Pausa para a Mulher Amada, entre Quatro Letras Hebraicas

Pausa para a Mulher Amada, entre Quatro Letras Hebraicas

א

a Mulher Amada nesse verde-azul, feito tudo:

vinho, sangue, uva, mel, choro e palavrão,

abria os braços, o peito, a boca – e eu mudo!

deixando nos seios o beijo, a lágrima, a unção…

ב

a Mulher Amada na brisa, lua, vento, tempestade,

à mesa, elevador, corredor, biblioteca, cozinha,

varanda, cama, chão, sofá, escada, por toda tarde

vestida, seminua, nua: ei-la, plena, quando vinha

ג

de alma entregue, chocolates e branca espuma

entre os dedos, rosto, língua, face sorridente,

rindo-vermelha-rosa-chorando-branca-leve-pluma

de música, gozo, asas, esperança: Mulher gente!

ד

e

eu

poeta

feito de letras

urros

e porta aberta

giros tresloucados

mil teses

fugindo aos murros

pisando em fezes

lendo fezes

do boi errante, minguante,

feito de ausência

escondido

sumido

entre os meus versos

inclementes versos

cegos versos

cegos inclementes

que negam a água

entre fios dourados

e a boca imensa

voando pelos céus

de barro e fogo

(é um jogo)

e esbarro na tumba:

céus diversos

fugido-ingrato-sem-rosto-sem-manhã-para-o-amanhã!

AH, MEU AMOR,

deixe-me em paz

feche o seu jardim

eis-me, nu e vendido,

fendido

aqui jaz!

(vou comer rapadura)

*

© Pietro Nardella-Dellova

Pausa para a Mulher Amada, entre Quatro Letras Hebraicas

in Alguma Poesia no Umbigo da Mulher Amada

 

Vem, vem pra cama, amor…

Vem, vem pra cama, amor…

א
Meu amor, vem pra cama!
Façamos amor por todo este dia, nus (e desnudados) em gozos plurais, multifacetados e libertação plena!
ב
Vem, amor!
Quando nos cansarmos da cama, faremos amor no sofá, na mesa da cozinha, no corredor, no chão da sala.
ג
Vem, amor! Abriremos nossas pupilas e nossos poros, abençoaremos nossos lábios com nossos próprios corpos, libertaremos nossos fogos e, em urros, voaremos às alturas e, sem trégua, mergulharemos, profundos, em nossos corpos e almas!
ד
Lá fora, hoje, meu amor, na rua, há apenas torcida organizada por anencéfalos, e há torcedores drogados carregando suas bandeiras e seus paus, e há repressores, e há reprimidos, e há destruidores da Educação, e há osmóticos, e há repetidores de PowerPoint, e há homofóbicos, e há islamofóbicos, e há banqueiros, e há antissemitas, e há fascistoides, e há nazistas, e há preconceituosos, e há os exterminadores, e há os militaristas, e há machistas, e há psicóticos, e há bipolares, e há espancadores de mulheres, e há autoritários, e há golpistas, e há ignorantes, e há racistas, e há noveleiros, e há midiáticos, e há ressentidos, e há vingativos, e há antidemocráticos, e há os que odeiam, e há egoístas, e há ovelhas, e há curiosos, e há absolutamente incapazes, e há igrejeiros, e há roubadores de merendas, e há especuladores, e há agiotas, e há roubadores de dízimos, e há escravagistas, e há roubadores de almas e há, por desgraça, a massa assexuada e acrítica, arrastada e centrifugada pelos seus donos! Lá fora, hoje, meu amor, há apenas caixa de gordura e bonecos que marcham!
ה
Vem, amor, vem pra cama!
ו
Vem, amor, vem hoje.
ז
A política, meu amor, deixaremos para depois de amanhã, quando se reunirem apenas os esclarecidos, conscientes e libertários!
março, 2016
© Pietro Nardella-Dellova
Escolhas…

Escolhas…

I

Entre Direita e Esquerda, prefiro progressistas (democráticos)!

Entre Socialistas e Liberais, prefiro a coexistência necessária de ambos.

Entre Liberal e Libertário, o Libertário (não existe libertário de direita!).

Entre Marx e Bakunin, prefiro Bakunin apenas traduzindo Marx!

Entre Bakunin e Proudhon, claro, prefiro Proudhon.

II

Entre Comunismo e Anarquismo, prefiro o Anarquismo.

Entre Iran, Coréia do Norte, Rússia e USA, prefiro USA.

Entre Democracia e Ditadura, Democracia.

Entre neofascismo e direitos fundamentais, direitos fundamentais.

Entre autoritarismo e ἀναρχία, prefiro ἀναρχία (assim, no original!).

Entre fascistas e partigiani, prefiro os partigiani!

III

Entre Sofistas e Sócrates, prefiro os Sofistas.

Entre Sócrates e Platão, Sócrates.

Entre Platão e Aristóteles, Aristóteles.

Entre Aristóteles e Epicuro, prefiro Epicuro.

IV

Entre Homero e Hesíodo, prefiro Hesíodo.

Entre Hesíodo e Saphos, Saphos.

Entre Esparta e Atenas, prefiro Atenas.

V

Entre templos e escolas, prefiro escolas!

Entre prosa e poesia, poesia!

Entre dogma e alma, alma!

Entre impor e debater, debater.

Entre dialética e pluralismo, pluralismo.

Entre religião e irreligião, irreligião.

Entre teologia e filosofia, prefiro filosofia.

VI

Entre irmão e amigo, prefiro o amigo.

Entre deuses e seres humanos, seres humanos!

Entre deus e diabo, o diabo.

Entre choro e riso, não prefiro (é situação…).

Entre o distante e o próximo, prefiro o próximo.

VII

Entre matriculados e estudantes, prefiro estudantes!

Entre sinopses e doutrinas jurídicas, doutrinas.

Entre conteúdos digitais e livros, livros.

Entre livros físicos e livros digitalizados, livros físicos.

Entre sala dos professores e pátio, o pátio…

Entre sala de aula e sala dos professores, a sala de aula.

Entre pátio e cantina, a cantina.

Entre Direito e Ciências Jurídicas e Sociais, as Ciências Jurídicas e Sociais.

VIII

Entre Shopping Center e Lojas de Bairro, prefiro as Lojas de Bairro.

Entre Super Mercado e Mercado Municipal, o Mercado Municipal.

Entre bancos e empresas, as empresas.

Entre Agronegócio e Agricultura Familiar, o equilíbrio.

Entre rodovias e ferrovias, prefiro as ferrovias.

Entre caminhões, ônibus e os trens, os trens.

IX

Entre clérigos e artistas, prefiro os artistas.

Entre sala de aula quadrada e sala de aula circular, a circular.

Entre cemitérios e maternidades, as maternidades.

Entre sentença e mediação, a mediação.

Entre governo e autogestão, a autogestão.

Entre governo e professores, os professores.

Entre petistas e antipetistas, prefiro a cachaça e a distância.

X

Entre vias e ciclovias, prefiro as ciclovias.

Entre o rural e o urbano, prefiro as vias de acesso.

Entre códigos e microssistemas, os microssistemas.

Entre leis e contratos, prefiro os contratos.

XI

Entre Levítico e Cântico dos Cânticos, prefiro o Cântico dos Cânticos.

XII

Entre adestramento e criatividade, prefiro a criatividade.

XIII

Entre Cristianismo e Judaísmo, prefiro o Judaísmo.

Entre Moisés e Aarão, Moisés.

Entre Rabinos e Sacerdotes, os Rabinos.

Entre Cristianismo e Jesus, Jesus.

Entre Paulo e Jesus, Jesus.

Entre Jesus Cristo e Jesus de Nazareth, Jesus de Nazareth.

Entre a Igreja de Constantino e a Comunidade Primitiva, a Primitiva.

Entre o Clero e as Bruxas, as Bruxas.

Entre igrejas e terreiros, os terreiros.

Entre judeus ortodoxos e judeus liberais, prefiro os conservadores quase liberais.

XIV

Entre não ter filhos e ter filhos, prefiro ter filhos.

Entre Fratelli D’Itália e ‘O Sole Mio, prefiro ‘O Sole Mio.

Entre Ouviram do Ipiranga e Luar do Sertão, o Luar do Sertão.

Entre Hamás e Israel, Israel.

Entre Kibutzim e Estado, os Kibutzim.

Entre Israel e Palestina, prefiro Dois Estados para os Dois Povos.

XV

Entre parafuso e porca, prefiro a porca.

XVI

Entre ósculo santo e beijo pagão, prefiro o beijo pagão.

Entre Línguas e Linguagem, a Linguagem.

Entre pão francês e bolo de fubá, bolo de fubá.

Entre carne e frutas, prefiro as frutas.

XVII

Entre Rio e Napoli (é melhor não preferir, mas prefiro Napoli)

Entre Rio e São Paulo, prefiro a mulher do próximo.

Entre Roma e Napoli, prefiro Napoli aberta para Roma.

XVIII

Entre a boca e o umbigo da mulher amada, prefiro o caminho todo!

Entre o umbigo e o jardim, prefiro a plenitude…

Entre um gozo e outro, prefiro todos e falas desconexas!

XIX

Entre novela e sexo, prefiro o sexo.

Entre futebol e sexo, prefiro o sexo.

Entre noticiário e sexo, prefiro o sexo.

Entre sexo e sexualidade, prefiro a sexualidade.

Entre ler e fazer amor, prefiro fazer amor.

Entre Eva e Lilith, prefiro Lilith.

Entre Lilith e Sulamita, Sulamita.

Entre esposa e amada, prefiro a amada.

Entre amada e amante, prefiro a nudez.

Entre ato jurídico cartorário e amor livre, o amor livre.

XX

…e, entre isso e aquilo, o melhor não é o que eu escolho, mas a liberdade de (e para) escolher!

*

9 de janeiro, 2016

© Pietro Nardella-Dellova

Não adiante falar 24hs por dia diante de antissemitas (eu sou um alvo!)

Não adiante falar 24hs por dia diante de antissemitas (eu sou um alvo!)

Não adianta eu falar 24hs por dia que sou a favor da criação efetiva de um Estado da Palestina. Não adianta eu falar 24hs por dia que tenho um imenso respeito e amor fraternal pelo Povo Palestino, e que sua causa é também minha causa. Não adianta eu falar 24hs por dia que sou contra o Netanyahu (e contra todos a quem ele representa). Não adianta eu repudiar 24hs por dia o massacre israelense contra a população de Gaza.
 Não adianta eu falar 24hs por dia que os Israelenses devem respeitar todos os direitos dos Palestinos de Gaza, da Cisjordânia e dos que vivem em Israel ou dos Árabes que sejam também israelenses.
 
Não adiante eu falar e dizer 24hs por dia que sou Judeu de Esquerda, com pautas de Esquerda, lutas de Esquerda e vida de Esquerda, Não adianta eu falar 24hs por dia que em Israel, como em qualquer país, há Judeus de Esquerda, Jornal de Esquerda, Kibutzim de Esquerda, Partidos Políticos de Esquerda, Professores de Esquerda, Sindicatos de Esquerda… e religiosos de Esquerda…
 
Nada disso adianta porque todos e todas me olham como Judeu, e sob o seu olhar maléfico, antissemita e odioso, eu não posso existir como Judeu, eu não posso viver como Judeu nem sentir como Judeu.
Além disso, ser antissemita dá milhares likes para seus perfis, atrai muito “pix” para suas contas e monetiza diuturnamente os meios de comunicação alternativos. Para eles, eu sou uma “boa mercadoria”, um “bom objeto” de especulação e um alvo constante.
O que posso fazer a respeito? Nada, exceto me opor a eles e combatê-los diuturnamente!
Não há diálogo possível com antissemitas. Mas, eles, diante de quem não adianta ficar falando 24hs por dia , pois são antissemiticamente impermeáveis, eles (e elas!) não conseguem destruir em mim o Judeu que sou. Ao contrário, muito ao contrário…
Casa degli Spiriti e algo acerca de Mashiach

Casa degli Spiriti e algo acerca de Mashiach

I

Deixei meu filho na Piccola Caffetteria, comendo seu tramezzino, e fui para o Quartiere Ebraico, bem atrás do Castello Baronale, com todas as saudades da Sinagoga Scuola, a que chamam, amedrontados, Casa Degli Spiriti, porque muitas atrocidades ocorreram contra os ebrei, como são chamados os judeus italianos. Houve muita perseguição e morte, dentro e fora da Sinagoga, com requintes de brutalidade.

 

II

Ouve-se que algumas crianças foram mortas sobre a Bimá, a mesa sobre a qual se coloca o Rolo da Torá nos serviços religiosos judaicos. Por isso mesmo, os moradores dali dizem ouvir vozes, e sombras se movimentando, pelas pequenas janelas do prédio. Dizem que as pedras das paredes da Sinagoga ficam respingando o sangue das vidas que ali foram assassinadas e que, agora, buscam vingança contra seus opressores e descendentes. Ao chegar naquele pátio da Via Olmo Perino, diante do prédio da antiga Sinagoga, fui tomado de um sentimento de dor, mas, igualmente, de esperança e gratidão. Cheguei-me à antiga porta de madeira, fechada, e estendi minha mão, como que acariciando, ou agradecendo, ou, simplesmente, testemunhando alguma vida em mim e, ao encostar minha mão à porta, fui tomado por pensamentos e sentimentos que vêm de longe.

 

III

Choramos e esperamos nesta triste Galut por um tempo de paz, em que possamos simplesmente viver. Ali, no Quartiere Ebraico, diante da velha Sinagoga, desta minha curiosa Casa Degli Spiriti, caminhamos e brincamos tantas vezes no pequeno pátio florido, onde minha família viveu por séculos, meus olhos se enchem de luz e esperança. Também ouço vozes, mas de outra natureza.

 

IV

Estava quieto diante da porta fechada da Sinagoga. Às minhas costas, exatamente atrás, para cá e além do Castelo, ficam as três Igrejas Católicas, Santa Maria Assunta, San Pietro e San Francesco. Mais distante, do outro lado da cidade, à minha esquerda, para além da Via Appia, ficam duas Chiese Evangeliche, e à minha direita, há moradias de um grupo de muçulmanos que atuam na exploração de serviços telefônicos internacionais.

 

V

E eu, parado ali, senti um calor invadir meu peito. É impossível não chorar, porque ouvi o clamor das vozes de centenas de judeus e judias levados e mortos pelos religiosos de fora, pela sua inquisição, pelos fascistas, nazistas e outros canalhas injustos. E ouvi os sinos badalando incessantemente, ouvi alguma gritaria conjunta de Igrejas evangélicas e vozes ininteligíveis islâmicas.

 

VI

Mas, do silêncio estranhamente respeitoso da velha Sinagoga, ouvi, também, a voz inconfundível da esperança em Mashiach:

 

… o Espírito de HaShem está sobre mim,

porque Ele me ungiu, para pregar aos mansos e revigorá-los:

          enviou-me a restaurar os chorosos de coração,

            a proclamar liberdade aos escravizados,

              e a abertura de prisão aos presos…

 

VII

Porque andamos perdidos nas sombras de tantos séculos, sem direção nem contentamento, e o sentido de Mashiach tornou-se um peso milenar e o talhe do teu reino mal pode ser reconhecido. Nos últimos milênios fizeram-no com mil faces e em mil lugares. Sendo tantas, ninguém a conhece nem pode esperar ou ouvir esta voz.

 

VIII

Mas, alguns esperam Mashiach e acreditam que o avistarão sobre os montes de Israel, com os seus pés em movimento, ensinando a renovação do Conhecimento e o Retorno a um tempo em que Poetas eram reis em Jerusalém. Rei Poeta e Poeta, Mashiach ensinará algo de mais profundo sobre a Face do Eterno.

São aspectos de Mashiach que me encantam e me fazem, em determinada medida, ouvir sua voz. Mas, espero, também, que as vozes retidas nas paredes desta minha Sinagoga sejam libertadas com atos de justiça! A voz de Mashiach fará ouvir a paz, e anunciará o bem, fará ouvir a plenitude e dirá à Sião:

O Eterno reina!

… celebra as tuas festas e cumpre os teus votos…

 

IX

E ele será, então, a imagem e a semelhança do Eterno, e nele serão soprados os Sete Espíritos do Eterno. E, com ele, a Coroa será ligada ao Reino… Malchut à Keter!

 

X

Quando ele nascer (e os sábios disseram que nascerá), o Eterno se alegrará de sua Justiça, de sua Mansidão, de seu Conhecimento de Torá, de seu Cântico e de seu Hallel. Nele, as obras da “criação” serão finalmente terminadas. Sob seu Reino, os homens encontrarão as fontes de conhecimento, da sabedoria e da inteligência e não haverá fome sobre a terra, nem terror, nem injustiças. O cego não errará o caminho e o surdo não será privado de entendimento, e ninguém será enganado, pois ele ensinará o equilíbrio e como suplantar a árvore do aprofundamento do bem e do mal, como vencer as inclinações para o bem e para o mal e, assim, levará ao caminho de volta à árvore da vida, e apontará a Coragem e a Força!

 

XI

Então, o Eterno, finalmente, ficará satisfeito e ouviremos a sua voz plena de alegria (e de bereshit) ecoando pelo espaço:

… é muito bom…

Mas, agora, ninguém conhece o seu perfume, os seus olhos, as suas mãos, os seus cabelos, a sua barba, o seu caminhar, o seu partir do pão, do peixe e o seu delicioso vinho. Ninguém sabe como será aquela mulher que ele amará como esposa nem como serão seus filhos, porque ele trará em si os olhos e a música de David e a Poesia e juízos de Sh’lomò, de cuja descendência nascerá. Ninguém viu, ainda, o seu sorriso, o seu modo de abençoar, o seu cântico, a sua amizade, a sua presença, o seu sangue, o seu espírito e, não obstante, ele é o desejado de todas as nações, porque todos os homens e mulheres desejam um tempo de plena paz e descanso!

e como pastor apascentará o seu rebanho;
entre os seus braços recolherá os cordeirinhos,
e os levará no seu regaço:
as que amamentam ele guiará mansamente…

XII

Mas, por que ainda não o conhecem? Porque veem mal, com os olhos obscurecidos de religião, de teologias e de intrigas medievais. Veem com más intenções, e por isso não enxergam; não ouvem e não escutam. Ouvem mal, conforme as conveniências e, se o encontrassem não lhe reconheceriam.

Provavelmente, o desprezariam, porque não seria grego ou romano, não seria russo nem alemão. Desprezariam porque ele seria um Judeu – o melhor dos Judeus! Desprezariam porque ele não nasceria em um calendário gregoriano nem daria início a um novo calendário, como querem os homens platônico-aristotélicos, nem seria um Judeu nascido em terra estranha, como querem algumas escolas e grupos. Desprezariam porque ele teria em um dos braços, a Torá, e no outro, os Nevi’im. De um lado o acompanharia Moshè rabenu, e do outro, os Profetas. Desprezariam Mashiach porque o seu coração é uma força nos Tehilim, e sua alma será formada nas deliciosas Festas Judaicas e nas Canções que enchem nossas vidas de contentamento.

 

XIII

E somente aqueles que ouvissem, repetidas vezes, o seu pai declamando delicadamente os versos dos Cânticos de Sh’lomo para sua terna esposa; e ouvissem, também, a voz e a força dos Provérbios e da Meguilat Ester, quando estivessem juntos com seus irmãos, ao redor de uma mesa iluminada pelas chamas de um duplo candelabro, e perfumada pela delícia dos Chalôt, somente assim poderiam saber como será o Mashiach.

Os outros o desprezariam e o odiariam porque na sua boca e no seu coração os Ensinamentos jamais seriam uma nova religião (e sequer uma religião), mas a luz, a renovação, o azeite, o ser humano pleno que nos falta – a perfeita leitura e interpretação da vontade do Eterno: amor-amar, superando as faces do bem e do mal, com o fogo da Ruach HaElohim!

façamos o homem

à nossa imagem e semelhança

Os homens maus, poderosos, senhores do império de ouro, prata, ferro e barro, mataram milhares de crianças judias pelos milênios, esperando que ele fosse morto – e continuam matando e comendo a carne de seus filhos, com seus votos ao vento! 

E hoje, vestidos de Babilônia, de Roma e Edon, culpam-nos por uma cruz forjada na ignorância dos ecos do Coliseu e insistem que devemos morrer por ela. Em dois mil anos de necrofagia que não termina, num discurso de morte que não termina, numa procissão mórbida que não termina, em cruzadas genocidas que não terminam, em inquisições necrófilo-religiosas que não terminam, em holocaustos que não terminam, em bombas que não se calam, e embriagados do nosso sangue, exigem que nos dobremos diante dos seus deuses gregos e romanos, e dos seus profetas orientais tresloucados, bem como de seus missionários de perdição! Exigem que ouçamos seus pregadores delinquentes e nos dão o fel da exclusão social!

 

XIV

E as filhas, orientais e ocidentais, desta absurdidade religiosa, vendem a ilusão in memoriam (aos pedacinhos) nas praças, nos salões alugados, nos templos de isopor, nos canais de rádio e televisão mal adquiridos, nos campos de futebol, nas capelas, nas basílicas, nas igrejas, nos terreiros, nos centros, nas encruzilhadas, nos sagrados Shopping Centers, nas Bolsas de Valores, nos chaveiros, nas lojas, nas Torres Gêmeas, nas peregrinações, na estampa maledetta do dinheiro, nos porta-aviões, nos discursos vazios, nas lojas de hambúrgueres, nas árvores, nas bolinhas de natal, nas ceias de natal e no frango assado de natal e nos dias de dezembro. Aliás, dezembro e novembro inteiros, porque os pedacinhos da ilusão devem mover o comércio!

 

Ah, esse Rabi desconhecido – o Mashiach! Se os homens o encontrassem em quaisquer lugares, certamente o desprezariam, porque não nasceria em dezembro! Porque será do sangue hebreu de Abraham, Itzchak e Ya’akov, e porque seria instruído/instruindo por Moshè rabenu, e porque é o coração e o gemido de Yehoshua, dos Shoftim, dos Melajim, de David, de Sh’lomò, de Yeshayahu, de Yirmiahu, de Yejezkel, de Daniyel, de Hoshea, de Yoel, de Amós, de Ovadiá, de Yoná, de Mijá, de Najum, de Javacuc, de Tz’faniá, de Jagai, de Zejariá, de Malají e de todos os Judeus de todos os tempos. Porque é a ideia de plenitude.

Mashiach será a perfeita harmonia entre Criação e Creador (não Criador), porque chora desde sempre, com gemidos de quem quer estar em Jerusalém – e ninguém pode amá-lo, desejá-lo ou compreendê-lo se antes não souber amar Jerusalém, o Beit HaMikdash e a Torá!

Ah, esse Rabi, meu irmão, jamais poderia ter nascido de Atenas, em meio às festas e bacanais, porque não é filósofo: é a própria Sabedoria. Jamais poderia ter nascido de Roma ou de suas Províncias, em meio aos festins e orgias, porque não é jurista: é a própria Justiça. Somente poderá nascer em Judá, em meio às Festas judaicas de Pessach e Shavuot, Yom Kipur e Sucot, e na alegria de um Shabat, porque ele é, e esperamos dele, o Shalom

 

XV

E olhando ao lado da porta da antiga Sinagoga, vi uma pedra, uma pequena pedra. Depositei-a no chão, diante da porta, em memória às centenas de vidas que tombaram diante do furor bestial eclesiástico, nazista e fascista, durante os séculos naquele Ghetto, cujo sangue e fé homenageiam cada uma das linhas da Torá. E às vozes judaicas que teimam em não calar pelos séculos e séculos até que possam estar em algum lugar com suas famílias, Tradições, Festas e seu Mashiach! Até que possam estar com seu D’us!

*

Pietro Nardella-Dellova: Sinagoga Scuola ou Casa degli Spiriti e alguma coisa de Mashiach, in A Morte do Poeta nos Penhascos e Outros Monólogos. SP: Editora Scortecci, 2009, p. 40  e segs.

 

 

Apresentação do Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil em chave constitucional e de direitos humanos

Apresentação do Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil em chave constitucional e de direitos humanos

Este livro de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil é publicado em caráter introdutório para estudos do Sistema de Direito Civil em chave constitucional.

Dizer “direito civil em chave constitucional” não é para simples (e necessária) hermenêutica hierárquica, mas para um Direito Civil que nasce com fundamentos na Constituição, irradiando-se em relações civilizatórias.

No 20º ano de vigência do Código Civil de 2002 e no 35º de promulgação da Constituição Federal de 1988, não é aceitável, e não é racional nem inteligente pensar em um Direito Civil isolado ou fechado (isso lembraria o mito da caverna de Platão). Hoje, referimo-nos, com inteligência, racionalidade e discernimento, ao Direito Civil que vive e respira constitucionalidade, direitos pétreos e direitos humanos.

Vejamos. Os microssistemas, legislações civis e decisões judiciais relacionados à igualdade e emancipação da mulher, aos direitos da personalidade, ou à pessoa consumidoras, criança, adolescente, homoafetiva, idosa, com deficiência, convivente e, também, à impenhorabilidade, relações familiares, adoção, função social dos contratos e da propreidade, responsabilização por danos morais (e perda de chance), reconfiguração do poder dos pais, biodireito, relações socioafetivas, não discriminação – e muito mais, demonstram que o Sistema de Direito Civil tradicional é insuficiente, sobretudo no Código Civil. São experiências sociojurídicas que, para além do sistema civilístico, objetiva um novo e vigoroso sistema de Direito Civil civilizatório.

Trata-se, assim, de um sistema de Direito Civil com fundamento constitucional e em direitos humanos que em nada perde sua característica basilar e sistêmica de disciplina das relações horizontais. Ao contrário, ganha ainda mais força, robustez, sentido e profundidade no âmbito e fontes constitucionais e humanistas.

Este livro (o primeiro de 5 volumes) está organizado em duas Partes:

 

I – Fundamentos Constitucionais e de Direitos Humanos para um Sistema de Direito Civilizatório além do Civilístico

II – Teoria Geral do Direito Civil: Pessoas, Bens e Fatos Jurídicos

 

O Plano geral em que os meus Estudos de Direito Civil foram pensados, desenvolvidos e escritos e que, agora, são oferecidos, de volume em volume, é:

 

Vol. I – Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil

Vol. II – Teoria das Relações Obrigacionais: obrigações, contratos e responsabilidade civil

Vol. III – Das Coisas, dos Direitos Reais e de seus Titulares

Vol. IV – Dos Núcleos Familiares e suas Relações

Vol. V – Das Sucessões

 

O Direito Civil desde as suas origens históricas e, em especial, após a Revolução Francesa, manteve um caráter privatístico, sobretudo nos sistemas codificados, com nítida separação entre público e privado.

Muitas matérias, entre as quais, o sujeito de direito, os bens, os fatos jurídicos, as obrigações e contratos, os direitos reais, as famílias e as sucessões, foram mantidas em um contexto de direito privado.

Porém, com o avançar do processo de constitucionalização, os direitos humanos foram se tornando direitos fundamentais, inseridos no texto constitucional como núcleo (imutável) do projeto constitucional de país como Estado Democrático de Direito.

No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 abriu um universo de repercussão dos direitos fundamentais no direito privado, ora com aplicação imediata, ora como fundamento hermenêutico.

O Direito Civil nasce e se legitima na Constituição Federal e, em movimento dinâmico hermenêutico, carrega em seus dispositivos a substância constitucional.

É o Direito Civil em chave constitucional que rompe a dicotomia público-privado e propicia a humanização das relações jurídicas e, por isso mesmo, a pessoa deixa de ser simples sujeito de direito para elevar-se à altura de pessoa humana com dignidade com repercussões nas relações obrigacionais e de direitos reais, familiares e sucessórios.

Assim, os tópicos tratados neste livro, Pessoa, Bens e Fatos Jurídicos são as estruturas básicas do arcabouço civilístico geral como antessala especial, e ganham uma dimensão civil-constitucional, sobretudo, no que respeita às inegociáveis funções sociais do Direito.

Como dito acima, é um livro com caráter introdutório – e não um tratado. É livro, com limites editoriais, para iniciar uma jornada e preparar o leitor para as muitas estradas que se abrem, e para os muitos caminhos que se oferecem aos estudiosos das Ciências Jurídicas e Socias e áreas afins.

A minha satisfação e alegria consistem em colaborar com as sinalizações e orientações introdutórias para a formação jurídica contemporânea humanística, apontando especialmente para a alma de todo o Direito que é a humanidade, a pessoa humana, nacional ou migrante, na plenitude da sua dignidade, pessoa que não existe para o Direito, mas para quem o Direito existe, evolui e se humaniza.

Enfim, o que se espera nesta senda é avançar no sistema de Direito Civil e, muito além dos Institutos civilísticos, chegar aos fundamentos civilizatórios, como parece evidente se considerarmos a história jurídica brasil(eira), sobretudo, no campo do direito civil com as dificuldades em se tratar do tema por conta de usos e abusos de toda sorte ao longo do século XIX.

Foi muito difícil, após a Independência política do Brasil, chegar a um Código Civil (quase cem anos depois, em 1916) e, há 20 anos, às pressas, desengavetar e aprovar o antigo texto do presente CC/02.

Portanto, não deve (ou não deveria) ser difícil, atualmente, buscar e estabelecer parâmetros constitucionais, humanistas e civilizatórios para o Direito Civil, mantendo, contudo, sua dignidade histórica e sistêmica. É o caminho irresistível do devir e da perfectibilidade das relações humanas civilísticas, digo, civilizatórias.

 

Tishrei, 5784

Pietro Nardella-Dellova