em Israel. Assim como, terá que falar sobre os conflitos na Síria (350 mil mortos e 2 milhões de refugiados), Ukraina-Russia (240 mil mortos, 40 mil deles civis e 3 milhões de refugiados), Sudão do Sul (400 mil mortos e 2 milhões de refugiados), Yemen (233 mil mortos e 2 milhões de refugiados), Angola (1.5 milhões de crianças mortas e mutiladas), Brasil (20 mil crianças e jovens assassinadas por ano). Eu encerrei bate boca de slogans das narrativas dogmáticas sionistas e palestinas, de pesar quem sofreu mais, quem tem mais direito a estes territórios, quem deu o primeiro tiro, quem é o culpado da situação em que vivemos.
Sou um ativista pela paz, e como tal, quero falar de soluções do conflito e por último um fato. A relação atual na região de Israel-Palestina é de que Israel é o dominador, o opressor do povo palestino. O povo judeu conseguiu sua liberdade, sua independência, seu Estado. Os palestinos vivem desde 1947 na Nakba, sem sua liberdade, sem sua independência, sem seu Estado. Os setores de direita e religiosos em Israel, a favor do Grande Israel, rejeitam um Estado da Palestina. Permitem que colonos avancem na Cisjordânia, impedindo a continuidade territorial, que permitirá no futuro o Estado da Palestina.
Uma vez dito isso, quero colocar alguns fatos para justificar o dito acima e buscarmos a solução pacífica para o conflito. Provavelmente haverá pessoas que não concordam com os fatos que estou expondo aqui. Pessoas que suas analises históricas darão outra visão. Podemos dialogar sobre essas diferenças, assim como foi feito no livro “Side by Side” de historiadores judeus e palestinos, no qual a página da esquerda descreve a narrativa histórica sionista e a pagina da direita a narrativa histórica palestina.
Uma pouco de história
1020 a.C. – 740 a.C. – 1º reino de Israel
116 a.C. – 70 d.C. – 2º reino de Israel e nascimento de Jesus Cristo.
70 d.C. – o 2º Templo é destruído pelos romanos, que expulsam os judeus da região, mudando o nome desta de Judea para Palestina.
70 d.C. – 1504 – a região foi dominada por uma série de impérios e povos: romana, árabe, abássidas, fatímidas, cruzadas.
1512-1917 – Império Otomano – no início do império Otomano a população da palestina era de algumas dezenas de milhares, mistura de povos nativos e de imigrantes. Durante o Império Otomano, principalmente a partir do sec XVII, tribos beduínas, famílias, parte nativas, parte vindas da Síria (Assad), da península Arábica (Zaidan) lutam entre si para assumirem o poder econômico da região. Este é o núcleo que formou o povo palestino, que em 1889 eram em torno de 330 mil, dos quais 25 mil eram judeus.
1897 – 1º Congresso Nacional Judeu – depois da decepção da emancipação francesa (caso Dreyfus) e dos pogroms na Rússia a proposta nacional tornou se mais factível. 3 propostas de uma Nação judia – Argentina, Uganda e Israel. O retorno a Jerusalém, Sion foi aprovada. Sionismo, significa o retorno a Sion, o movimento de libertação do povo judeu. Herzl declara “um povo sem Terra para uma Terra sem povo (erro que definirá parte do conflito).
1917 – Declaração Balfour – os ingleses prometem um Lar Judeu na Palestina, após derrotarem os otomanos.
1919 – 1º Congresso Nacional palestino – após decepção da divisão da Grande Síria, no acordo Sykes-Picot em 1916, e da declaração Balfour, os palestinos declaram a necessidade de um estado da Palestina opondo-se ao Estado Judeu.
1936 – Comissão Peel – depois dos motins de 1929 e 1936 os ingleses propõe a divisão da Palestina.
1947 – Partilha – a ONU aprova a partilha. Os Árabes e os palestinos recusam e inicia-se a Guerra da Independencia, que levará a criação do estado de Israel e a Nakba Palestina, com 600 mil palestinos refugiados, principalmente na Jordania, Síria e Libano, que até hoje, 4 gerações, não são considerados cidadãos destes países (ao contrário dos palestinos que fugiram para Europa, EUA, América Latina e Brasil). O presidente palestino Abbas (Abu Mazen) reconhece que o maior erro palestino foi não aceitar a partilha: https://youtu.be/I2g5J44mSww
1950-1955 – 600 mil judeus são expulsos dos países árabes, em sua maioria para Israel, sendo absorvidos como cidadãos. 20% fogem para Europa, EUA, América Latina e Brasil)
1936 1947 1948
75% Palestina 65% Palestina 35% Palestina
25% Israel 35% Israel 65% Israel
Um pouco-muito de guerras
Nº de guerras: 9
Nº de operações militares: mais de 200
Nº de ataques terroristas: mais de 400 (4000 mortos, sem contar 7.10.23 1400 mortos)
Nº de mortos no conflito entre Israel e países árabes: 51000 (35000 árabes e 19 mil judeus).
Nº de mortos no conflito entre Israel e Palestina: 19000 (13000 palestinos, 6 mil judeus)
Nº de mortos na guerra de 7.10.23: 1600 israelenses, 15000 palestinos.
Nº de palestinos mortos no setembro Negro no conflito entre palestinos e Jordania: 10000
Nº de palestinos mortos na Guerra da Síria: entre 3-4 mil
Nº de palestinos da Fatah mortos pela Hamas: entre 300-500
Um muito-pouco de acordos de paz
1979 – Acordo de paz entre Israel e Egito – Israel devolve todo Sinai e destrói todas as colonias e a cidade de Yamit.
1993 – Acordo de Oslo – entre Israel e Palestinos. Reconhecimento mútuo. Arafat reconhece a Israel como Estado do povo judeu e Rabin reconhece o direito dos palestinos a um estado. O território da palestina foi divido em 3 (A, B, C) e cada setor seria devolvido em partes. Com o assassinato de Rabin e a subida da direita, o acordo se esvaziou, ficando a zona C nas mãos de Israel.
1994 – Tratado de paz entre Israel e Jordania, colocando fim ao conflito e iniciando a cooperação de agua, território, turismo e economia.
Em vários artigos que escrevi e em meu livro, comentei que podemos nos fixar no problema ou na solução. Focar no problema, é focar no medo, no passado, na narrativa dogmática, na inflexibilidade de poder ver o outro lado, na desumanização do outro, e assim não necessitamos reconhecer o direito da existência do outro.
Fixar-se na solução é entender o passado, focar no presente, buscando uma solução para um mundo melhor no futuro. É fixar-se no amor, na reconciliação, na inclusão do outro e no reconhecimento de sua existência.
Se olharmos ao passado podemos analisar o contexto geopolítico desde o Império Otomano, sua destruição, surgimento do acordo Sikes Pycot, o mandato britânico que prometia o Lar Judeu no que hoje é Israel-palestina-Jordania (1922), o acordo Peel (1936) que dividia a região Israel-Palestina (já sem a Transjordânia) em dois Estados, dando aos palestinos mais de 65% dos territórios e que foi recusado por estes, a partilha de 1947, com 60% território aos palestinos, a guerra da independência de Israel e a Nakba Palestina e finalmente a guerra dos 6 dias com a conquista da Cisjordânia e da franja de Gaza.
Podemos discutir as narrativas de ambos os lados, de forma dogmática, como comentei acima, baseada no medo e no não reconhecimento do outro. Numa situação de conflito “ou eu ou o outro e não há lugar para os dois”. Postura esta assumida pela Hamas e pelo governo de Bibi, durante mais de 15 anos, e principalmente no governo de extrema direita atual. Numa postura de não reconhecer a existência e o direito do outro povo a um Estado.
Sempre recomendo um livro “Side by Side”, copilado por Eyal Naveh, da Universidade de Tel Aviv. Naveh convidou a dois historiadores, palestino e israelense (Sami Adwan e Dan Bar On), que escrevessem a história do conflito, dividido em capítulos, desde o início do Mandato Britânico.
Ao copilar o livro, colocou as narrativas uma ao lado da outra. A página da direita, a narrativa israelense, sionista. A esquerda, a narrativa palestina. Ao ler o livro, o leitor se torna menos dogmático, podendo aceitar que existe outra narrativa, que existe outro povo com sua história, processo, sofrimento. O que chamo de fazer um “zoom out” para ver de forma mais ampla o conflito, retornando ao “zoom in” para agir de forma mais flexível, mediativa, reconciliativa.
Eu prefiro olhar para a história, analisando-a, buscando entender as narrativas diversas, sem se esquecer que cada povo, internamente, tem uma gama de narrativas, muitas delas conflituantes. O sionismo humanista socialista é antagônico ao sionismo revisionista-messiânico. São dois mundos opostos, dentro da visão sionista. O primeiro levando em consideração a existência do povo palestino e do direito a este a um Estado, enquanto o segundo, semeando o ódio, a não existência do povo palestino, e a aspiração ao grande Israel. O mesmo podemos dizer do lado palestino. A Fatach, maior partido dentro da OLP, reconhecendo a existência do estado de Israel como estado judeu (Arafat já reconheceu isso, mesmo antes do acordo de Oslo) e a Hamas, proclamando a destruição do estado de Israel e o não direito do povo judeu a um estado. Fácil identificar como setores fundamentalistas islâmicos e judaicos e de direita e extrema direita.
Prefiro tentar identificar àqueles que é possível um diálogo, a busca de uma solução justa a ambas as partes, levando em conta fatores humanos, culturais, históricos, religiosos.
Os movimentos de libertação do povo judeu e do povo palestinos
O movimento de libertação do povo judeu, o movimento sionista político, é um leque de posturas políticas. O primeiro sionismo foi o sionismo messiânico. O povo judeu durante 2000 anos, desde a destruição do 2º templo e a expulsão da Judeia (em 135 d.C. os romanos substituíram o nome Judeia por Palestina para mostrar que não consideravam mais esse território como território dos judeus) rezava no próximo ano em Jerusalém. O sionismo político surge com os movimentos nacionalistas na Europa, depois da decepção da Emancipação na França (caso Dreyfus) e a revolução na Rússia (pogroms), e a esperança de tornarem-se parte integral dos povos. A esquerda, está o sionismo representado por Borochov e A.D.Gordon, desde anarquista-comunista, sendo os kibutzim a sua pratica. Os moshavim, outra forma de comunidade agrícola, socialistas. A direita estão o sionismo revisionista, de Jabotinsky , que ansiava pelo Grande Israel, aos dois lados do Jordão e o sionismo religioso, que pregava o direito do povo judeu a Terra de Israel por mandado de Deus, com seu representante , Rav Kook.
Os primeiros imigrantes judeus, no final do século XIX, formaram os kibutzim, comunidades agrícolas, sem propriedade privada, sem salários, com estrutura familiar revolucionária, na qual praticamente os filhos eram filhos do Kibutz, da comunidade. O movimento sionista socialista-humanista era a maioria no Congresso Sionista até a formação do Estado em 1948, e a partir daí governou até 1977. Em 1977 o partido Likud, representante do sionismo de direita, sionismo revisionista e religioso, assume o poder até os dias de hoje.
Neste último ano o Likud voltou assumir o governo, depois de um intervalo de um ano, fazendo uma coalisão com partidos de extrema direita (a corrente Cahanista que são extrema direita, fascistas, pregando a expulsão dos árabes para além do rio Jordão, transfer) e com os partidos religiosos ultraortodoxos, pregando um estado teocrático.
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, o Emir Faiçal foi proclamado rei , aspirando a Grande Síria, que dominava os territórios da Síria, Libano e Palestina. Os palestinos sem aspiração nacional, queriam fazer parte da grande Síria. Mas, com a vitória da França e Inglaterra e a divisão territorial no acordo de Sykes Picot, a grande Síria se desintegrou, sem ter sido criada, em Síria, Libano e Palestina. Em 1919 os palestinos realizam o 1º Congresso palestino, exigindo a Palestina para si e o fim da imigração de judeus a região. Assim como o movimento sionista, o movimento de libertação da Palestina se dividiu em várias tendencias políticas. Ao início nenhuma delas reconhecia o Estado de Israel como Estado do povo Judeu. Em 1964 surge a OLP, união de partidos e secções palestinas, para lutar contra o Estado de Israel. O principal partido, Fatach, comandado por Yasser Arafat, vem a reconhecer o estado de Israel no acordo de Oslo, ao contrário dos movimentos de Hamas, Jihad Islâmica, Irmandade muçulmana e outros.
Assim que apresentar os movimentos de libertação do povo judeu, como sendo de direita, imperialista e o movimento de libertação palestina como um movimento de esquerda, anti-imperialista é totalmente simplista e populista. Poderíamos identificar os partidos de esquerda e centro em Israel e a Fatah na Palestina como partidos a favor de um acordo e reconhecimento do Estado da Palestina ao lado do Estado de Israel e os partidos do Likud, da extrema direita e religiosos do lado israelense e a Hamas e a Jihad como partidos de direita e não reconhecendo a existência um do outro, assumindo a postura “ou nós ou eles”. A grande Israel ou a grande Palestina.
Os extremos se encontram
Muitos poucos sabem, mas em Israel e na Palestina existem 170 organizações a favor da paz, direitos humanos, 2 estados e contra a Hamas e o governo de Israel. Grande parte destas organizações são organizações israelenses-palestinas, com sede em Israel e na Palestina (Cisjordânia).
Muitos poucos sabem, que em 1993, com a assinatura do Acordo de Oslo, 70-75% dos israelenses e dos palestinos eram a favor do fim do conflito, do reconhecimento mútuo e do acordo de paz.
Muitos poucos sabem que antes do 7.10 48% da população palestina em Israel, se identificava como israelenses palestinos. Depois do 7.10, 70%.
Então se a maioria do povo judeu e do povo palestino são a favor da paz, como chegamos aonde chegamos?
Israel desde 1977 vem sendo dominado pela direita, que se uniu aos partidos religioso e utra-religioso (Haredim). O partido sionista religioso tem como ideologia a criação do Grande Israel (Israel Hashlema), o Israel histórico, do rei Salomão. Gush Emunim é o movimento de colonização na Cisjordania (e anteriormente também em Gaza). Os partidos ultra-ortodoxos, Agudat Israel de judeus ashkenazim (europeus) e Shas de judeus sfaradim (países árabes), tem como ideologia transformar Israel em um país baseado nas leis religiosas (Halacha) e no momento conseguir o máximo de financiamento de suas organizações e isenção do exército.
Houve três pequenos espaços de tempo nos quais a esquerda ganhou as eleições. 1992-95 com Rabin e 2000-2001 com Barak. Rabin e Arafat deram o primeiro passo para o reconhecimento mútuo e a criação do Estado da Palestina, rompido com o assassinato de Rabin e a 2ª intifada. Barak e Arafat fracassaram na tentativa de seguir o processo de Oslo e com isso a esquerda em Israel morreu. No terceiro espaço de tempo, entre 2006-2009, com o movimento de centro Kadima e com o 1º ministro Ehud Olmert, que quase conseguiu realizar um acordo de paz com Abu Mazen, mas se demitiu por corrupção. Em 2009 Bibi Nataniahu assume o poder, até os dias de hoje. Com Nataniahu no poder os grupos religiosos adquirem mais força, realizando a “coalisão natural” entre a direita e os partidos de sionismo messiânico e fundamentalistas. Esse governo, se recusa a seguir as conversações iniciadas por Olmert, e enfraquece a Autoridade palestina (OLP), que estava disposta a dialogar um plano de paz, e fortalece a Hamas, que se opõe ao Estado de Israel, principalmente permitindo a vinda de dezenas de milhares de dólares por mês de Qatar a Gaza, com o objetivo de comprovar de que não com quem conversar sobre um acordo de paz. Do lado da Hamas isto também era positivo, pois fortalecia sua posição interna em Gaza e na Cisjordânia. Essa simbiose, que ao princípio parece totalmente ilógica, era a única forma de sobrevivência dos dois poderes.
Em 2012 membros do partido sionista religioso (messiânico) junto com judeus americanos criam o Forum Kohelet, que definirá a política a ser tomada para que Israel se torne mais judaica e nas entre linhas anexando os territórios da Cisjordânia, realizando o sonho milenar messiânico do reino de Salomão.
Em 1995 havia 130 mil colonos na Cisjordânia. Em 2022, 550 mil. De 2009 a 2022 houve 4 operações (mini guerras) em Gaza, Nataniahu foi processado por corrupção (o julgamento ainda está em andamento). Nas últimas eleições o partido de extrema direita, racista, homofônico, a favor do transfer ganhou 14 bancas no Parlamento. Junto com os partidos ultra-ortodoxos obtiveram 25% das bancas e na coalisão 50 % dos ministros. Por interesses pessoais de Bibi Nataniahu e ideológico da extrema direita messiânica e dos fundamentalistas, este novo governo (direita inteira-inteira, assim chamado) decide romper com a estrutura democrática e realizar a “reforma judiciaria”, para passar o poder as mãos do governo, instituindo uma ditadura judaica de direita.
Durante 9 meses, mais de 400 mil pessoas saíram todos os sábados para protestar contra a reforma. O governo estava obcecado pela reforma, atuando de forma agressiva, declarando de traidores, anarquistas, “esquerda” (de forma pejorativa) a todos os que eram contra a reforma. Com Bem Gvir como ministro de segurança interna e Smotrich como Ministro das finanças, ambos do partido religioso sionista messiânico, há um incremento de atos terroristas por parte dos colonos judeus na Cisjordânia.
O serviço de informação, os comandantes do exército, os principais economistas alertaram sobre o perigo e o enfraquecimento econômico e da segurança. Como se diz em Israel “o aviso estava escrita nos muros”.
Durante esses 14 anos de governo de Bibi Nataniahu, criou-se a concepção de que a Hamas não era uma ameaça e que a construção da Cerca eletrônica, os meios tecnológicos, a destruição do sistema de tuneis garantiam total segurança a Israel.
Nas eleições na Palestina, o partido Hamas surpreende e vence as eleições. O Hamas, palavra que significa “Movimento de Resistência Islâmica”, foi fundado em 1987 após o início da primeira Intifada, que foi uma ampla revolta palestina contra a ocupação israelense em seus territórios. O grupo foi criado a partir da Irmandade Muçulmana que, até então, fazia um trabalho de assistência social na Palestina. Ao contrário do Fatah, partido que ainda hoje administra parte da Cisjordânia, o Hamas se opôs aos acordos de Oslo, não reconhecendo o estado de Israel e não aceitou desistir da luta armada e, que levaram a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) a depor as armas e negociar com Israel. A Hamas por definição e pela plataforma ideológica é um movimento de extrema-direita, fundamentalista, islamista, com o objetivo de impor a Sharia a Palestina, desde o Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo.
Ao contrário da definição de Gaza como um Campo de Concentração criado por Israel, Gaza se transformou numa Base Militar criada pela Hamas. O dinheiro enviado todos os meses por Qatar foi utilizado para construção de 500 km de tuneis subterrâneos e fabricas de armamentos e misseis, inclusive nos subsolos dos hospitais e das escolas da UNWRA. A Hamas não tinha o menor interesse em melhorar a situação econômica dos palestinos da Franja de Gaza. O desemprego, a pobreza só contribuíam para os objetivos militares e terroristas da Hamas. Dominando totalmente qualquer setor da vida em Gaza, a Hamas desenvolveu um sistema educacional de ódio a Israel e aos judeus. Nas escolas doutrinavam para a destruição de Israel e vangloriando o Shahid, que ao se suicidar matava judeus.
Assim sendo desde 2009 os extremos de ambos os lados dominam a arena do conflito. A esquerda em Israel morreu e a OLP perdeu a força também na Cisjordânia. Para o governo de Israel e para a Hamas, esta é uma situação W-W, na qual conseguem através da ideologia do medo, do ódio e da violência dominar a sua população, causando mortes de civis, sem sentido, investindo nas armas, criando uma estrutura de corrupção. Não há um lado de opressor e um lado de vítima entre os governos. Eles, ambos, são os opressores e os povos as vítimas. E volta a ressaltar, sem dúvida, o povo palestino é o que mais sofre, é o que não tem liberdade, é o que é oprimido pelo seu governo, Hamas, e pelo governo de Israel, é o que vive em condições precárias, com alto desemprego, salários baixos e sem infraestrutura de agua, luz, estradas, porto, aeroporto.
Para iniciarmos uma renovação do processo de paz só há um caminho. A queda da Hamas e do governo de Israel. O governo de Israel, depois do 07.10, está desacreditado e segundo todas as pesquisas este é seu último mandato. O Centro comandado por Ganz e Lapid deverão assumir o poder com outros partidos de centro-esquerda. A pergunta fundamental é como terminar com o poder da Hamas em Gaza. Será que existe outra forma sem ser esta que Israel está realizando, com um custo altíssimo de mortes de civis? Será que os países árabes e principalmente Qatar, Arabia Saudita e Egito conseguiriam por fim a Hamas e exigindo um cessar-fogo? Se não conseguir finalizar o governo da Hamas em Gaza, seguiremos com o conflito e provavelmente com a subida pronta do governo de direita em Israel.
Isto é uma condição necessária, mas não suficiente. É preciso que em seus lugares assumam governos moderados, que darão continuidade ao processo de paz e que modificaram a narrativa do medo, do odio e da violência, em toda a sociedade e em particular no sistema escolar, para criar uma geração de esperança. Junto a isso é necessária uma pressão vinda a Israel dos Estados Unidos e da Liga Árabe aos palestinos. Por último é preciso investir na economia palestina e principalmente na Franja de Gaza e na sua reconstrução.
E qual seria o acordo de paz entre Israel e a Palestina?
Existem várias propostas para um tratado de paz. Vou trazer as principais:
A Iniciativa de Paz Árabe (2002): é um plano político da Liga Árabe (especialmente da Arábia Saudita) para acabar com o conflito árabe-israelense, segundo o qual todos os Estados árabes normalizarão suas relações com Israel em troca de uma retirada total israelense das Colinas de Golã, da Faixa de Gaza e da Judeia e Samaria (incluindo Jerusalém Oriental) e do estabelecimento de um Estado palestino independente com Jerusalém Oriental como sua capital. Em relação ao problema dos refugiados, o plano propõe “encontrar uma solução justa e acordada”, de acordo com a Resolução 194 da Assembleia Geral da ONU (a resolução afirma que “os refugiados que desejam retornar às suas casas e viver em paz com seus vizinhos poderão fazê-lo o mais cedo possível”, uma redação que, de acordo com a interpretação árabe, exige o retorno dos refugiados à sua terra natal.
Acordo de Geneve (2003): O Acordo foi preparado em segredo durante mais de 2 anos antes do documento de 50 páginas ser oficialmente lançado em 1 de dezembro de 2003, numa cerimónia em Genebra, Suíça. Entre seus criadores estavam negociadores formais e arquitetos de rodadas anteriores de negociações israelense-palestinas, [1]incluindo o ex-ministro e político israelense Yossi Beilin e o ex- ministro da Autoridade Palestina Yasser Abed Rabbo . Os principais conceitos incluídos no Acordo de Genebra são:
Uma declaração mútua israelo-palestiniana do fim do conflito e das reivindicações futuras.
Reconhecimento mútuo de ambas as nações e do seu direito a um Estado independente.
Retirada quase completa de Israel para as fronteiras de 1967 com base numa troca de terras 1:1
Uma solução abrangente para a questão dos refugiados palestinos baseada nos Parâmetros Clinton(2000); dos quais a principal componente será a compensação e o regresso a um Estado Palestiniano independente .
A Jerusalém judaica como capital de Israel e a Jerusalém árabe como capital da Palestina, com áreas judaicas sob soberania israelense e áreas árabes sob soberania palestina.
Um Estado palestiniano não militarizado e disposições de segurança detalhadas.
“Mapa de guardanapo” (2008): é um nome coloquial para um esboço palestino feito pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, em um guardanapo, de um mapa com propostas de troca de terras que lhe foi mostrado pelo então primeiro-ministro Ehud Olmert durante as negociações de paz em meados de 2008. Na proposta do próprio Primeiro-Ministro Olmert, Israel anexaria 6,3% da Cisjordânia. Em troca dessas concessões da Autoridade Palestiniana, Olmert ofereceu 5,8% das terras israelitas como parte da troca.
Quando Mahmoud Abbas pediu para manter uma cópia do mapa para análise posterior, Ehud Olmert recusou. Mahmoud Abbas esboçou à mão o mapa de Ehud Olmert num guardanapo para ter uma cópia para análise posterior. Este mapa foi posteriormente referido como mapa do guardanapo.
Confederação Israel-Palestina: A guerra da Independência ou a Nakba, criou uma realidade na qual 600 mil refugiados palestinos abandonassem a região para Jordania, Siria e Libano. Outros foram para Europa e Américas. Assim como os judeus que foram expulsos dos países árabes, 600 mil, e que foram a Israel e a Europa e Américas. Isto é uma situação irreversível. Não há como voltar. Não há como solucionar uma desgraça criando uma desgraça.
É preciso entender que qualquer solução terá que ser desenvolvida levando em conta a desgraça criada ao povo palestino e buscando uma forma de compensação ao passado. Para chegar a uma solução que não seja simplesmente um acordo de paz assinado por líderes políticos e que não corresponda a realidade histórica, cultural, religiosa é preciso muito mais do que uma simples divisão
de dois estados soberanos, Israel e Palestina. É preciso reconhecer que o povo judeu está vinculado em seu DNA, em todas suas células a região da Cisjordânia. A Hebron, Judeia e Samaria. A cada passo que se dá nesta região há um fator histórico que conecta o povo judeu a esse pedaço de terra. Assim como, é preciso reconhecer que o povo palestino está vinculado em seu DNA, em todas suas células a região do atual estado de Israel. Askelon, Yaffa, Haifa, Zfat, Nazareth, 300 aldeias que foram destruídas na guerra da independência/Nakba. Talvez um Estado binacional seria a melhor solução. Mas, é totalmente inaceitável pela maioria dos dois povos.
Sou membro de um movimento político Land for All , que tem representação israelense e palestina com sede em Israel e Palestina, que leva em consideração a narrativa de ambos os povos, de ambos os movimentos de libertação, o sionista e o palestino. Movimento que além de um acordo legal, leva em consideração o que foi dito anteriormente, as aspirações de cada povo, baseadas em sua história, religião, cultura. Uma solução que foge do que já foi tentando e busca um pensamento “out of the box”, quebrando paradigmas de esquerda e direita. Utópico? Talvez, mas bem menos do que acreditar que podemos ter hoje um estado Binacional ou dois estados independentes com um muro separando entre eles. Em vez de reescrever o programa, anexo aqui dois vídeos e a plataforma do mesmo.
Para finalizar quero colocar dois princípios básicos do movimento que pertenço e que relacionam a força da violência.
O primeiro de que durante 75 anos de conflito, a violência não solucionou o conflito, muito pelo contrário. São mais de 200 guerras e operações militares e atentados terroristas de ambas as partes. São mais de 50 mil mortos. Muitos dizem que demos chance aos processos de paz. Houve somente 5 tentativas de verdadeiro diálogo. A violência palestina só levou a uma maior violência israelense. Os ataques do grupo de extrema direita fundamentalista Hamas e Jihad Islâmica (não me venham dizer que são organizações de esquerda) só resultou na subida e reconhecimento dos grupos terroristas de Kach, Terror contra Terror, Noar Hagvaot e outros, justificando suas ações, a tal ponto que conseguiram representação de 14 membros no parlamento (mais de 10%). A única solução é o diálogo e ativismo não violento. Ali Abu Awad, fundador do primeiro movimento pacifista palestino (Teghyer) diz de forma simbólica que “no dia em que conseguirmos que 10 mil israelenses e 10 mil palestinos se juntem nos muros, conseguiremos a paz”.
O segundo princípio fundamental do movimento é que “Não resolveremos uma injustiça criando uma nova injustiça”. Não resolveremos o problema dos refugiados palestinos expulsando os judeus de seus territórios.
O que aconteceu no dia 7 de setembro não pode ser justificado pela opressão do povo palestino por Israel. Não pode ser justificado por Dir Yassin, por Sabra e Shatila, por Mearat Hamachpela, por Duma e por todos os palestinos que morreram pela opressão de Israel. Assim como condenei junto com centenas de milhares de israelenses todas essas chacinas e exigimos a condenação daqueles que a cometeram, espero dos palestinos que condenem essa chacina e todas as outras do passado, pois ódio, chacinas e violência têm que ser condenada por todos àqueles que acreditam que ambos os povos têm o direito a existência, a liberdade e a um Estado.
Do rio ao mar, cada pedaço de terra, cada árvore se nutre de sangue judeu e palestino derramado nos últimos cem anos. Esta Terra não pertence ao povo palestino e nem ao povo judeu. O contrário é o certo. O povo judeu e o povo palestino pertencem a esta Terra, e ela tem que ser compartilhada e não partilhada.
Há momentos em que não há meio-termo possível, em que somos obrigados a tomar partido, sem ambiguidade e sem “mas”. Este momento é agora. Estamos mergulhados num desses tempos de plena mutação, em que as decisões que tomamos definirão o rumo da História. Nós, que vivemos em democracia, temos a chance de nos manifestar, negada a bilhões de cidadãos no mundo inteiro. É por isso que não temos desculpa, não temos, porém. Somos livres e por isso não temos direito ao silêncio ou à indiferença.
É assim com relação à guerra, é assim com relação à política. A questão que se coloca é queremos ser livres, donos do nosso destino? Ou preferimos enfiar a cabeça na areia tal qual os avestruzes esperando que tudo se « resolva » por si só?
A hipótese do avestruz parece ser a preferida de muitos, mais ainda no que tange à política. O populismo extremista, apesar de todos os pesares, continua a ganhar terreno, com a reeleição de Viktor Orbán, na Hungria, o crescimento da extrema-direita na França e do inominável no Brasil.
Caímos facilmente na ilusão de dizer que ao final de um mandato, ou daqui a seis meses, um ano, o pesadelo terá passado e poderemos regressar tranquilamente à vida que vivíamos antes, inclusive antes da guerra de Putin. Ela diz presente todas as noites, na hora dos telejornais, que transmitem as imagens de horror que nos chegam continuamente da Ucrânia. É inegável que sentimos um soco no estômago, revolta, sentimento de angústia. Mas também sabemos que os efeitos da violência pouco a pouco se banalizam, sobretudo quando estamos longe. A barbárie acaba se transformando em simples imagens.
Hoje, a informação em tempo real nos dá, a cada um de nós, uma responsabilidade muito maior, a de sabermos. Hoje não podemos negar o que se passa porque vemos praticamente ao vivo a bestialidade do massacre de Bucha, a lembrar o de Serebrenica, na Bósnia, em 1995. Não temos desculpas. Não há MAS possível. Nem sequer diante das patéticas explicações de comentaristas militares nas nossas telas. Dizer que Bucha pode ser uma encenação é dizer o mesmo que Putin, é dizer aquilo que a consciência humana não pode nem deve tolerar. É o mesmo que apagar das fotografias os dirigentes soviéticos que tinham sido abatidos sumariamente por Stalin. É o mesmo que não querer ver as provas dos campos de extermínio nazistas antes de serem libertados. É o mesmo que virar de costas para os corpos queimados por napalm no Vietnã.
Esta brutalidade não é de hoje, nem pode ser legitimada pela simples circunstância de uma guerra. Não temos o direito de dizer que, em guerra, é sempre assim, porque não é. Precisamos recuar à Chechênia, no final dos anos 1990 e início deste século, ou à guerra na Síria a partir de 2015, para entender que esta brutalidade e esta crueldade fazem parte da doutrina militar da Rússia.
Não há relativismos possíveis, nem pretensas comparações entre “imperialismos”, sempre evocadas por uma certa esquerda nestas circunstâncias.
Evoquemos a guerra do Vietnã. Os EUA perderam a guerra, em grande parte por força da sua opinião pública e da liberdade de informar, totalmente ausente da Rússia do autocrata Vladimir Putin. O argumento da “equivalência” entre dois imperialismos é uma das razões para esta tal « esquerda » torcer para as tropas do czar, como se estivesse na arquibancada do Maracanã. O mesmo acontece com a extrema-direita, que vê em Putin um “líder” capaz de impor a autoridade que falta às democracias.
É também por isso que temos de tomar partido. Sem “mas”. Dizer que há um invasor e um invadido não basta. É preciso ir além, ter a coragem de afirmar que a democracia – palavra que os dois extremos odeiam – está sendo atacada e que a liberdade não é uma utopia e sim um objetivo.
O medo é outro argumento de peso, do qual precisamos nos livrar. Mesmo se é um elemento fundamental em todas as guerras, temos de compreendê-lo nas suas consequências, sob pena de termos de viver com ele por tempo indefinido.
Por compreensível que seja, o medo de Putin e das suas ameaças nucleares não pode condicionar nossa postura sobre esta guerra. As ameaças tenderão a aumentar, mesmo porque Putin não precisa de pretextos para utilizar armas de destruição de massa, como fez na Chechênia e na Síria. Recorrerá a estas armas porque esta é a sua visão apocalíptica do mundo ou então por instinto de sobrevivência.
É também por isso que não pode haver um “mas”. Devemos dizer claramente de que lado estamos: da invasão da Ucrânia pela Rússia, com a sua miríade de mortos, ou contra esta guerra absurda. O que nada tem a ver com um alegado apoio à OTAN ou ao imperialismo americano.
Neste combate que os ucranianos travam está a democracia. A deles, mas também a nossa. Esta democracia temos de defender sem “poréns”.
Como lembra a colunista Teresa de Sousa, no Público, de Lisboa, há momentos em que a velha frase de Churchill ganha todo o seu significado – “a democracia é o pior dos regimes à exceção de todos os outros.” Para o grande estadista britânico, não havia, mas possível face a Hitler. Por isso lhe devemos tanto. Por isso não há “mas” possível face a Putin.