Tragédia Climática no Rio Grande do Sul: Uma Angústia de Filho da Terra

Tragédia Climática no Rio Grande do Sul: Uma Angústia de Filho da Terra

Como um filho da terra gaúcha, nascido e criado em Porto Alegre, meu coração se aperta ao presenciar a tragédia climática que assola o Rio Grande do Sul. Inundações de proporções épicas, jamais vistas antes, transformam nossa amada terra em um cenário de sofrimento e destruição.

Os números frios da estatística não conseguem traduzir a dor imensa que toma conta de cada gaúcho. Mais de 100 vidas já foram ceifadas por essa fúria da natureza, e esse número tende a aumentar consideravelmente à medida que os corpos soterrados pelas águas forem encontrados.

Milhares de famílias tiveram suas vidas completamente transformadas. Casas, memórias e sonhos foram tragados pela correnteza, deixando para trás um rastro de dor e incerteza. Muitos perderam tudo, outros tantos foram obrigados a abandonar seus lares sem saber quando poderão retornar ou o que encontrarão ao voltar.

A distância física me separa da minha terra natal, mas a dor da minha gente ecoa em meu coração. Acompanho pela mídia os acontecimentos e, por um lado, me sinto aliviado pela onda de solidariedade que toma conta da população. Doações, trabalho voluntário e apoio mútuo demonstram a força e a união do povo gaúcho em um momento tão difícil.

Por outro lado, a notícia de saques e assaltos, inclusive contra socorristas, me deixa estarrecido e indignado. Em meio à tragédia, a ganância e a falta de caráter de alguns indivíduos demonstram o lado mais sombrio da natureza humana.

Pela primeira vez em muitos anos, a desgraça não distingue cores, idades, classes sociais ou times de futebol. A fúria da natureza uniu os gaúchos em um sentimento comum de dor e luto. Neste momento, a única coisa que importa é a vida.

As previsões indicam que mais chuvas estão chegando, o que significa que o pior ainda pode estar por vir. É urgente que as autoridades tomem medidas imediatas para garantir a segurança da população e minimizar os danos. A evacuação de áreas de risco e a busca por abrigos seguros são medidas cruciais para salvar vidas.

Mas a tragédia que assola o Rio Grande do Sul não deve ser vista apenas como um evento isolado. Ela é um lembrete cruel das consequências da ação humana sobre o meio ambiente. O clima está mudando, e eventos extremos como este se tornarão cada vez mais frequentes e intensos.

Precisamos agir agora para evitar que catástrofes como essa se repitam. Investimento em obras de prevenção, educação ambiental e políticas públicas sustentáveis são medidas urgentes para proteger nossa terra e garantir um futuro melhor para as próximas gerações.

Mesmo diante da devastação, a esperança não se apaga. A força e a resiliência do povo gaúcho são notáveis. Juntos, vamos superar este momento difícil e reconstruir nossa terra.

Viva os socorristas e todos os voluntários que estão sendo fundamentais para dirimir o sofrimento de tanta gente.

Sou gaúcho, nascido e criado nas terras do sul. E, mesmo estando longe, meu coração estará sempre com a minha gente. Acredito na força e na união do povo gaúcho para superar essa tragédia e construir um futuro melhor.

Lula ofendeu os judeus, os ciganos, os gays, os deficientes…

Lula ofendeu os judeus, os ciganos, os gays, os deficientes…

Há pouco mais de um ano, nos braços da minha mulher, em plena madrugada, eu comemorava a vitória de Lula presidente. Como havia dito dias antes Gilberto Gil num show na Île de Ré,” Lula para acabar com o pesadelo”. Naquele noite chorei copiosamente, de felicidade, talvez mais ainda de alívio. Tinha consagrado os últimos dois anos a fazer campanha pela eleição de Lula, criando o Coletivo Judias e Judeus Sionistas de Esquerda e o Comitê de judeus com Lula/Alckmin, atuando em plataformas de esquerda. Derrotar Bolsonaro se transformou em obsessão. Trabalhamos duro na relativamente fácil tarefa de fortalecer a convicção dos progressistas e convencer os indecisos, e na muito mais difícil de trazer para o nosso campo os conservadores avessos a Lula, muitos dos quais denunciavam a ambiguidade com relação aos judeus e a Israel. Lembrávamos então, incansavelmente, que Lula foi o primeiro presidente brasileiro a visitar Israel e sempre defendeu a tese de Dois Estados.
Vencemos!
Pessoalmente, me orgulho de ter conseguido virar o voto de ao menos cinquenta eleitores judeus; uma gota d’água que contou na apertadíssima vitória.
Hoje, me sinto desiludido, envergonhado, ofendido. Peço desculpas a todos aqueles com quem argumentei que Lula tinha provado, em dois mandatos, ser um chefe de Estado equilibrado, moderado. Eu, como todos os judeus que votaram Lula, amplamente majoritários, queiram ou não queiram nossos detratores, estamos todos ofendidos, envergonhados, desiludidos com Lula, que ousou o inimaginável, ao declarar, em Adis Abeba:
“Sabe, o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus.”
Entendo que Lula queira passar por um “gauchista” para satisfazer seu eleitorado de esquerda e por um humanista diante daqueles que denunciam os horrores da guerra, no Brasil como no resto do mundo, já que nunca desistiu de ser visto como um líder mundial. Só que agora caiu no discurso fácil do “os judeus estão agindo como os seus algozes.”
Lula realmente ultrapassou a linha vermelha. Comparar o que acontece em Gaza com o Holocausto é revisionismo ignóbil !
Lula não ofendeu “apenas” os 17 milhões de judeus, ofendeu todos os perseguidos, assassinados e gazados nos campos nazistas – ciganos, deficientes, comunistas, homossexuais, testemunhas de Jeová, em nome da raça pura e do pensamento único. Em outras palavras, o presidente do Brasil ofendeu todas as vítimas, as minorias, ofendeu a Humanidade.
Recebeu em contrapartida os elogios merecidos do Hamas. Até então, nenhuma liderança árabe tinha ido tão longe quanto o brasileiro. Que presente ao grupo terrorista!
Domingo, na Etiópia, Lula enterrou seu histórico humanista.
Pode se criticar a ação militar de Israel e os crimes de guerra cometidos, deve se criticar o governo Netanyahu, de extrema-direita, e clamar por um cessar-fogo, mas falar em genocídio e holocausto é uma mentira de quem não quer a paz, de quem, por um motivo ou outro qualquer, quer importar o conflito para tirar benefícios.
A cada fala (sem comparação com esta, que ultrapassou todos os limites da decência) , Lula libera a palavra e os atos dos profissionais da discriminação.
Ao invés de colocar lenha na fogueira do antissemitismo, o presidente deveria se lembrar que como responsável pelo clima reinante no Brasil precisa agir com responsabilidade e não como um mero militante sem papas na língua.

Ao Excelentíssimo Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,

Ao Excelentíssimo Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,

Escrevo-lhe hoje para abordar a sua recente declaração sobre nunca ter escutado da morte de mulheres e crianças em guerras. “O Brasil foi um país que condenou de forma veemente a posição do Hamas no ataque à Israel, mas não tem nenhuma explicação o comportamento de Israel, a pretexto de derrotar o Hamas, estar matando mulheres e crianças, coisas jamais vista em qualquer guerra que eu tenha conhecimento”, foram suas palavras. Acredito que essa declaração, embora compreensível em termos de experiência pessoal, não reflete a realidade brutal dos conflitos armados.

É verdade que ninguém é obrigado a ser especialista em todos os assuntos, mas a cautela e o bom senso são essenciais para evitar equívocos e declarações que podem ser interpretadas como desinformação ou falta de sensibilidade.

A guerra, em qualquer forma, não é bela. Mesmo em uma “guerra de travesseiros”, existe o potencial de causar danos, ainda que leves. No entanto, quando falamos de guerras reais, as consequências são infinitamente mais graves.

Infelizmente, a história demonstra que os civis são sempre as maiores vítimas em qualquer conflito. Dados de guerras recentes comprovam essa triste realidade:

  • Guerra do Iraque (2003-2011): 1 militar para 15 civis mortos.
  • Guerra do Afeganistão (2001-presente): 1 militar para 24 civis mortos.
  • Guerra Civil Síria (2011-presente): 1 militar para 9 civis mortos.

As grandes guerras mundiais também evidenciam essa disparidade:

  • Primeira Guerra Mundial (1914-1918):
    • Militares: Entre 9 e 10 milhões de mortos (aproximadamente 60% do total).
    • Civis: Entre 6 e 12 milhões de mortos (aproximadamente 40% do total).
  • Segunda Guerra Mundial (1939-1945):
    • Militares: Entre 20 e 25 milhões de mortos (aproximadamente 30% do total).
    • Civis: Entre 50 e 60 milhões de mortos (aproximadamente 70% do total).

É importante salientar que estas proporções podem variar de acordo com a fonte consultada, mas a mensagem central é clara: os civis pagam o preço mais alto em qualquer guerra.

Quando falamos em civis, incluímos, com pesar, mulheres e crianças – seres humanos indefesos que sofrem as consequências cruéis da violência armada.

Com base em tais dados, torna-se questionável a utilização do termo “genocídio” para descrever a situação em Gaza. Segundo informações das mortes fornecidas pelo grupo terrorista Hamas, o número de mortes seria de 1 terrorista para menos de 3 civis.

É importante lembrar que a guerra é uma tragédia humana que causa sofrimento imenso a todos os envolvidos. As estatísticas de mortes servem apenas como um retrato frio e numérico da devastação, cada vida perdida representa uma história individual e irreparável.

Dando seguimento ao seu contrassenso, você acusou Israel de cometer genocídio contra civis palestinos na Faixa de Gaza e comparou as suas ações em Gaza à campanha de Hitler para exterminar os judeus. “O que está a acontecer em Gaza não é uma guerra, é um genocídio”, disse Lula aos jornalistas em Adis Abeba, onde participa na cimeira da União Africana. “Esta não é uma guerra de soldados contra soldados. É uma guerra entre um exército altamente preparado e mulheres e crianças.”

“O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não aconteceu em nenhum outro momento da história. Na verdade, aconteceu: quando Hitler decidiu assassinar judeus”, disse o presidente brasileiro.

Sua comparação é um insulto a memória dos 6 milhões de judeus assassinados pelos nazistas por serem judeus. É uma infâmia, só usada por antissemitas com a clara intenção de despertar antissemitismo. É de uma irresponsabilidade que não condiz com a postura de um estadista e afasta em definitivo o Brasil de qualquer chance de um dia mediar as partes.

Gostaria de salientar alguns pontos adicionais:

  • A guerra em Gaza não é um conflito isolado. Ela faz parte de um contexto histórico mais amplo de conflito entre Israel e Palestina, que já dura décadas.
  • A situação em Gaza é complexa e multifacetada. Há diversos fatores que contribuem para a violência, incluindo questões políticas, religiosas e sociais.
  • É importante buscar soluções justas e duradouras para o conflito. A violência apenas gera mais violência e sofrimento para ambos os lados.

A guerra em Gaza poderia ter um fim rápido se o grupo terrorista Hamas depusesse as armas e libertasse os reféns. A paz é sempre a melhor solução, e a responsabilidade por evitá-la recai sobre os ombros de todos os envolvidos.

Acredito que a sua posição como líder de uma grande nação como o Brasil lhe confere a responsabilidade de defender a paz e o respeito à vida humana. Espero que reflita sobre as informações aqui apresentadas e reconsidere suas declarações sobre a guerra em Gaza.

Atenciosamente,

Mauro Nadvorny

O Brasil que me encanta e que aprendi a amar e respeitar… (um texto de abril de 2019)

O Brasil que me encanta e que aprendi a amar e respeitar… (um texto de abril de 2019)

1.
Queridas Amigas e Amigos, aprendi a amar (e respeitar) o povo brasiliano (que nunca será brasil-eiro para mim!) porque sempre o identifiquei com pessoas grandes, tais como: Gianfrancesco Guarnieri, Fernanda Montenegro, Clara Nunes, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Zumbi dos Palmares, Padre Antonio Vieira, Frei Vicente do Salvador, Rabino Henry Sobel, Jair Rodrigues, Elis Regina, Geraldo Vandré, Tom Jobim, Chico Buarque, Ivan Lins, Alcione, Inezita Barroso, Marisa Monte…
2.
E o identifiquei com Milton Nascimento, Vinícius de Moraes, Francisco Alves, Pixinguinha, Silvio Caldas, Antonio Conselheiro, Beto Guedes, Noel Rosa, Chiquinha Gonzaga, Adoniran Barbosa, Ney Matogrosso, Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Vicente Celestino, Tonico e Tinoco, Maximiliana Reis, Cacau Melo, Sônia Ferreira (estas três dos Monólogos da Vagina), Villa-Lobos, Oswald de Andrade, Letícia Sabatella, Paulo Autran, Guimarães Rosa, Osman Lins, Cecília Meireles, Cora Coralina, Manoel Bandeira, Gregório de Mattos, Alfredo Bosi, Antônio Cândido…
3.
E, ainda, o identifiquei com João Cabral de Melo Neto, Paulo Freire, Renato Russo, Cazuza, Rita Lee, Maysa, Zilka Salaberry, Gonzaguinha (e, também, Luis Gonzaga), José Oiticica, Sérgio Sampaio, Roberto Carlos, Don Paulo Evaristo Arns, Almir Sater, Catulo da Paixão Cearense, Pontes de Miranda, Clarice Lispector, Caio Mário da Silva Pereira, Goffredo Telles Jr., Roberto Lyra Filho, Pastor Mozart Noronha, Luiza Erundina, Chico Xavier, Marielle Franco, Eduardo Matarazzo Suplicy, Marina Silva, Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo, Celso Lafer, Graça Aranha, Ruy Barbosa, Orlando Gomes, Joaquim Nabuco, Álvares de Azevedo, Fagundes Varella, Leonardo Boff, Frei Betto, Tiradentes, Franco Montoro, Ulisses Guimarães, Ayres Brito, Celso de Mello, entre outros e outras…
4.
O Brasil que aprendi a amar – e respeitar, não tem nada, absolutamente nada, a ver com o Bolsonaro e filhos, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel, João Figueiredo, Paulo Maluf, Celso Pitta, Silas Malafaia, Edir Macedo, R. R. Soares, Valdomiro, Hernandez, Ricardo Salles, Ernesto Araújo, Olavo de Carvalho, André Mendonça, Sérgio Moro, Dallagnol, Hamilton Mourão, Heleno, Ramos, Braga Netto, Damares, Pazuello, Regina Duarte, Sérgio Camargo, Weintraub, Mário Frias, Milicianos, Sertanejo Universitário, BBB, Vereador Dr. Jairinho, e outros resíduos do esgoto neofascista!
5.
Penso que essa coisa toda odiosa não é a cara do Brasil e, por isso mesmo, nem me leva a odiar o Brasil. Acho que estourou um cano do esgoto…
6.
Em breve, o esgoto voltará ao esgoto, e o Brasil voltará a ser o que sempre foi: um país de criatividade, pluralidade, diversidade, democracia, tolerância e inteligência cultural, jurídica, literária, musical, social e constitucional.
7.
NOTA
IMPORTANTE
O presente texto foi escrito em abrir de 2019. Nas primeiras listas cabe, ainda, muita gente boa. Outrossim, nesta última lista cabe, com certeza, muito lixo… Ainda olho para a lista dos bons…
Abril de 2019
Pietro Nardella-Dellova
Mídia digital, extremismo e regulamentação

Mídia digital, extremismo e regulamentação

A imprensa–cujo objetivo é reportar os fatos, verificá-los a fim de transmiti-los ao público– e sua liberdade só são garantidas quando não ferem os princípios da ética jornalística. A ruptura desse princípio não pode ficar impune tampouco o veículo que a perpetrou. Dois casos mostram como o abuso da liberdade de imprensa está sendo contido no Brasil. No entanto, a falta de regulamentação das plataformas de mídia digital faz com que canais digitais se transformem em multiplicadores de um fenômeno da contemporaneidade chamado ‘a crise da verdade’.(Hoggan e Kloubert, 2022) Este fenômeno se calca na difusão da distorção dos fatos e tem como consequência a divisão quase pela metade dos indivíduos numa dada sociedade sobre a percepção objetiva e histórica dela. Essa divisão é promovida pela velha máxima de Júlio Cézar “dividir e conquistar”, foi estratégia de Joseph Goebbels durante o nazismo e é ainda utilizada pelos governos de ultradireita para fomentar o ódio e polarizar a população. Isso tem que ser contido.

A Jovem Pan News é um exemplo desse acervo de fake news, propaladas para consolidar o governo de extrema direita de Bolsonaro entre 2018 e 2022. Em 1942, Antônio Augusto Amaral de Carvalho funda a Jovem Pan, uma radiodifusora que hoje faz parte do histórico jornalístico do país, contando com sua expansão em 100 emissoras, entre canais de notícias e plataformas, espalhadas pelo território brasileiro. Dois programas são o carro-chefe da emissora: “Morning Show” e Os Pingos nos Is Estreado em 2012, “Morning Show”, inspirado no formato americano de shows de matinê, no início contava com a com a chefia do jornalista Zé Luiz que um ano após deixou o programa por desavenças com a produção. O “Morning Show” foi progressivamente se transformando em canal proliferador de lorotas quando em 2021 ajudou a impulsionar desinformação sobre a pandemia de Covid-19. O negacionismo sobre os efeitos letais do vírus se deu ao mostrar entrevistas com médicos no YouTube, defendendo drogas sem eficiência comprovada e com críticas ao uso de máscaras. Uma das comentaristas do programa, a influenciadora digital Zoe Martinez, é investigada pelo Ministério Público Federal (MPF) por incitar o golpe no dia 08 de janeiro na invasão dos três poderes. Martinez defendeu que as Forças Armadas destituíssem os ministros do Supremo Tribunal Federal. A caribenha naturalizada brasileira cresceu e enriqueceu às custas das plataformas digitais e na alocação de vídeos e comentários contra o comunismo. Sem nenhuma sustentação teórica e sem bases históricas, a influenciadora ratifica o mito de uma falência comunista em Cuba sem apresentar nenhum outro contraponto; produzindo, assim, uma visão tendenciosa sobre esse cenário. Uma pergunta fica. Por que a Jovem Pan só a demitiu quando o MPF foi acionado?

O mesmo aconteceu com os comentaristas da corporação Paulo Figueiredo e Rodrigo Constantino. Figueiredo e Constantino ambos residentes nos EUAs, utilizam o mesmo apelo da primeira emenda constitucional americana para defender a liberdade de imprensa no Brasil e instituir a indecência e antiética jornalísticas. Figueiredo é neto do último presidente militar e ex-sócio de Donald Trump na rede de hotelaria, seguidor do já defunctus guru Olavo de Carvalho. Além do processo de investigação do MPF da Jovem Pan, o ardil é réu de um esquema corrupto apelidado de Operação Circus Máximo em que Figueiredo responde por falcatruas de 20 milhões de reais entre propinas de diretores do Banco de Brasília e a empresa dele na construção da Trump Tower no Rio de Janeiro. De novo, a Jovem Pan só o despediu depois que o MPF se manifestou.

Já Constantino foi taxativo ao afirmar que houve golpe do Supremo Tribunal Federal no resultado das eleições de 2022 que elegeu o candidato Luís Inácio da Silva. Constantino, detentor de uma fortuna de 50 milhões de reais, já passou pela Veja, O Globo, Valor Econômico como colunista e comentarista de economia. Como escritor, seus títulos revelam o perfil de extrema direita na atuação de sua carreira. Um deles é Esquerda Caviar (2014) cujo nome manifesta a posição pejorativa com a qual Constantino trata a oposição no Brasil. Outras produções em palestras denotam a tese central que circunda o seu trabalho, replicando o cerne da ideologia neoliberal no século XXI expressa na seguinte equação: o aumento da produtividade de uma dada sociedade é igual ao aumento da inequidade social, retirando desta sociedade os pobres e idosos. A mesma estratégia da Jovem Pan sobre a demissão se aplica ao infrator.

Tanto em formato radiofônico como digital, Os Pingos nos Is começam com o jornalista Reinaldo Azevedo em 2014, visando oferecer um panorama geral de notícias políticas com comentaristas e críticos. Azevedo, envolvido num suposto áudio comprometedor com a irmã de Aécio Neves, pede demissão em 2017 e o programa se delineia, então, como ultraconservador. Entre 2020 e 2022, Os Pingos nos Is têm em seu quadro os comentaristas Augusto Nunes, Ana Paula Henkel, Guilherme Fiuza e Guga Noblat. Os três primeiros foram responsáveis pela defesa do bolsonarismo, e, diretamente, pelo crescimento do homicídio, feminicídio e de todo potencial destruidor de uma sociedade, corroborado pela fome, miséria, doenças, baixa qualidade na educação, e sistema de saúde pauperizado, etc. Nunes foi demitido porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impedi-o de chamar o atual presidente de “ex-presidiário”. Henkel se demitiu, Fiuza teve seus perfis sociais suspensos por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF). Guga Noblat, no modelo fake copiado da Fox News americana, tinha o papel mediador no debate, apresentando contra-argumentos aos temas como forma de equilibrar o rol altamente faccioso do show. Pediu demissão da Jovem Pan News em 2022.

Nunes é o exemplo de um extremista latente em que os princípios e atos ultraconservadores se manifestam na medida em haja uma liderança que os avalizam. Com uma carreira longa no jornalismo, Nunes trabalhou como repórter no Estado de S. Paulo e revista Veja, mediou entrevistas no Roda Viva e na TV Cultura, dirigiu as revistas Veja, Época e a Forbes brasileira, os jornais Jornal do Brasil e Zero Hora, for fim, foi amplamente premiado na sua função. No entanto, pelo menos na aparência, sua conduta muda justamente quase um ano após a vitória de Bolsonaro quando Nunes esbofeteia o jornalista Glenn Greenwald ao vivo no show Pânico da Jovem Pan. Greenwald, assumidamente casado com o deputado federal David Miranda e os dois sendo pais adotivos de dois filhos, investigava o imbróglio que colocou o presidente Lula na cadeia. A redação da Pan liberou uma nota se desculpando sobre o comportamento do jornalista. Contudo, nenhuma advertência ou punição mais severa veio da emissora, muito pelo contrário, ela só se pronunciou no momento em que o TSE se manifestou contra a retórica vilipendiosa do jornalista contra Lula.

Surpreendentemente, Fuiza é neto do jurista Sobral Pinto e com uma carreira difusa no jornalismo e na literatura tombou para a ultradireita, defendendo o discurso do ódio e tomando uma postura antidemocrática.

A resposta à negligência da Jovem Pan face à responsabilidade de seus profissionais reside no que é conhecido como capitalismo predatório. Neste sistema, o foco central é o lucro e notadamente o ganho que a veiculação da imagem e da notícia trazem no índice de audiência da corporação comunicativa junto com a influência política e o poder que geram. Neste tipo de comunicação, não cabe nenhum comprometimento ético do profissional e nem da empresa que o representa, muito menos as consequências em que esse veículo produz direto na população (a desinformação elevando o número de vítimas da Covid-19, etc.), ou seja, sua capacidade em provocar mortes. Como representação latente, esta máquina de poder comunicativo funciona conforme a teoria freudiana da psique. O Id social é um depositório das forças inconscientes contra tudo o que é progressista e diferente do padrão de ideias e comportamentos da época e encontra um superego (líder) que lhe escancara a porta para se manifestar. A Jovem Pan serviu de canal para todos aqueles que cultivaram o ódio da diferença se expressarem e só foi barrada agora por pais disciplinadores (STF e TSE). Neste país, precisamos mais desses pais em formas de leis e decretos que impeçam as plataformas digitais de lesionarem a ética com que o jornalismo se compromete. Precisamos desenvolver a consciência de que este é o fio condutor que o capitalismo usa para continuar empreendendo suas desumanidades.

Olhos nos olhos

Olhos nos olhos

Ao discursar na sessão de reabertura do Ano Judiciário no STF, no último dia 1° de fevereiro, portanto após a invasão dos 3 Poderes protagonizada pelos vândalos fascistas , o procurador-geral da República, Augusto Aras, voltou a se ilustrar. Mostrou-se indigno, amoral, sem vergonha nem brio. Antonio Augusto Brandão foi mais Aras do que nunca; covarde. Inventou uma desculpa, mais esfarrapada impossível, para declarar que graças à sua ação – ou omissão – o Brasil se manteve democrático. Embora a verdade seja outra, a democracia renasceu apesar do Ministério Público Federal e não graças a ele.

Aras devia ter aproveitado a ocasião para renunciar ao cargo e assim permitir que, em seu lugar, seja nomeado um verdadeiro procurador-geral da República. Entretanto, como era de se esperar, fez exatamente o contrário. Dirigiu-se ao presidente da República e, na maior “caradura”, disse que teve  atuação ” estrategicamente discreta” sob o governo Bolsonaro pela boa causa. Dessa maneira teria evitado que “extremistas de todas as naturezas e ordens manifestassem contra o regime democrático”.

O discurso de Aras no STF foi risível, se não fosse trágico. O PGR não foi discreto, como agora afirma, foi cúmplice dos crimes de Bolsonaro. Hoje, declara ser generoso e fiel à Constituição. Quanto à generosidade, não faz parte de suas atribuições, bastava ter sido fiel à Lei Magna. O que não foi nos últimos 4 anos.

Seu papel era criar as condições judiciais para que os responsáveis por crimes hediondos, como por exemplo os cometidos durante a pandemia, fossem condenados e devidamente punidos.  Aras prevaricou. Foi diretamente responsável por evitar a atuação da Justiça.

Com a sua fiel escudeira bolsonarista Lindôra Araújo, que ganhou a vice procuradoria depois de ter pedido o arquivamento das investigações do capitão sob o argumento mentiroso de que não havia provas científicas de que as máscaras protegiam contra o coronavírus, tiveram até hoje um só e único objetivo: evitar que a PGR cumprisse o seu dever de representar a sociedade. Ambos foram meros advogados, além de tudo medíocres, da família Bolsonaro e seus asseclas. Agiram como se estivessem a mando do Palácio. Assim atuaram nos últimos quatro anos.

Agora,  vem ressaltar o trabalho da Procuradoria Geral da República contra os golpistas do dia 8 de janeiro e tentar compensar a leniência que o caracterizou. A PGR ofereceu 525 denúncias, 14 pedidos de prisão e 9 requerimentos de busca e apreensão.
Aras protelou enquanto pode, mas não teve outra saída. Foi a Advocacia Geral da União que pediu ao Supremo, no próprio dia 8, a prisão em flagrante dos golpistas envolvidos nos ataques e a de Anderson Torres, secretário da Segurança do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.

Como sempre, Aras tentou empurrar com a barriga. Só depois anunciou a criação do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, com o objetivo de “identificar os núcleos de comando do movimento” e as “autoridades com prerrogativa de foro que tenham participado, cooperado para ou incentivado” os ataques.

Aras também foi pressionado pelos seus comandados. Em carta assinada por 184 integrantes do MPF, foi cobrado a apurar envolvimento e omissão de autoridades do governo nos atos golpistas registrados no país. Para os procuradores, a investigação da relação de autoridades com os movimentos responsáveis por esses atos é fundamental, bem como o pedido de instauração de inquérito policial para apurar  a ação criminosa dessas autoridades que gozam de foro privilegiado.

Teve de sair de sua toca.

Augusto Aras é cínico, insolente. Teve a desfaçatez de, olhos nos olhos de Lula,  em pleno STF, pronunciar uma ode à democracia.

“Nós, cidadãos do estado democrático de direito, precisamos dizer todos os dias: democracia eu te amo, eu te amo, eu te amo, porque esta democracia conquistada a duras penas exigiu sangue, suor e lágrimas de muitos brasileiros e de muitos outros que não antecederam no processo civilizatório”.

Antonio Augusto Brandão, o Brasil que derrotou a barbárie o dispensa de tamanha ternura, desse triplo “eu te amo”, que ousa falar em processo civilizatório e ao mesmo tempo viola a Constituição.

Chega de declarações de amor hipócritas, este Brasil exige “apenas” a aplicação do Direito. Nada mais, nada menos.