Prefácio ao livro Pierre Proudhon e sua Teoria Crítica do Direito Civil: Anarquismo, Teorias da Propriedade e Kibutzim

Prefácio ao livro Pierre Proudhon e sua Teoria Crítica do Direito Civil: Anarquismo, Teorias da Propriedade e Kibutzim

Pierre Proudhon e o Direito Civil sob o olhar de Pietro Nardella-Dellova: Prefácio ao livro Pierre Proudhon e sua Teoria Crítica do Direito Civil: Anarquismo, Teorias da Propriedade e Kibutzim

 

O anarquismo, cuja teoria revisitada por Pietro Nardella-Dellova, embasa o primeiro capítulo do presente livro, é certamente inerente ao pensamento socialista e imponderável quando colocado ao lado de qualquer pensamento econômico neoliberal, com o qual contrasta: é luz solar que afasta vampiros e combate o vampirismo da exploração.

Conforme destaca Nardella-Dellova, o embrião do anarquismo, enquanto ideia, origina-se nos debates das aulas de Sócrates, entre seus discípulos Antístenes e Platão e, posteriormente, entre suas respectivas Escolas. Antístenes funda a Escola dos Cínicos (em referência a Cinosarges, ginásio onde funcionava a sua Escola), um pouco menor que a Escola de Platão, à qual se opunha publicamente. A Escola de Antístenes ficou conhecida como sendo a Escola da filosofia dos trabalhadores gregos, enquanto a de Platão, excessivamente aristocrática. No mesmo cenário grego, igual tensão já se havia observado anteriormente entre a poesia camponesa e libertária de Hesíodo e a poesia aristocrática de Homero, assim como entre a escola libertária e feminina da poeta Saphos e as Escolas patriarcais atenienses. Posteriormente, verificaram-se embates filosóficos, sobretudo, entre Epicuro, criador da Escola chamada Jardim de Epicuro, caracteristicamente libertária e internacionalista, em face das Escolas tradicionais fundadas em Atenas, entre as quais a platônica. Nardella-Dellova aponta, também, as características “anarquistas” entre os Judeus de Jerusalém no primeiro século, principalmente entre os fariseus e essênios, contra a imposição dos saduceus, detentores do controle dos serviços religiosos do Templo, e contra a ocupação romana. Os sábios Hillel e Jesus de Nazareth são, de acordo com Nardella-Dellova, duas dessas figuras libertárias, contestadoras e “anarquistas” daqueles tempos.

Entretanto, o anarquismo, enquanto pensamento orgânico de caráter filosófico, desenvolveu-se somente na Europa em resposta aos desdobramentos da Revolução Francesa, e como repercussão do Iluminismo, tendo em Pierre Proudhon seu maior expoente, aliás, chamado de pai do anarquismo. O anarquismo é, nesse sentido, parceiro crítico e ilustre do socialismo, como força teórica e prática. Porém, defendendo “a outra” alternativa de superação, foi colocado em permanente debate antagônico com os socialistas, entre os quais, Marx e Engels. Assim como o pensamento dos seus contendores, o anarquismo proudhoniano erguia-se como fórmula histórica contrária a tudo que a sociedade moderna burguesa erigia.

As ideias do anarquismo, mais do que seus próprios formuladores do século XIX, perduram e repercutem até hoje na academia e nas ruas, algumas vezes até de modo inconsciente. Nesse livro, Nardella-Dellova lança luzes sobre o anarquismo como teoria crítica, desfazendo conceitos e preconceitos, e desconstruindo visões distorcidas e equivocadas. Sob a construção do pensamento anarquista se erguem sólidas plataformas, entre as quais: (1) a luta contra a exploração do homem pelo homem como modo de produção que se estrutura no princípio legal da propriedade privada enquanto direito definidor e separador dos homens; (2) a defesa da possibilidade do desenvolvimento de uma sociabilidade humana em direção a formas libertárias, autonomistas, que se oponham a padrões autoritários (de autoridade!), projetos de domesticação e regimes de controle em geral estimulados por direções burocráticas em forma de Estado e; (3) a defesa da capacidade racional e afetiva do homem e em sua punção libertária.

As evidências empíricas de experiências sociopolíticas nesse paradigma são escassas e raramente estudadas de modo substantivo até porque em geral requerem grande erudição para responder a seus adversários do passado e do presente. E porque é absolutamente necessário esclarecer, com excelência, suas bases e fundamentos para que se possa compreender o significado do anarquismo até nossos dias, sobretudo quando deparamos com o avanço do conservadorismo e do neofascismo, características do poder neoliberal hegemônico, do qual o estágio do capitalismo neoextrativista tanto necessita, chegando mesmo, como se verifica nos dias atuais, às raias do genocídio e do necropoder como formas de controle social para ampliar sua ganância ao mesmo tempo em que submete e escraviza corpos fragmentados ampliados como massa de miséria, e para esconder os destroços que gera contra o ambiente e a natureza.

O livro PIERRE PROUDHON E SUA TEORIA CRÍTICA DO DIREITO CIVIL, de Pietro Nardella-Dellova, é esse sopro de conhecimento erudito e jurídico, que poderá ajudar nossas esperanças libertárias a serem mais bem consideradas e compreendidas. Nardella-Dellova, Professor e Pesquisador de Direito Civil Constitucional e de Filosofia do Direito há muitos anos, recupera academicamente, no segundo capítulo do livro, as obras proudhonianas, em especial as três nas quais Proudhon trata da Propriedade: Qu’est-ce que la Propriété? ou Recherches sur le príncipe du Droit et du Gouvernement (de 1840), Système des Contradictions Économiques ou Philosophie de la Misère (de 1846), Théorie de la Propriété (de 1862, publicada em 1865), e as apresenta, primeiramente para contrapor-se, com objetividade, aos preconceitos jurídicos dos repetitivos Manuais de Direito Civil, e, concomitantemente, como elemento teórico para a construção proudhoniana de uma teoria trilógica da propriedade.

Proudhon é um pensador-chave para questionar a suposta condição privada como essência civilizatória. Nas obras acima citadas, respectiva e trilogicamente, Proudhon: (1) denuncia o droit d’aubaine (expressão intraduzível que indica o direito ao roubo); (2) desvela a miséria criada pela visão estritamente burguesa da propriedade “sagrada”, e; (3) apresenta uma possível e nova função libertária da propriedade (para muito além da hoje conhecida função social da propriedade).

Além disso, não é pouco que Nardella-Dellova, cultor da alta Doutrina do Direito Civil e dos valores constitucionais do Estado Democrático de Direito, traga para o seu debate a crítica que Pontes de Miranda, grande civilista, também faz acerca da Propriedade, ou seus elogios, na linha de Ruy Barbosa, sobre o pensamento científico de Pierre Proudhon. Do mesmo modo, aproveita a visão refinada e crítica de Orlando Gomes, referência no Direito Civil e no Direito do Trabalho, em oposição flagrante à visão dogmaticamente estreita de Clóvis Beviláqua, Washington de Barros Monteiro, Luiz da Cunha Gonçalves, Carvalho Santos e de outros civilistas.

Finalmente, no terceiro capítulo desta obra, Nardella-Dellova nos oferece um olhar, a partir da filosofia judaica anarquista dos proudhonianos Gustav Landauer e Martin Buber, do pensamento judaico crítico de Hannah Arendt e da pesquisa presencial conhecida como Kibutz e a Entidade Cooperativa (1964) de Waldirio Bulgarelli (antigo Professor de Direito Privado da Faculdade de Direito da USP), sobre a experiência original dos Kibutzim judaicos como utopia/topia judaico-anarquista, mutualista e proudhoniana, fato muito escassamente documentado e pouco valorizado. À vista do mundo, os Kibutzim foram sendo avaliados como erro enquanto a ênfase deveria estar no processo constituinte do Estado de Israel, em sentido contrário, balizado por um modelo cada vez mais estatista e centralizado, onde outras formas de governança coletiva, como as kibutzianas, foram sendo sufocadas. O livro nos sugere considerar a burocracia autocrática estatal e a pressão do Mercado em tensão com os Kibutzim anarquistas (registre-se, o autor diferencia-os entre Kibutzim judaicos, de 1870 a 1948, e Kibutzim israelenses, a partir de 1948), e nos deixa em suspense e na vontade de retomar essa mesma utopia/topia para, inclusive, ponderar as causas dos vários conflitos e questões regionais. Esse livro muda nosso olhar sobre a história e sobre a liberdade humana, e já por isso me parece extraordinário!

 

 

 

 

La Piccola Caffetteria, de Pietro Nardella-Dellova

La Piccola Caffetteria, de Pietro Nardella-Dellova

LA PICCOLA CAFFETTERIA

“A vida é Poesia e música, caminho, encontro, planícies, ar… A existência é prosa e ruído, estrada, distância, labirinto, dutos sufocantes.

Faça do seu coração um lugar com poesia e terra boa, e deixe flores nele, com variados tipos, perfumes e cores. Mas, não morra entre elas! Faça caminhos largos para pessoas porque um jardim não é jardim sem pessoas. Não queira mais que isso! As borboletas e anjos ficam por conta do Eterno… Faça caminhos delineados com pedras que durem, e espalhe placas grandes, imensas, com letras gigantes:

AQUI NÃO SE MATA!

Transforme a vida numa casa, mas não use material descartável. Ela deve durar e trazer saudades, deixar lembranças, lançar raízes profundas e dar frutos. Abra janelas em todas as direções e erga um teto alto, que acompanhe o telhado, a fim de obter bastante ar e música espalhada como unção e bênção humanas. Na casa, tenha poucas coisas e nenhum negócio — mais pessoas! E promova muitos encontros afetivos. Entre as poucas coisas, prefira as simples, rústicas e duradouras. Entre pessoas, as plenamente humanas.

E não se esqueça do café — ele é vital, passado em coadores de pano, nunca por empregadas, e servido, nunca para apressados, em xícaras de ferro esmaltado. Tudo deve ser demoradamente vivido e visto hoje, e cheirado, degustado, escutado, falado e compreendido — nunca amanhã! Por isso, a sua casa deve ser o encontro de pessoas boas, coração e música, muita música! E Poesia, muita Poesia!”

Pietro Nardella-Dellova.

Trecho do La Piccola Caffetteria in A Morte do Poeta nos Penhascos e Outros Monólogos, 2009, pp. 30-36.

Comentário sobre a vida e obra de Pietro Nardella-Dellova

Comentário sobre a vida e obra de Pietro Nardella-Dellova

Pietro Nardella-Dellova é Poeta, Escritor, Professor e Pesquisador, de família judia e italiana, originária do Ghetto/Quartiere Ebraico, Itália Meridionale (Napoli) e, por isso mesmo, carrega consigo o legado cultural judaico de milênios de peregrinação e o legado cultural libertário dos napolitanos pelo mundo. Seu primeiro emprego, ainda menino, foi em uma Tipografia (que ele chama de “lugar mágico”), fato que o marcou como Escritor para a vida, pois ali, nas horas vagas, começou a brincar com as letras das gavetas da mesa tipográfica, tipos variados, composição e criação dos seus primeiros poemas.

É um Professor dedicado, há três décadas, ao Direito Civil, Autor produtivo, Pesquisador incansável, Poeta intenso e amigo solidário de longas e inspiradoras jornadas acadêmicas e literárias. Conheci-o em 2016 quando, em face da desconstrução de políticas públicas na Educação e Saúde, e do ataque aos valores do Estado Democrático de Direito, ele se colocou corajosamente, com autoridade ética e jurídica, em defesa da Democracia e da Constituição, contra a necropolítica e movimentos neofascistas que se fortaleciam na violação dos valores constitucionais. Autoridade ele tem para combater a antidemocracia e ensinar o Direito, a Filosofia, os Direitos Humanos, a Educação, o Judaísmo, a Ciência da Religião, a Literatura, a Poesia e o Direito Civil em chave constitucional e de direitos humanos – assunto relevantíssimo em face da constitucionalização do Direito Privado, da superação da dicotomia público/privado e de seu impacto humanizador. Seu trabalho, de defesa da pessoa humana, é a ética democrática e constitucional da luta constante contra a coisificação do Ensino e do Direito.

Além deste novo Direito Civil – Relações sobre Coisas, Vol. 3 (2025), que ora brindamos, é autor do Direito Civil – Relações Sucessórias, Vol. 5 (2025); Direito Civil – Relações Familiares, Vol. 4 (2024); Direito Civil – Relações Obrigacionais, Vol. 2, 2ª ed. (2025); Judaísmo, Cristianismo e Islam (Ed. Vozes, 2023); Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil, Vol. 1 (2023); Direito Civil-Constitucional (2023); Filosofia e Direitos Humanos (2023); Direito Constitucional: uma introdução (2022); Introdução ao Direito das Sucessões; (2025); Introdução ao Direito de Família (2024); Introdução aos Direitos Reais (2023); Introdução ao Contrato e Responsabilidade Civil (2022); Introdução ao Direito das Obrigações (2022); Introdução à Teoria Geral do Direito Civil (2022); Pierre Proudhon e sua Teoria Crítica do Direito Civil (2021); Judaísmo e Direitos Humanos (PUC/SP, 2020); Direito, Mito e Sociedade (2020); Antropologia Jurídica (2018); Uma Reflexão Sobre Direitos Humanos e Refugiados (2017); Para Além do Direito Alternativo (2016); Alternativas Poético-Políticas ao Direito (2014); A Crise Sacrificial do Direito (USP, 2000); A Palavra como Construção do Sagrado: Estudo de Osman Lins (PUC/SP, 1998); e os livros de poesia: A Morte do Poeta nos Penhascos e Outros Monólogos (2009); Adsum; No Peito e Amo. Publicou centenas de Artigos. É criador e coordenador da RDC – Revista de Direito Civil.

Enfim, o autor deste novo livro, pensa o Direito com liberdade, autonomia e desprendimento, e nos oferece a cura da ignorância. Seus interlocutores, alunos e leitores, reconhecem seu trabalho profundo, inquietante, desafiante, porque sua vasta produção e contribuição científica e humana marcam sua vida e trajetória.

Prof.ª Dr.ª Luzia Batista de Oliveira Silva

 Autora, Poeta, Pesquisadora CNPq. Doutora em Educação, FE/USP, Mestre em Filosofia, PUC/SP.. Pós-Doutorado em Ciências Sociais e Antropologia pela PUC/SP.. Pós-Doutorado em Filosofia pela Universidade de Borgonha, Dijon/FR.

Insigne Professore Giuseppe Pietro B. Nardella-Dellova: Lettera dall’Accademia Napoletana – Dott. Massimiliano Verde

Insigne Professore Giuseppe Pietro B. Nardella-Dellova: Lettera dall’Accademia Napoletana – Dott. Massimiliano Verde

Lettera dall’Accademia Napoletana: Insigne Professore Giuseppe Pietro B. Nardella-Dellova – Dott. Massimiliano Verde

Chiar.mo Professore, l’Accademia Napoletana, si onora di incontrare tra le eccellenti personalità che la compongono, Dott. Giuseppe Pietro Buono Nardella-Dellova, Professore di Diritto Civile, Filosofia del Diritto e Diritti Umani, di Scienze umanistiche, Avvocato e insigne Giurista, Poeta, Filosofo.

Ill.mo Professore, da anni impegnato per la promozione dell’immenso patrimonio socioculturale napolitano, in Italia e nel mondo in ossequio alla millenaria civiltà napolitana, in senso multidisciplinare ma sempre per la tutela dei diritti umani e non da ultimo, in questo senso per il dialogo israelo-palestinese.

Insigne Professore Nardella-Dellova, le Sue numerose pubblicazioni scientifiche, di taglio civile-costituzionale, antropologico-giuridico, filosofico e sociologico, la Sua poetica sensibilità libertaria, costituiscono uno scibile ineludibile per noi tutti, anche nel Suo ruolo di coordinatore, tra molto altro, della Rivista di Diritto Civile (São Paulo), di professore di Diritto Civile e Filosofia del Diritto nella Scuola Superiore della Magistratura (Rio), e di co-cordinatore del Gruppo Interreligioso e Interculturale per il Dialogo Ebraico, Musulmano e Cristiano e i Diritti Umani (Medio Oriente, Italia, Israele, Brasile e Stati Uniti).

Esimio Professore Giuseppe Pietro, il Suo continuo e straordinario impulso alla rivalutazione verace, scientifica e progressista di Napoli, faro giuridico e umanistico universale, fanno di Lei un instancabile agente di eventi internazionali tutti a favore, come nella migliore tradizione napolitana, dell’incontro pacifico e nell’elaborazione vivifica e magnifica e dei migliori elementi della cultura mondiale.

Per l’Accademia Napoletana è un vanto collaborare con Lei, Professore Nardella-Dellova e lo scrivente, presidente della stessa, esprime con commozione l’ossequio per Lei, fratello napolitano che in ogni occasione non viene mai meno con la Sua anima squisitamente napolitana nel portare avanti la vera essenza della napolitanità, ovvero la semplice, unica, profondissima qualità de ‘o ssapé campà!

I nostri attestati di stima e ringraziamenti perpetui, per Ella, caro Mestre, Chiar.mo Prof. Avv. Dottore Giuseppe Pietro Buono Nardella-Dellova. Tuo amico affezionatissimo ed eternamente riconoscente.

Napoli, 31 luglio, 2025

Dott. Massimiliano Verde

Presidente dell’Accademia Napoletana

Dottore in Scienze Politiche, Università degli Studi di Napoli l’Orientale; Presidente del Gruppo Internazionale di Studi e Ricerche Scientifiche e Culturali “Accademia Napoletana”, dedicato alla tutela e alla promozione del patrimonio linguistico e socioculturale di Napoli e dell’Italia Meridionale.

Prefácio do Prof. Dr. Lucio Picanço Facci ao livro Direito Civil – Relações Sucessórias, Vol. 5

Prefácio do Prof. Dr. Lucio Picanço Facci ao livro Direito Civil – Relações Sucessórias, Vol. 5

Prefácio do Prof. Dr. Lucio Picanço Facci ao livro Direito Civil – Relações Sucessórias, Vol. 5, do Prof. Dr. Giuseppe Pietro Buono Nardella-Dellova

 

Conheci o Prof. Dr. Giuseppe Pietro Buono Nardella-Dellova, no ano de 2014, no doutoramento em Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal Fluminense. Logo nos primeiros seminários que compartilhamos na UFF, pude notar em Pietro uma característica muito peculiar: sua capacidade de aliar seu impressionante conhecimento interdisciplinar a algo que eu chamaria de leveza do espírito.

Sua formação humanista explica, de certa forma, esta sua qualidade tão incomum: jurista de erudição, poeta por natureza, inteligência magnífica, que tanto honra sua origem judaica e napolitana.

Pietro é daqueles raros mestres que transformam suas aulas em um ato de (re)descoberta, iluminando seus alunos com o seu conhecimento e a sua paixão pela matéria. Seu entusiasmo, seu espírito fraternal, sua energia vibrante, sua adoração pela beleza das palavras, seu arguto senso crítico e seu humor refinado tornam o ambiente acadêmico em um espaço mais instigante e acolhedor.

É formidável perceber que todo o seu impressionante repertório teórico Pietro o mobiliza para pensar as demandas contemporâneas da sociedade. Realiza tudo isso, para nossa sorte, com uma incansável capacidade de trabalho: é autor de uma vasta obra, que não se limita ao Direito, cumprindo o verso tirado da pena de Castro Alves: “[b]endito aquele que semeia livros”.

Sua formação plural e humanista, com doutoramentos e mestrados em Direito e Ciência da Religião, pós-doutoramentos, no Brasil e no exterior, além de um vasto currículo profissional em salas de aula e na lida jurídica, é percebida na sua obra, que transcende uma dogmática jurídica calcada em mera transcrição de decisões judiciais e na exposição acrítica de textos normativos, como lamentavelmente costumam fazer os manuais jurídicos da atualidade.

Minha paixão pelo Direito Civil aconteceu antes de ingressar na faculdade de Direito, ao ler os livros de autoria do meu bisavô, o civilista Melchiades Picanço. E ele advertia, em um texto fundamental para minha formação chamado “O Direito na vida dos povos” que “se o exegeta ficar adstrito aos termos da norma expressa, limitando-se a invocar o dura lex sed lex, sem que se esforce no sentido de humanizar, tanto quanto possível, o Direito, poderá contribuir para que muitos ponham em dúvida a superior finalidade da lei”. A obra do Prof. Pietro Nardella-Dellova contém a reconhecida qualidade de afastar o seu leitor deste ciclo pernicioso.

Podemos afirmar que temos em mãos uma obra que se inscreve na tradição dos grandes tratados jurídicos, fruto de uma vida vocacionada à pesquisa e ao magistério, baseada em rigor acadêmico, técnica apurada, erudição histórica e sensibilidade jurídica e social.

Desse modo, este quinto volume completa o monumental e tão aguardado tratado sobre Direito Civil do Prof. Pietro Nardella-Dellova, não por acaso intitulado “O Sistema de Direito das Sucessões em Chave Civilizatória Constitucional e de Direitos Fundamentais”. O título desta obra não apenas se presta a delimitar o seu objeto de estudo, mas sugere um projeto teórico e a sua bússola metodológica.

Neste percurso, a obra parte da necessária interseção entre o Direito Civil e a Constituição, enfatizando princípios como a dignidade da pessoa humana e a solidariedade, tão caros para a nossa recente experiência democrática, que influenciam diretamente o regime sucessório. Além disso, apresenta uma instigante evolução histórica das relações sucessórias, percorrendo civilizações antigas, para nos demonstrar como a sucessão reflete os valores sociais e econômicos do seu tempo.

Todos os aspectos gerais da sucessão, conforme o Direito Civil atual, são enfrentados na obra, com notável apuro técnico: da abertura da herança à administração dos bens hereditários, pela sucessão legítima e testamentária, sem deixar de enfrentar as espinhosas nuances interpretativas a respeito das disposições de última vontade.

A obra analisa, ainda, modernos institutos, como o do planejamento sucessório, sem descurar das discussões mais pragmáticas sobre inventário, partilha e questões tributárias correlatas, evidenciando a preocupação do autor com a aplicação concreta do sistema de Direito das Sucessões, oferecendo soluções práticas para os dilemas enfrentados pelos operadores jurídicos em geral, partindo do sentido do Direito como a “disciplina da convivência humana” animada pela liberdade e pela justiça, expressão tão consagrada pelo Prof. Goffredo Telles Júnior, que foi também um dileto amigo e interlocutor do Prof. Pietro Nardella-Dellova.

Com seu estilo característico, Pietro nos propõe a ler as relações sucessórias para além de sua função instrumental de realizar a transmissão patrimonial: nos oferece a leitura de um Direito das Sucessões como expressão de valores sociais existenciais. Com isso, nos convida a pensar o Direito Civil interpretado a partir dos Direitos Humanos Fundamentais e, como uma estrutura viva, em incessante diálogo com os valores democráticos.

Muito grato pela enorme honra (e responsabilidade) de prefaciar este livro do meu querido amigo Pietro, a quem tanto estimo e admiro, e com quem tenho o privilégio de estabelecer constante interlocução acadêmica.

E convencido de que o leitor encontrará nesta obra lições de profundidade (raras atualmente), recomendo-a aos cultores do Direito, seguro de que o livro, que ora prefaciamos, ocupará um lugar de destaque incontornável na discussão contemporânea a respeito do Direito das Sucessões.

Fevereiro de 2025

Prof. Dr. Lucio Picanço Facci

Professor de Direito Civil e Processo Civil da Universidade Federal Fluminense. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Procurador Federal (AGU — Advocacia-Geral da União). Autor, entre outros, dos livros “Mandado de Segurança contra Atos Jurisdicionais”; “Administração Pública e Segurança Pública” e “Meios Adequados de Resolução de Conflitos Administrativos”.

 

 

Prefácio do Prof. Dr. Ivan de Oliveira Silva Durães ao livro Direito Civil – Relações Familiares, Vol. 4

Prefácio do Prof. Dr. Ivan de Oliveira Silva Durães ao livro Direito Civil – Relações Familiares, Vol. 4

Prefácio do Prof. Dr. Ivan de Oliveira Silva Durães ao livro Direito Civil – Relações Familiares, Vol. 4, do Prof. Dr. Giuseppe Pietro Buono Nardella-Dellova

 

Nasce mais um volume de Direito Civil, em chave constitucional e de direitos humanos, integrante do acervo doutrinário que tenho classificado como pietrodelloviano, principalmente pelo ineditismo, criatividade, originalidade e autenticidade acadêmica. Trata-se de doutrina como fio condutor da vertente libertária do Direito Civil em chave civilizatória constitucional e de direitos humanos. É tempo de celebração! Viva!

Há antiga e intensa trama grega que, pelo seu conteúdo clássico, merece inaugurar este prefácio. Trata-se da história de afeto entre Ariadne e Teseu. No enredo, Ariadne entrega a Teseu um novelo de fio para guiá-lo em sua trajetória em funesto labirinto, garantindo-lhe a sobrevivência, retorno e dignidade.

Assim, a história dos dois amantes Ariadne e Teseu, com nuances de paixão, cumplicidade, desafios comuns, cuidado, crise existencial e, posteriormente, abandono, é bastante significativa para as complexas dinâmicas das relações familiares contemporâneas.

E tal qual se observa na peça mítica grega, os diversos arranjos familiares, em intrincadas conexões, também necessitam de elementos fundamentais capazes de guiar os atores sociais em busca da construção, reconstrução e, quiçá, manutenção de espaços de coexistência humanamente dignos. Ainda hoje aspira-se a necessidade de novelos de fios, que viabilizem a circulação de pessoas a jornadas existenciais pautadas no afeto.

Em cultivo à civilidade constitucional, o papel das atuais obras de Direito das Famílias é apresentar o novelo de fio garantidor da circularidade digno-humanitária dos sujeitos inseridos nas múltiplas formas de relações familiares nos labirintos de encontros e desencontros.

Por isso, um livro cujo destino é tornar-se um clássico no campo do Direito das Famílias deve apresentar o fio de Ariadne na costura e ligação de suas páginas.

Neste magistral compêndio, o Professor Giuseppe Pietro Buono Nardella-Dellova se posiciona como um tecelão do fio de Ariadne. Sim, esta obra jurídico-libertária possui um vigoroso fio condutor, garantindo ao leitor o trânsito seguro e digno, mesmo diante de temas complexos ainda pouco consolidados na legislação, jurisprudência e doutrina nacionais.

Semelhantemente ao fio da épica trama grega, que guiava Teseu através do labirinto, Pietro Nardella-Dellova busca orientar o leitor pelas intricadas questões que permeiam as relações familiares contemporâneas.

Por meio de rigorosa análise crítica e contextualizada, este livro apresenta os aspectos legais do Direito das Famílias, oferecendo perfeito suporte que permite aos leitores navegarem com confiança pelos desafios e dilemas presentes nas relações familiares.

Do ponto de vista técnico, convém ressaltar que este livro é verdadeira conquista à comunidade jurídica. Nele, testifica-se a grandeza e o rigor científico de Pietro Nardella-Dellova que, enquanto pesquisador maduro e independente, alcançou êxito na composição de obra essencial aos aspectos teóricos e práticos do Direito das Famílias em chave civilizatória constitucional e de Direitos Humanos.

O texto, organizado para atender todo o programa dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito das Famílias, segue em escrita acessível aos doutos e, também, aos Estudantes que iniciam seus estudos nas Ciências Jurídicas e Sociais.

A característica redacional de Pietro Nardella-Dellova, na forma e no conteúdo, é marcante, visto que em todas as suas linhas é possível se observar a maestria típica dos grandes escritores. Aliás, talento de poeta, escritor e pesquisador, que já foi reconhecido pelo Prof. Dr. Sidnei Agostinho Beneti (Professor e Ministro do STJ) em seu Prefácio ao Vol. 1 – Teoria Geral do Direito Civil (2023), bem como pelo Prof. Dr. Hélcio Maciel França Madeira (Professor e Pesquisador romanista da USP e da FDSBC) em seu Prefácio ao Vol. 2 – Relações Obrigacionais (2024), volumes do Curso de Direito Civil de Nardella-Dellova.

O conjunto desta obra jurídica original, a que chamo doutrina pietrodelloviana, é fruto de mais de três décadas da docência e pesquisa do seu autor. Aos quatro cantos deste trabalho, o leitor encontrará a doutrina de um sábio em sua incansável jornada dedicada à partilha de conhecimento.

Ao seu trabalho fecundo no Direito Civil integro, posto que indissociável, a sua produção e publicação na Literatura (poesia) e na Filosofia, entre as quais, Adsum (1992), A Morte do Poeta nos Penhascos e Outros Monólogos (2009), Antropologia Jurídica (2017), Direito Civil-Constitucional (2022), Judaísmo, Cristianismo e Islam (2023), bem como as obras em fase de publicação: Crise Sacrificial do Direito: Girard e Buber (USP, 2000), Judaísmo e Direitos Humanos (PUC/SP, 2020) e Filosofia do Direito: estudos filosóficos políticos desde os pressocráticos aos direitos humanos e neoconstitucionalismo (2022).

O resultado é uma obra representativa da monumental capacidade intelectual do seu autor que, enquanto tecelão do saber, carrega em sua essência contínuo convite à leitura.

Outra característica deste livro merece destaque. O seu autor é representante de antiga e robusta linhagem de livres-pensadores e, de modo irresignado, avança diante da compreensão de que o Direito, nas suas diversas expressões, tem função civilizatória e libertária.

Sob esta ótica, íntimo de rigorosa disposição hermenêutica, Pietro Nardella-Dellova fundamentou esta obra em chaves civilizatória, constitucional e de direitos humanos, aliás, pressupostos dos quais não se afasta em todas as suas obras, pesquisas, atividades docentes, artigos e, principalmente, sua poesia libertária já conhecida por todos nós.

Por fim, destaco que tive o privilégio de conhecer Pietro Nardella-Dellova há quase 30 anos, em seu habitat natural: uma imensa biblioteca, quase que plantado entre centenas de livros. Ali estava ele, como de seu emancipador costume docente, dentro da biblioteca universitária, ladeado por uma atenta turma de Estudantes que o acompanhava, também com muitos livros sobre as mesas, numa aula de Direito Civil. Naquele cenário (digno de quadros de Rafael, Caravaggio e Giuseppe de Nittis), percebi que havia encontrado um amigo e companheiro de leituras para toda a vida. Desde então, caminhamos fraternalmente.

Diante de nossos olhos está mais uma obra da doutrina pietrodelloviana. Celebremos cada uma de suas páginas. Viva!

Setembro de 2024,

sob os efeitos do início da primavera.

Prof. Dr. Ivan de Oliveira Silva Durães

Doutor e mestre em Direito. Pós-doutor em Direito pela Universidade
de Coimbra. Pós-doutor em Ciências Sociais pela PUC/SP. Pós-doutor
em Ciências da Religião pelo Mackenzie/SP. Pós-doutor em Educação pela USF/SP. Autor de Livros de Direito e Filosofia.

Pesquisador CNPq. Professor e Coordenador de Curso de Direito.