POSIÇÃO POLÍTICA
BOULOS, SÃO PAULO E OS JUDEUS
Em primeiro lugar, adianto que sobre este texto a seguir respondo eu mesmo e não represento qualquer instituição judaica ou israelense aqui.
Estando esta questão superada, vamos ao tema principal.
Vídeos e posts apócrifos e não apócrifos pronunciam um virulento ataque aos setores progressistas e de esquerda da comunidade judaica que apoiam a candidatura Boulos/Erundina à Prefeitura de São Paulo.
Arrogam-se os autores o poder de determinar quem é e quem não é judeu em função desta escolha neste momento para a cidade de São Paulo.
Acusam-nos de traição às causas judaicas e relativas à defesa do Estado de Israel.
Isto porque membros e grupos do PSOL se envolveram em diversas atividades de ataque político ao Estado de Israel, muitos deles com viés antissemita, segundo acusam.
Independentemente de quem sejam, claramente representam setores reacionários e radicais de direita, que, na falta de capacidade de enxergar as prioridades da Cidade de São Paulo e sua sofrida população, tentam trazer para o debate temas e eventuais conflitos que em absoluto não contribuem para a discussão essencial que se faz neste momento para o futuro de nossa cidade, um verdadeiro país de mais de 10 milhões de almas que vivem sob todo tipo de dificuldades, muitas delas criadas pelos artifícios de um planejamento secular em favor de elites financeiras e políticas.
Para pessoas como eu, a chapa Boulos/Erundina representa o resgate do pensamento humanista para esta cidade. Traz o estofo intelectual de um filósofo, psicanalista, escritor e ativista social e político com uma legitimidade que muito poucos alcançaram em nossa história, e associa-se a um verdadeiro ícone da mulher brasileira, nordestina, lutadora e bem-sucedida em sua trilha política recheada de experiência, trabalho, ética e cultura política. Valores que se acomodam perfeitamente nos ambientes judeus concretos e abstratos onde fui criado e educado. Tudo o que sou e o que penso pode sim ser conectado às minhas raízes históricas, culturais, familiares e teológicas, e todas essas forças me encaminham ao encontro desta escolha política que faço neste momento.
Se existe antissemitismo em setores da esquerda, ele também existe em outros campos políticos, muitos deles associados ao governo atual, que conta com membros e apoio de setores da comunidade judaica brasileira (e estrangeira também), não obstante a proximidade deste governo com padrões de atividade que fariam vergonha a todos os nossos sábios reverenciados em todos os tempos e lugares. Se o PSOL tem setores que odeiam Israel, a proximidade artificial do governo Bolsonaro a Israel não é menos nociva, pois trata-se de um apoio ignorante e néscio, que se em nada enriquece a história das relações Brasil-Israel, por outro lado aumenta o antissemitismo arraigado em diversos setores da sociedade brasileira, algo que já é patente e inquestionável.
Como já escrevi aqui antes, sou daqueles que defende a legitimidade do Estado de Israel, mas, que ao mesmo tempo, não fujo à responsabilidade de criticá-lo quanto a certas políticas que representam clara ameaça à soberania do povo palestino e que em absoluto não contribuem com o processo de pacificação. Por outro lado, não sou daqueles que acreditam que apenas Israel cometa erros neste campo, mas deixo todas estas questões para outros fóruns, da mesma forma e com a mesma convicção que penso que este debate deve ser isolado do momento político atual da cidade, sendo claro que a posição e escolha dos judeus de S.Paulo corresponde a irrisórios 0,45%, se tanto, do eleitorado, e que Boulos não é candidato a prefeito de nenhuma cidade de Israel ou da Palestina.
Voltando às manifestações de setores radicais, posso afirmar com segurança que estas, sim, representam algo totalmente externo à cultura e tradições judaicas, que por milênios aprendeu a viver na diversidade, e, muito além disso, deixou registrados nas suas mais profundas literaturas os grandes debates teológicos e filosóficos sobre toda a complexidade da vida e do mundo judeu e não judeu.
Não, vocês não dirão o que é ou o que não é judeu. Nem hoje, e nem amanhã.
Nelson Nisenbaum
São Paulo, 26/11/2020.