Entre críticas políticas e acusações infundadas de antissemitismo
A recente declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, classificando como genocídio a tragédia humanitária em Gaza, desencadeou uma onda de críticas e acusações de antissemitismo. Para parte da opinião pública, sobretudo em setores da comunidade judaica brasileira, o presidente teria ultrapassado os limites ao se posicionar de forma tão contundente contra o governo israelense.
No entanto, é fundamental contextualizar tais declarações. O debate sobre as ações de Israel em Gaza não é exclusivo do Brasil, tampouco restrito a líderes estrangeiros. Diversas vozes dentro do próprio Estado de Israel, incluindo ex-primeiros-ministros, generais, intelectuais e líderes religiosos, já expressaram críticas ainda mais duras à condução da política de Benjamin Netanyahu.
O filósofo religioso ortodoxo Yeshayahu Leibowitz, laureado com o Prêmio Israel por Contribuição Vital, já, nos anos 1990, denunciava a conduta dos colonos judeus nos territórios ocupados, comparando-a ao comportamento nazista e cunhando o termo “Yehudonazim” (“judeus nazistas”).
Em 2016, o então vice-chefe das Forças Armadas, hoje líder do Partido Democrático declarou, durante a cerimônia oficial do Dia do Holocausto, que a memória daquela tragédia deveria levar os israelenses a refletir sobre os processos sociais e políticos atuais, identificando neles ecos dos horrores vividos na Europa do século XX.
Ex-líderes políticos também não pouparam críticas. Ehud Barak afirmou que Netanyahu representa um perigo existencial para Israel e que tanto o líder do Hamas, Yahya Sinwar, quanto o ministro Itamar Ben-Gvir parecem atuar como cúmplices em uma estratégia de incitação mútua. Já Ehud Olmert classificou as ações de Israel em Gaza como “crimes de guerra”, acusando Netanyahu de prolongar o conflito por interesse pessoal.
Essas declarações, vindas de figuras centrais da política e da segurança israelenses, mostram que as críticas de Lula não são uma exceção isolada, nem configuram antissemitismo, mas parte de um debate muito mais amplo, existente dentro e fora de Israel.
De fato, mais de um milhão de israelenses têm saído às ruas, todos os sábados, para protestar contra a guerra, exigindo o fim da morte de civis inocentes em Gaza e denunciando a erosão da democracia no país. Não se trata de antissemitismo, mas de oposição a uma política governamental específica. O mesmo vale para Lula.
O papel da diáspora judaica
Entre os argumentos levantados contra a fala do presidente está a ideia de que “os judeus brasileiros não devem se envolver na política israelense”. Essa afirmação, porém, ignora a própria história do sionismo e a relação entre Israel e as comunidades judaicas fora de Israel.
Um dos princípios centrais do judaísmo é Kol Israel arevim zeh bazeh, todos os judeus são responsáveis uns pelos outros. Ao longo de todo o século XX, as comunidades judaicas desempenharam papel decisivo no apoio político, financeiro e moral ao Estado de Israel, incluindo mobilizações em tempos de guerra, programas de voluntariado e participação em congressos da Organização Sionista Mundial.
Nos últimos anos, porém, cresceu a percepção de que o apoio incondicional ao governo israelense precisa ser revisto. Em 2017, foi criado o movimento SISO (Save Israel, Stop the Occupation), que buscava engajar judeus da diáspora na pressão por um acordo de paz e pelo reconhecimento do Estado Palestino ao lado de Israel.
A deterioração política nos últimos três anos, marcada pela ascensão de partidos de extrema-direita, messiânicos e ultraortodoxos, agravou ainda mais a situação. Entre os problemas denunciados estão:
o aumento da violência contra palestinos na Cisjordânia;
o uso desproporcional da força militar em Gaza;
a aprovação de leis discriminatórias contra cidadãos árabes israelenses;
a tentativa de reforma judicial que ameaça o equilíbrio democrático do país.
Essas políticas não apenas enfraquecem Israel internamente, como também alimentam o antissemitismo global. Ignorar esse vínculo é fechar os olhos para a realidade.
Responsabilidade ética e histórica
Israel foi fundado como lar do povo judeu, herdeiro da tradição ética e moral dos Dez Mandamentos. O que se vê hoje, contudo, é a corrosão desses valores. Diante disso, todo judeu, em qualquer lugar do mundo, não só tem o direito, mas também o dever de se manifestar.
É necessário deixar claro que Israel não se confunde com seu governo e que os judeus não se confundem com Netanyahu. Cabe às comunidades judaicas no mundo protestar, elaborar manifestos e pressionar contra políticas que configuram crimes de guerra e atentados contra a democracia. Assim como já fazem as comunidades judaicas nos Estados Unidos e na Europa, é hora de a comunidade judaica brasileira demonstrar que a solidariedade ao povo judeu e a Israel não significa submissão a um governo específico.
Albert Einstein resumiu bem essa responsabilidade moral:
“O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por aqueles que observam sem fazer nada.”
— O terceiro Estado não será destruído pelo fundamentalismo judaico e messiânico, mas por aqueles que se calam ao ver a destruição do Estado judeu democrático.
No livro de Juízes, capítulo 14, versículo 14, está escrito: “מֵהָאֹכֵל יָצָא מַאֲכָל וּמֵעַז יָצָא מָתוֹק” – Do alimento saiu comida, e do amargo saiu doce.
O massacre realizado pelo Hamas em 07/10/2023 não teve como objetivo a libertação da Palestina, mas sim o genocídio do povo israelense – judeus, muçulmanos, cristãos e drusos. O Hamas acreditava que o Irã, junto com seus proxies Hizbollah, Houthis e falanges iraquianas, atacaria Israel e assim realizaria seu objetivo, descrito em seu manifesto ideológico: a destruição de Israel e a limpeza étnica.
Mas o que isso gerou foi o despertar do trauma do Holocausto no povo judeu em Israel – desde a extrema-direita, o sionismo messiânico, o fundamentalismo judaico e até mesmo o centro-esquerda. Havia consensos em Israel de “Nunca mais”. No dia 08/10/2023 deu-se início à Guerra “Espadas de Ferro”, com o objetivo de libertar os reféns e destruir toda a infraestrutura militar e civil do Hamas.
Mas essa guerra tinha outro objetivo para Bibi Netanyahu, Smotrich (líder do partido Sionismo Religioso Messiânico) e Ben Gvir (líder do partido Otzma Yehudit – Kach). Bibi queria se livrar de sua sentença e garantir sua sobrevivência pessoal e política. Smotrich e Ben Gvir tinham como objetivo o “Transfer” – a limpeza étnica, a anexação de Gaza e da Cisjordânia.
Com a saída do partido de centro Hamachane Hamamlachti (Gantz), Bibi ficou ainda mais dependente de Smotrich e Ben Gvir, levando o governo à extrema-direita messiânica e fundamentalista.
Já em março de 2024 poderíamos ter chegado a um cessar-fogo com o Hamas e à devolução dos reféns. Ben Gvir se orgulha publicamente de ter torpedeado esse acordo. Isso se repetiu em junho e setembro de 2024.
Após a guerra contra o Irã, tínhamos uma possibilidade não só de chegar a um cessar-fogo com o Hamas, mas também de reestruturar todo o Oriente Médio, ampliando os Acordos de Abraão com outros países árabes. Isso implicaria em finalizar a guerra, libertar os reféns, reconstruir Gaza sob domínio da Autoridade Palestina e de outros países árabes, e reconhecer os direitos legítimos do povo palestino a um Estado ao lado do Estado de Israel. Esse processo teria o apoio internacional dos EUA, Europa e países árabes.
Por pressão de Smotrich e Ben Gvir, Bibi reabriu o ataque a Gaza, impediu a ajuda humanitária, levando Gaza à catástrofe final. A fome, as condições de moradia (cidades de barracas), as condições sanitárias e médico-hospitalares levaram à subnutrição e à fome, até o momento sem dados numéricos.
A pressão internacional sobre Israel está levando a Europa à decisão de reconhecer o Estado da Palestina. Macron foi o primeiro, e no momento a Inglaterra ameaçou Israel com esse reconhecimento, principalmente se Israel decidir anexar a Cisjordânia e parte de Gaza.
Os acordos de paz são sempre realizados entre inimigos que, em sua maioria, se odeiam. Sem ir muito longe – Irlanda, Bósnia-Sérvia e muitas outras guerras intra e internacionais terminaram depois de catástrofes e mortes sem fim.
Quero ser otimista e dizer que a catástrofe do massacre de 07/10/2023 e a guerra em Gaza são o cume do conflito entre Israel e Palestina. Em 100 anos de conflito, morreram 50 mil palestinos. Em apenas 2 anos, morreram número igual. Na Guerra de Yom Kipur morreram 2.656 israelenses, 7.251 ficaram feridos e houve 294 reféns, numa guerra contra Egito e Síria. No massacre de 07/10 morreram 1.182 pessoas (779 civis), e outros 890 soldados morreram na Guerra de Gaza, com mais de 6.000 feridos e 251 reféns. Os dois povos estão em trauma – sem comparar quem mais e quem menos. Do lado palestino, 2 milhões foram deslocados de suas casas destruídas. Do lado de Israel, mais de 300 mil pessoas foram deslocadas de suas casas no sul e no norte do país.
Quero ser otimista e acreditar que chegamos ao fundo do poço. 74% do povo em Israel quer o fim da guerra e a libertação dos reféns. Não temos dados estatísticos do lado palestino. Mas, de acordo com as manifestações em Gaza, levo a crer que a população deseja o fim do Hamas e uma nova ordem.
A pergunta não é se vai haver um Estado da Palestina. A pergunta é quando, e que Estado será este?
No dia 09/07/2025, reuniram-se em Beit Jala, Palestina, os 50 membros da Direção Geral de Land for All – 2 States One Homeland, para planejar a estratégia do “dia seguinte”. A Direção Geral é formada por membros da Direção Palestina e da Direção Israelense. O avanço frente à Europa e aos EUA nos últimos dois anos é marcante. A proposta é vista como a alternativa definitiva aos Acordos de Oslo e à proposta tradicional de dois Estados. Anexo todas as conversações que tivemos com governos europeus e americanos.
Ainda não conseguimos entrar no eixo BRICS e na Liga Árabe, o que seria de suma importância para que sejamos uma das possibilidades reais de solução do conflito.
No encontro, me pediram para tentar entrar em contato com o governo brasileiro, que poderia abrir as portas para o BRICS. Comentei sobre a situação difícil em que nos encontramos com as últimas declarações do Presidente Lula. Por outro lado, sigo pensando que o diálogo se faz com aqueles que pensam diferente de nós – mesmo que acreditemos que estejam assumindo uma postura antissemita. Por isso, em minha estadia no Brasil, me reuni com Tenório e com Walid. Me chamaram de “capanga do sionismo”. Posso dizer que, do lado da própria comunidade judaica – da qual fui shaliach e educador, criando marcos educacionais que vingam até hoje em POA – fui chamado de “pior que nazista”. Mas isso não me assusta. Continuarei procurando o caminho do diálogo.
No momento, paraliso todas as minhas atividades para me dedicar a esse chamado do Land for All. Buscar um meio de chegar ao governo do Brasil – e, se possível, ao Lula. Trazer o mais rápido possível as lideranças do movimento para expor ao Presidente e ao Senado a proposta para o fim do conflito.
Para isso, preciso da ajuda de todos aqueles que tenham algum contato com o Itamaraty, com a Casa Civil ou com algum político que possa nos levar ao nosso objetivo.
Para isso, em primeiro lugar, fecharei todos os meus grupos de WhatsApp sobre o conflito e deixarei apenas um: Land for All – Standing Together BR. Não será um grupo de discussão nem de notícias ou opiniões. Será um grupo operativo, cujo objetivo é chegar ao Itamaraty, ao Senado e ao Presidente Lula.
Se “US” são os reféns e suas famílias, que estão há mais de 500 dias presos e torturados em Gaza, a SWU deveria chamar as pessoas às ruas e protestar contra o governo.
Se “US” são os soldados e reservistas que já serviram mais de seis meses na guerra em Gaza e no Líbano, a SWU deveria criticar e exigir o fim da Lei de Escape dos Haredim.
Se “US” é a população do sul e do norte, longe de suas casas, moralmente, psicologicamente e materialmente destruída, a SWU deveria exigir do governo de Israel o fim dos acordos econômicos partidários que favorecem apenas os haredim e os colonos na Cisjordânia.
Se “US” é o povo de Israel, que há mais de um ano sofre com esta guerra terrível, a SWU deveria exigir o fim da guerra.
Se “US” fossem os árabes-palestinos cidadãos israelenses, a SWU deveria exigir a intervenção da polícia no mundo do crime nas aldeias e cidades árabes.
Se “US” fossem os palestinos da Cisjordânia, a SWU deveria exigir a intervenção do Exército nos ataques de colonos judeus extremistas às aldeias palestinas, na queima de campos de oliveiras, na matança de rebanhos de carneiros e na limpeza étnica planejada pelo ministro da Cisjordânia, Smotrich.
Se “US” fosse o judaísmo e o sionismo, a SWU deveria exigir o fim deste governo fascista, messiânico e fundamentalista, que tudo o que faz é anti-judaico e anti-sionista. E lembrar que, durante mais de 50 anos, temos dominado terras e oprimido o povo palestino, e que há mais de 40 anos o LIKUD segue no poder, usando a força e a tecnologia para tentar acabar com o terrorismo, sem dar chance ao processo de paz (Liga Árabe, Acordo de Genebra, Acordo Olmert-Abbas), investindo no terrorismo (Bibi permitiu a passagem de centenas de milhares de dólares do Catar ao Hamas), criando muros de separação que, no final, se provaram inúteis. E, finalmente, lembrar que o judaísmo se resume em “veahavta lerecha kamocha” (“e amarás o próximo como a ti mesmo”) e que o sionismo, como movimento de libertação do povo judeu, só triunfará quando outro povo tiver o mesmo direito.
Mas, ao que parece, “US” é o governo. São Bibi Netanyahu, Smotrich, Ben Gvir, Schtruk, Gafni, Edri e muitos outros, cujo único objetivo é a continuidade da guerra – mesmo à custa da vida dos reféns – e a revolução judicial para permanecerem no poder. Por isso, a única coisa que a SWU faz é atacar o Hamas e culpar os palestinos por 55 anos de todos os males existentes em Israel. Falam de terrorismo e mais terrorismo, implantando a ideologia do medo e da raiva, que, no fim, só traz violência.
Stand With Us não está conosco, o povo. Não está com aqueles que lutam pelo verdadeiro judaísmo e sionismo, pelo povo que luta por um Israel melhor e mais justo. Pelo bem de todos, pois “zarim haitem beeretz mitzraim” (“foram estrangeiros na Terra do Egito”).
Por isso, chamo todos os que acreditam em Israel, no judaísmo e no sionismo a “Stand Together”. Porque “Together” significa judeus e palestinos, judeus, muçulmanos, cristãos e drusos, ashkenazim e sefaradim, heterossexuais e homossexuais, homens e mulheres, laicos e religiosos, direita e esquerda.
Quão simbólico é que os primeiros corpos que recebemos do Hamas sejam os de um homem idoso, uma mulher e duas crianças — uma de 4 anos e outra com menos de um ano. Os quatro são indefesos, pessoas que não fizeram mal a ninguém. Um homem e uma mulher que cresceram com os valores do kibutz, socialistas, com uma crença na igualdade, na solidariedade e na esperança de paz. Povo da terra. O que chamamos de “Pessoas da bela Terra de Israel”.
Duas crianças que acabaram de começar suas vidas. Inocentes, que não conhecem as palavras guerra, paz, amor ou ódio. Para elas, só existe amor sem palavras.
Ver a cerimônia em Gaza, quando o Hamas, no auge de sua brutalidade, trouxe crianças e bebês palestinos para celebrar o assassinato de crianças e pessoas inocentes, e observar o comboio desses quatro santos, traz-me imediatamente à mente a memória de 1,5 milhão de crianças, milhões de mulheres e idosos que foram assassinados ao longo da história do povo judeu. A consciência coletiva ativa imediatamente os sensores do sistema de sobrevivência. Uma vez fugimos, agora estamos lutando. Ao mesmo tempo, prometemos a nós mesmos não esquecer. Não esquecer que fomos estrangeiros no Egito, que fomos queimados para mudar de religião na Espanha e em Portugal, que em pogroms na Rússia nossas aldeias foram incendiadas e seus habitantes assassinados, que 6 milhões de judeus foram brutalmente mortos nas câmaras de gás na Alemanha. Mas, acima de tudo, não esquecer que não somos eles. Não estamos nos vingando; estamos nos defendendo, estamos pedindo justiça. Não acreditamos em “olho por olho”, porque, se o fizermos, viveremos em uma terra de cegos.
Nós não somos eles. Não estamos devolvendo na mesma medida a barbárie que sofremos em 7 de outubro de 2023. Não nos vingamos. E quem são “eles”? Eles não são chamados de egípcios, espanhóis, portugueses, russos, alemães ou palestinos. Eles fazem parte desses povos. São os mais extremistas, fanáticos, fundamentalistas entre eles, monstros que saíram do mundo animal — porque os animais não fazem o que eles fazem. Animais não matam nem caçam por prazer, não estupram, não cortam membros e festejam, não queimam outros vivos. Não, não são animais. São seres humanos que perderam sua humanidade. E nós não devemos perder nossa humanidade, nosso judaísmo, nosso sionismo. Sim, também temos nossos “eles” — refiro-me aqui a Ben Gvir, Smotrich e similares. Eles não somos nós. Eles não são judeus. Eles não são sionistas. Eles também perderam sua humanidade. Precisamos buscar fundo, entender o que significam as frases “Ame o seu próximo como a si mesmo” e “Nação contra nação não empunhará a espada, nem aprenderão mais a guerra”, e o que precisamos fazer para chegar lá. Pela cura, pela reconciliação, pela paz.
Devemos trabalhar com todas as nossas forças, em todos os lugares, com cada homem e mulher, menino e menina, para mudar a narrativa do medo, do ódio e da guerra para uma narrativa de esperança, amor e paz. Estas não são palavras vazias ou ingênuas. São mantras que devemos recitar todos os dias, como uma oração, para transformar a consciência pessoal e coletiva de nosso povo e do povo palestino. Quando você diz Israel, deve dizer Palestina. Quando diz Palestina, deve dizer Israel. Não é um ou outro. Existe apenas um com o outro. No meio disso, milhões de pessoas, misturadas umas com as outras. Devemos encontrar as forças positivas em ambos os povos e marchar juntos contra o ódio. Caminhar significa, além das palavras, sustentar as palavras, transformar as palavras em discurso, ação e conexão.
Espero que o passo dado por um grupo de pessoas da Galileia para criar um espaço — “Galileia Para Todos: espaço para cura, reconciliação e paz” — ajude a construir um lugar com uma narrativa diferente na Galileia. Espero que tenhamos a energia e a força para influenciar a região, para criar um farol de luz, pequeno, mas capaz de extinguir a escuridão em que vivemos!
Com toda a dor, tristeza e raiva — nós não somos eles! Abençoadas sejam as almas de Oded Lifshitz, Shiri, Ariel e Kfir Bibas.
Tempo de amar e tempo de odiar; tempo de guerra e tempo de paz
Kit, Shmuel Sigal, completará 81 anos em março, fundador do kibutz Nir Oz, agricultor com raizes ideologicas no sionismo socialista humanista, acreditando na convivência entre o povo judeu e palestino, foi raptado no massacre brutal do 7.10.23. Depois de 484 dias de prisão, torturado e 15 kilos a menos, volta ao meio familiar.
Kit, ao ser libertado, disse ao terrorista que o mantinha como refém, que espera que um dia possa voltar a Gaza e ensinar agricultura aos palestinos. No helicóptero estava preocupado com seus familiares, amigos e com o Kibutz Nir Oz.
Ele é a diferença entre os israelenses e palestinos que por medo, ódio e violência só querem o desaparecimento do outro.
Kit é a diferença entre um verdadeiro sionismo, movimento de libertação do povo judeu, e o sionismo messiânico de extrema direita, racista, fascista, fundamentalista. Entre o sionismo que aceita o povo palestino e seu direito a um Estado Independente e aqueles que querem anexar as terras palestinas. Kit é a prova que apesar de tudo é possível a paz.
Az Adin Abu El Ayash, gazati, medico palestino, o primeiro médico de Gaza que trabalhou em Israel no Hospital Tel Hashomer e Soroca. Ginecologista e parteiro, especializado em fertilização artificial. Dava vida a judeus laicos, religiosos, ultraortodoxos. Sem distinção. O mesmo fazia no hospital em Gaza.
No dia 16 de janeiro de 2009, na Operação Chumbo Fundido, um tanque do exército de Israel, lançou dois misseis a sua casa, matando 3 de suas filhas, um sobrinho e ferindo gravemente uma quarta filha. De sua casa não saiu nenhum tiro de terrorista. De lá só saia vidas, independente de sua origem étnica, religiosa ou nacional. Apesar disso, Az Adin, seguiu confiando no caminho da paz, como única solução a este ciclo de medo, odio e violência. Acreditava no Estado Palestino ao lado do Estado de Israel. Apesar de tudo acreditava na Paz.
Kit e Az Adin não são uma minoria. Ao contrário. São a maioria. Os governos de ambos os lados, querendo impor a ideologia do medo, que gera o odio e a raiva, aproveitam-se para generalizar e transformar o outro em inimigo abominável, quando centenas de palestinos invadem o sul de Israel e fazem um massacre a inocentes de forma brutal (não digo desumana, porque infelizmente entre os animais somente os seres humanos cometem atos assim) e uma massa de centenas de palestinos se reúnem brutalmente em torno da camionete dos reféns e quase realizando um linch ou quando dezenas de colonos judeus invadem aldeias na Cisjordânia, na Palestina, e queimam casas e carros, sem se importar se há pessoas dentro das casas. Comparar o massacre com o Holocausto e Gaza com Genocídio é a fórmula magica para isso.
Mas, a maioria das pessoas do povo judeu e do povo palestino querem o que todos os seres humanos querem. Acordar de manhã ir ao trabalho, crescer, estudar, casar, ter filhos, viver a vida, amar. Mas, as ideologias fundamentalistas, messiânicas, racistas, fascistas não permitem isso. Governos dogmáticos, oprimem tudo o que é diferente, todos os que pensam diferente – sejam eles de outros povos ou do seu próprio povo.
Já, no passado, comentei, que o conflito entre Israel e Palestina tem 4 círculos. O primeiro, interno, dentro de Israel e dentro da Palestina. A luta pela liberdade de ser quem sou. A liberdade de expressão. Em Israel, entre as correntes liberais, sejam elas políticas de centro e esquerda; religiosas entre laicos-reformas-conservativos e ortodoxos-haredim (ultraortodoxos); nacional entre judeus e palestinos. Na Palestina, entre correntes políticas da OLP e dos grupos de extrema direita (Hamas, Jihad e outros); religioso entre liberais e fundamentalistas muçulmanos.
A tentativa dos grupos de extrema-direita e fundamentalistas, que dominam há mais de 20 anos Israel e Gaza, de impedir qualquer possibilidade de um acordo de paz, tem dois objetivos básicos. O primeiro, a permanência no poder. Segundo, a limpeza étnica do outro povo. O primeiro através da opressão interna, seja ela em Gaza através da força ou em Israel através da “revolução judiciaria” (o fim do sistema judiciário independente) e o segundo através de uma guerra perpetua. Esta é a única explicação do porque Israel permitiu a Qatar enviar todo mês dezenas de milhares de dólares a Gaza. É impossível imaginar que Israel não sabia dos tuneis e da cidade subterrânea que estava sendo construída em Gaza.
Assim que a única forma de termos uma chance a paz, ao desejo da maioria israelense e palestina é derrubar estes dois governos e dar espaço a um governo único na Palestina e um governo pragmático em Israel. A Hamas está destruída, militarmente não existe mais. Isto não é minha opinião, mas a opinião do ex-ministro da defesa, Galant, de ex-chefes do serviço de informação e de muitos generais da reserva. O que vemos é um resíduo do que foi a Hamas. Basta o governo de Israel aceitar o fim da guerra, receber de volta todos os reféns e aceitar que as AP (Autoridade Palestina, OLP) domine Gaza e a Palestina. Quero ser otimista e pensar que este momento chegou, mas quando vejo o que está acontecendo em Israel, tenho medo de perdermos esta janela de pouco tempo. O governo de Bibi Nataniahu fez de tudo para continuar a guerra, única forma de sobreviver no poder, de impedir qualquer acordo com a Hamas para a devolução dos reféns (em troca do fim da guerra), e dar continuidade, quase as escondidas, das reformas internas no judiciário e na lei da isenção de convocação de haredim ao exército. Os ministros e deputados do governo depreciaram as famílias dos reféns, Bibi até os dias de hoje não foi a Nir Oz falar com a comunidade, que 25% de sua população foi morta pela Hamas, por falha de seu governo. Todos aqueles que tem a coragem de dizer o que pensam sobre a guerra, o governo e principalmente sobre Bibi Nataniahu são imediatamente taxados de esquerda e traidores. A lista destes é grande. Para eles o poder judiciário quer acabar com o governo da direita, e não manter a lei e a ordem no Pais. A luta contra a corrupção (6 ministros estão com processos judiciários) é uma tentativa de derrubar o poder, começando com os 3 processos contra Nataniahu.
Mas, quero seguir sendo otimista, e acreditar que haverá uma massa critica em Israel que exigira uma investigação de cunho nacional, antecipação das eleições e troca de governo. E ai, vem a pergunta do milhão – Isto é suficiente?
Não! Enquanto não houver um processo de cura, reconciliação e paz não poderemos terminar com o conflito. Cura se faz através da educação. É preciso um acordo entre ambas as partes de reformular a narrativa do conflito, iniciando com reescrever os livros didáticos sobre os palestinos e os israelenses, dando chance a uma futura paz, desenhando o mapa da região com Israel e Palestina, lembrando que antes da 1ª intifada, apesar do domínio de Israel a Palestina e dos ataques terroristas dos grupos palestinos a população israelense, havia uma relação humana entre as partes. Centenas de milhares de palestinos vinham a Israel trabalhar e passear, centenas de milhares de israelenses iam a Palestina passear, fazer compras e até jogar no cassino de Jerico. Lembrar que ambos os lados são humanos, ambos os lados sofreram perdas humanas e materiais, tristezas e dores. Didática para sair do Círculo do medo e da Raiva[2]. Enquanto os lados oficiais não entram em comum acordo, as ONGs e organizações sociais tem que assumir a responsabilidade para educar a nova geração no sistema informal.
A reconciliação se fará através de encontros entre israelenses e palestinos, em Israel, na Palestina e no exterior, em lugares neutros. Círculos de escuta, para aprendermos a escutar e ver o outro. Para entendermos que a perda, o sofrimento, as dores são iguais em ambos os lados. Para trabalharmos com a Caixa de Pandora que esta aberta a décadas, com seus monstros para fora, mas com a esperança escondida, com medo de sair do Bau. Enfrentar os monstros juntos e ajudar a esperança a sair. Seminários sobre as diferentes narrativas, a sionista e a palestina. Para isso convocaria a ONG Hakaia-Sipur (conto), que se especializa em mediação de narrativas. Um dos livros mais importantes nesta área é o livro Side by Side [3], que apresenta a história através da narrativa sionista e palestina, uma ao lado da outra. Finalmente, oficinas de formação de professores, monitores e “Community Change makers” em educação e ativismo para paz e não violência.
Por último a Paz se fará no nível político, dos governos. Existem várias possibilidades de paz – um estado binacional, dois estados separados totalmente, confederação e federação. Já existem várias propostas na mesa – acordo de Genebra, acordo da Liga Árabe, acordo Olmert-Abu Mazen, acordo Olmert-Nasr al-Kidwa. Nós podemos propor acordos, realizar manifestações, ativismo político, pressão interna e externa, convocação do povo judeu e palestino na diáspora, mas a paz se fará entre as nações, entre os governos. Eu sou a favor de uma Confederação Israel-Palestina[4], mas assinaria qualquer proposta aceita por ambas as nações. “A liberdade total de um só se fará com a liberdade do outro”.
Mas, o que fazer até que se dê as condições entre os povos, as nações? Ao me perguntar isso me vem imediatamente na cabeça e no coração a Geraldo Vandré, “Pra não dizer que não falei das flores” – “Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Somos nós que temos que fazer com que os governos, as nações decidam fazer um acordo. Somos nós que temos que começar o processo de cura e reconciliação. Somos nós, mesmo que o outro lado não se mova. Sou eu, judeu, filho de refugiados da Alemanha, que pertence a um povo tão sofrido, mas um povo que canta Hatikva, que tenho que dar o primeiro passo. Ter a coragem de dar o primeiro passo. Estender a mão ao inimigo, por mais brutal que ele seja. Inimigos não se escolhem. Com eles precisamos fazer a paz, a reconciliação, a cura.
“Mãos para Paz”, através de sua representante em Israel, Alternative Center, junto com um grupo de ONGs, terapeutas e educadores estão criando em Israel um Espaço “Galil LeKulam” (Galileia para todos), no qual daremos início ao processo de cura da população galiliana – judeus, palestinos muçulmanos, cristões e drusos. Crianças, jovens e adultos. Finalmente temos um espaço físico no qual realizaremos processos terapêuticos de trauma individual e coletivo, círculos de escuta, seminários e oficinas, atividades bilingues com crianças e jovens, happenings e encontros entre judeus e árabes palestinos.
Em Israel e na Palestina dezenas de organizações e dezenas de milhares de pessoas estão dando há tempos o primeiro passo, mas é preciso outros centenas de milhares de passos. O seu passo. O seu espaço. E somente você pode definir qual será este seu passo, seu espaço.
“E julgará entre as nações, e repreenderá muitas nações, e converterá as suas espadas em relhas de arado, e as suas lanças em foices; nenhuma nação levantará espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra.”[5]
Israel e Palestina estão em conflito há 100 anos. Mas, depois da guerra dos 6 dias, em 1967, quando Israel conquistou o Sinai, Gaza e Cisjordania os israelenses, judeus e árabes, e os palestinos e egípcios começaram um novo tipo de relação. Relação humana. Os israelenses iam a Cisjordania e a Gaza fazer compras e passear. O Sinai se tornou o paraiso da juventude israelense. Festivais de música, passeios, dive no Mar Vermelho. Os palestinos vinham a Israel, trabalhar.
Eu cheguei em Israel em 1973, 3 meses antes da guerra de Yom Kipur. Foi um trauma para os israelenses. Egito e Síria nos pegaram de surpresa, no dia mais sagrado do povo judeu, quando todos estavam na sinagoga, mesmo a maioria laica. Dia que não se trabalha, não há restaurantes, centros de lazer ou lojas abertas. Não há carros nas ruas.
Mas, depois da guerra voltamos a normalidade. Eu e minha parceira e todos meus amigos íamos pelo menos uma vez por ano ao Sinai. Minhas compras, principalmente de produtos não Kasher, fazia em Shoafat na parte oriental de Jerusalém. Descíamos ao mar Morto e passávamos por Jerico para comer, passear, fazer compras.
No Sinai mediterrâneo Israel construiu uma cidade. Yamit, um assentamento israelense na parte norte da Península do Sinai com uma população de cerca de 2.500 pessoas. Paraíso com suas praias e dunas de areia branca. Meu primo morou lá. Fomos visitá-lo várias vezes e a cada vez passávamos pela franja de Gaza e sempre íamos comer nos restaurantes da Cidade de Gaza que tinham schrimps deliciosos. Uma das vezes fui com meu primo, que era jornalista, entrevistar o assessor de Arafat, quando isso ainda era proibido. Sentamos em frente do mar Mediterrâneo, num restaurante. Almoçamos e conversamos sobre o futuro.
O governo de direita a partir de 1977, aumentou intensivamente a colonização. Havia um conflito político, haviam atentados terroristas, havia incursões na Cisjordânia. Israel era o poder, o opressor político. Mas, havia relações humanas e amizades entre israelenses e palestinos. Havia organizações pro Palestina em Israel. Em 1982 eu fazia parte de Shalom Achshav (Paz Agora) e Yesh Gvul (Tem Limite, movimento de reservistas que se recusavam a servir além das fronteiras de 67).
Com o acordo de paz com o Egito, Israel devolveu TODO o Sinai, apesar do paraíso que era, de praias dez vezes mais bonitas do que as de Israel, de dispensar o petróleo do Sinai e de arrancar a força os 3 mil moradores da cidade de Yamit, a grande maioria do povo em Israel estava totalmente a favor do acordo de paz. Perdemos a soberania do Sinai. Ganhamos a paz e continuamos a ir ao Sinai nas ferias. Eu ia com meus filhos pequenos ao Sinai, a Jerico e a Cisjordania. Meus filhos, hoje casados e pais de crianças pequenas, seguem indo ao Sinai.
Em 1993 pensamos que a paz venceu. Rabin e Arafat assinaram o acordo de reconhecimento mútuo. Festejamos, estávamos bêbados de alegria. Fui a Jerico alguns meses depois do acordo e havia um ambiente de festa, de alegria. Iamos devolver a Cisjordania e Gaza aos palestinos e como com o Egito, poderíamos seguir passeando como estrangeiros na Palestina. Terminou o terrorismo, terminou a opressão de Israel sobre o povo palestino. Um palestino deu o nome de Salam ao filho. Vim encontrar a Salam, no Centro Árabe de artistas plásticos, 30 anos depois. Que decepção em seus olhos. Salam sem Salam.
Se o assassinato de Rabin, foi o fim da esquerda em Israel e a conquista da direita e religiosos do governo, a 2ª Intifada, o maior erro de Arafat, de acordo com Abu Mazen, foi o assassinato da paz. Não mais Jerico, não mais Gaza, não mais Cisjordânia e a devolução de Gaza, sem um acordo de paz, que permitiu que a Hamas assumisse o governo, foi a declaração de guerra perpetua. Situação que fortaleceu as narrativas da extrema-direita e do fundamentalismo em Israel e em Gaza, levando a 4 operações de Israel em gaza e ao massacre de 07.10.23.
E como fiz durante estes 40 anos, volto ao Sinai, e lá me encontro com milhares de jovens israelenses que apesar de terem nascido depois da 2ª intifada, ainda sonham com a paz, na esperança de que possam visitar a Gaza e a Jerico, cidades do estado da Palestina, como turistas e não como reféns.
29.11.2023 – Esta Terra tem que ser compartilhada e não partilhada
Este último ano foi um ano cheio de bons e maus acontecimentos. Pensei que o auge seria o 1º Congresso Internacional de educação para Paz e Não Violência. Estávamos trabalhando há dois anos, arduamente, sem verba e sem uma estrutura organizacional. Junto a isso perdi o meu parceiro amigo, Sergio Storch. Com um pequeno grupo de ativistas, conseguimos juntar 50 palestrantes de 7 países que em 3 meses nos deram uma lição dexpazxexnãoxviolência. Ao terminar o congresso, pensei que iria sentar e escrever a conclusão propondo dois novos projetos. O primeiro um livro sobre educação para paz e não violência, o segundo o primeiro curso para jovens agentes de mudança no Brasil. As ideias voavam na minha cabeça, palavras e imagens. Assim trabalho antes de sentar-me e escrever.
Mas, justo quando pensei em escrever, acordei em um pesadelo, o maior de todos – o Shabat 7.10.23. A invasão de terroristas da Hamas, bárbaros, que perderam sua humanidade, que esqueceram o verdadeiro sentido do Corão, do Islamismo e das religiões. Fato não tão pouco comum. Seres Inumanos, fundamentalistas. Essa é a definição – fundamentalistas.
Com o passar das horas fomos nos inteirando do grau do massacre, do número de mortos, do modo da matança e da alegria desses inumanos por matarem judeus. Essa é a verdade que o mundo não quer reconhecer. A Hamas tem como ideologia matar aos judeus, aos cristãos, aos hereges muçulmanos e todos àqueles que não aceitam a Sharia. Não há nenhuma relação entre o movimento da Hamas, fundamentalista, com o Movimento de Libertação da Palestina.
Fiquei desnorteado, perdi minha bússola por uns dias. Logo em seguida fui a Portugal, Grécia e finalmente no dia 17 de novembro aterrizei em Israel. Decidi calar-me, tentando entender o que as pessoas, aqui, em Israel, que passaram por estes momentos terríveis, estavam sentindo, pensando. Minha família e meus amigos. O que diziam os jornais, a Midia e as redes sociais. Entender àqueles que estavam envolvidos em movimentos pro paz, a favor da libertação da Palestina. Entender o que os árabes israelenses estavam sentindo, o que pensavam do massacre. Ainda não pude entrar em contato com meus amigos e companheiros de caminhada pela paz na Cisjordânia, na Palestina.
No dia 29 de novembro de 1947 nas Nações unidas foi declarado a partilha da Palestina. Talvez ali tenha começado o conflito, talvez 40 anos antes. As datas para mim são importantes, elas são um “turning point” de processos históricos. Assim que decidi, hoje, escrever o que sinto, e principalmente o que penso. O que sinto tem uma reflexão na minha ideologia política, o que penso tem uma reflexão nos fatos. Me esforço ao máximo não fazer de meus sentimentos fatos, coisa comum nos dias de hoje.
Antes de colocar fatos quero colocar 3 reflexões ideológicas e um fato.
A primeira, relacionada com a partilha. Ambos os povos, judeu e palestino, tem direito a sua liberdade, a sua auto-determinação. A liberdade de um somente ocorrerá com a liberdade do outro. O povo judeu tem direito a seu Estado, Israel. Assim como o povo palestino tem direito ao seu, Palestina. A partilha promovia a divisão do território em dois estados e infelizmente os palestinos recusaram, apesar de terem 65% do território do Rio ao Mar. Não tenho que me justificar, mas quero deixar bem claro que sou um ativista e sempre serei pela causa sionista e palestina, pela Confederação Israel-Palestina.
A segunda, relacionada com o massacre de 07.10.23. Nada, mas nada no mundo poderá justificar esta barbaridade. O sofrimento do povo palestino não pode justificar o massacre, o assassinato de crianças na frente de seus pais, assassinato dos pais na frente de seus filhos, decapitação de crianças, violação de mulheres. Esta semana vi pela primeira vez fotos do massacre. Vi uma criança queimada com sua barriga aberta, uma mulher com seios cortados depois de ser violentada por um grupo de terroristas, que brincavam com seus seios arrancados como se fosse uma bola de futebol. E isso são as fotos e vídeos menos horripilantes. Se justificarmos estas ações pelo sofrimento do povo palestino, poderia dizer que o sofrimento dos judeus na inquisição, nos pogroms na Rússia, no assassinato de 80% de minha família em campos de concentração nazistas, justificaria a realização de barbaridades e massacres a cristãos, russos e alemães. Se justificarmos o massacre de 7.10, podemos justificar dezenas de massacres no mundo pelo sofrimento humano e pela violação do mínimo denominador comum de humanidade.
A terceira, é que existe uma desproporção total do conflito entre Israel e Palestina. Eu falo de soluções, para o dia de hoje e para o futuro. Aquele que queira falar comigo sobre o conflito Israel-Palestina, terá que provar que realmente sabe do que está falando, e não só de slogans antissionistas e antissemitas. Terão de falar comigo sobre o conflito entre xiitas e sunitas, do setembro Negro na Jordania, sobre o massacre de 5 mil palestinos na Síria, sobre a proposta da comissão Peel, sobre a Nakba e os refugiados palestinos, sobre os 600 mil judeus expulsos dos países árabes, refugiados em todo o mundo e em Israel. Assim como, terá que falar sobre os conflitos na Síria (350 mil mortos e 2 milhões de refugiados), Ukraina-Russia (240 mil mortos, 40 mil deles civis e 3 milhões de refugiados), Sudão do Sul (400 mil mortos e 2 milhões de refugiados), Yemen (233 mil mortos e 2 milhões de refugiados), Angola (1.5 milhões de crianças mortas e mutiladas), Brasil (20 mil crianças e jovens assassinadas por ano). Eu encerrei bate boca de slogans das narrativas dogmáticas sionistas e palestinas, de pesar quem sofreu mais, quem tem mais direito a estes territórios, quem deu o primeiro tiro, quem é o culpado da situação em que vivemos.
Sou um ativista pela paz, e como tal, quero falar de soluções do conflito e por último um fato. A relação atual na região de Israel-Palestina é de que Israel é o dominador, o opressor do povo palestino. O povo judeu conseguiu sua liberdade, sua independência, seu Estado. Os palestinos vivem desde 1947 na Nakba, sem sua liberdade, sem sua independência, sem seu Estado. Os setores de direita e religiosos em Israel, a favor do Grande Israel, rejeitam um Estado da Palestina. Permitem que colonos avancem na Cisjordânia, impedindo a continuidade territorial, que permitirá no futuro o Estado da Palestina.
Uma vez dito isso, quero colocar alguns fatos para justificar o dito acima e buscarmos a solução pacífica para o conflito. Provavelmente haverá pessoas que não concordam com os fatos que estou expondo aqui. Pessoas que suas analises históricas darão outra visão. Podemos dialogar sobre essas diferenças, assim como foi feito no livro “Side by Side” de historiadores judeus e palestinos, no qual a página da esquerda descreve a narrativa histórica sionista e a pagina da direita a narrativa histórica palestina.
Uma pouco de história
1020 a.C. – 740 a.C. – 1º reino de Israel
116 a.C. – 70 d.C. – 2º reino de Israel e nascimento de Jesus Cristo.
70 d.C. – o 2º Templo é destruído pelos romanos, que expulsam os judeus da região, mudando o nome desta de Judea para Palestina.
70 d.C. – 1504 – a região foi dominada por uma série de impérios e povos: romana, árabe, abássidas, fatímidas, cruzadas.
1512-1917 – Império Otomano – no início do império Otomano a população da palestina era de algumas dezenas de milhares, mistura de povos nativos e de imigrantes. Durante o Império Otomano, principalmente a partir do sec XVII, tribos beduínas, famílias, parte nativas, parte vindas da Síria (Assad), da península Arábica (Zaidan) lutam entre si para assumirem o poder econômico da região. Este é o núcleo que formou o povo palestino, que em 1889 eram em torno de 330 mil, dos quais 25 mil eram judeus.
1897 – 1º Congresso Nacional Judeu – depois da decepção da emancipação francesa (caso Dreyfus) e dos pogroms na Rússia a proposta nacional tornou se mais factível. 3 propostas de uma Nação judia – Argentina, Uganda e Israel. O retorno a Jerusalém, Sion foi aprovada. Sionismo, significa o retorno a Sion, o movimento de libertação do povo judeu. Herzl declara “um povo sem Terra para uma Terra sem povo (erro que definirá parte do conflito).
1917 – Declaração Balfour – os ingleses prometem um Lar Judeu na Palestina, após derrotarem os otomanos.
1919 – 1º Congresso Nacional palestino – após decepção da divisão da Grande Síria, no acordo Sykes-Picot em 1916, e da declaração Balfour, os palestinos declaram a necessidade de um estado da Palestina opondo-se ao Estado Judeu.
1936 – Comissão Peel – depois dos motins de 1929 e 1936 os ingleses propõe a divisão da Palestina.
1947 – Partilha – a ONU aprova a partilha. Os Árabes e os palestinos recusam e inicia-se a Guerra da Independencia, que levará a criação do estado de Israel e a Nakba Palestina, com 600 mil palestinos refugiados, principalmente na Jordania, Síria e Libano, que até hoje, 4 gerações, não são considerados cidadãos destes países (ao contrário dos palestinos que fugiram para Europa, EUA, América Latina e Brasil). O presidente palestino Abbas (Abu Mazen) reconhece que o maior erro palestino foi não aceitar a partilha: https://youtu.be/I2g5J44mSww
1950-1955 – 600 mil judeus são expulsos dos países árabes, em sua maioria para Israel, sendo absorvidos como cidadãos. 20% fogem para Europa, EUA, América Latina e Brasil)
1936 1947 1948
75% Palestina 65% Palestina 35% Palestina
25% Israel 35% Israel 65% Israel
Um pouco-muito de guerras
Nº de guerras: 9
Nº de operações militares: mais de 200
Nº de ataques terroristas: mais de 400 (4000 mortos, sem contar 7.10.23 1400 mortos)
Nº de mortos no conflito entre Israel e países árabes: 51000 (35000 árabes e 19 mil judeus).
Nº de mortos no conflito entre Israel e Palestina: 19000 (13000 palestinos, 6 mil judeus)
Nº de mortos na guerra de 7.10.23: 1600 israelenses, 15000 palestinos.
Nº de palestinos mortos no setembro Negro no conflito entre palestinos e Jordania: 10000
Nº de palestinos mortos na Guerra da Síria: entre 3-4 mil
Nº de palestinos da Fatah mortos pela Hamas: entre 300-500
Um muito-pouco de acordos de paz
1979 – Acordo de paz entre Israel e Egito – Israel devolve todo Sinai e destrói todas as colonias e a cidade de Yamit.
1993 – Acordo de Oslo – entre Israel e Palestinos. Reconhecimento mútuo. Arafat reconhece a Israel como Estado do povo judeu e Rabin reconhece o direito dos palestinos a um estado. O território da palestina foi divido em 3 (A, B, C) e cada setor seria devolvido em partes. Com o assassinato de Rabin e a subida da direita, o acordo se esvaziou, ficando a zona C nas mãos de Israel.
1994 – Tratado de paz entre Israel e Jordania, colocando fim ao conflito e iniciando a cooperação de agua, território, turismo e economia.
Em vários artigos que escrevi e em meu livro, comentei que podemos nos fixar no problema ou na solução. Focar no problema, é focar no medo, no passado, na narrativa dogmática, na inflexibilidade de poder ver o outro lado, na desumanização do outro, e assim não necessitamos reconhecer o direito da existência do outro.
Fixar-se na solução é entender o passado, focar no presente, buscando uma solução para um mundo melhor no futuro. É fixar-se no amor, na reconciliação, na inclusão do outro e no reconhecimento de sua existência.
Se olharmos ao passado podemos analisar o contexto geopolítico desde o Império Otomano, sua destruição, surgimento do acordo Sikes Pycot, o mandato britânico que prometia o Lar Judeu no que hoje é Israel-palestina-Jordania (1922), o acordo Peel (1936) que dividia a região Israel-Palestina (já sem a Transjordânia) em dois Estados, dando aos palestinos mais de 65% dos territórios e que foi recusado por estes, a partilha de 1947, com 60% território aos palestinos, a guerra da independência de Israel e a Nakba Palestina e finalmente a guerra dos 6 dias com a conquista da Cisjordânia e da franja de Gaza.
Podemos discutir as narrativas de ambos os lados, de forma dogmática, como comentei acima, baseada no medo e no não reconhecimento do outro. Numa situação de conflito “ou eu ou o outro e não há lugar para os dois”. Postura esta assumida pela Hamas e pelo governo de Bibi, durante mais de 15 anos, e principalmente no governo de extrema direita atual. Numa postura de não reconhecer a existência e o direito do outro povo a um Estado.
Sempre recomendo um livro “Side by Side”, copilado por Eyal Naveh, da Universidade de Tel Aviv. Naveh convidou a dois historiadores, palestino e israelense (Sami Adwan e Dan Bar On), que escrevessem a história do conflito, dividido em capítulos, desde o início do Mandato Britânico.
Ao copilar o livro, colocou as narrativas uma ao lado da outra. A página da direita, a narrativa israelense, sionista. A esquerda, a narrativa palestina. Ao ler o livro, o leitor se torna menos dogmático, podendo aceitar que existe outra narrativa, que existe outro povo com sua história, processo, sofrimento. O que chamo de fazer um “zoom out” para ver de forma mais ampla o conflito, retornando ao “zoom in” para agir de forma mais flexível, mediativa, reconciliativa.
Eu prefiro olhar para a história, analisando-a, buscando entender as narrativas diversas, sem se esquecer que cada povo, internamente, tem uma gama de narrativas, muitas delas conflituantes. O sionismo humanista socialista é antagônico ao sionismo revisionista-messiânico. São dois mundos opostos, dentro da visão sionista. O primeiro levando em consideração a existência do povo palestino e do direito a este a um Estado, enquanto o segundo, semeando o ódio, a não existência do povo palestino, e a aspiração ao grande Israel. O mesmo podemos dizer do lado palestino. A Fatach, maior partido dentro da OLP, reconhecendo a existência do estado de Israel como estado judeu (Arafat já reconheceu isso, mesmo antes do acordo de Oslo) e a Hamas, proclamando a destruição do estado de Israel e o não direito do povo judeu a um estado. Fácil identificar como setores fundamentalistas islâmicos e judaicos e de direita e extrema direita.
Prefiro tentar identificar àqueles que é possível um diálogo, a busca de uma solução justa a ambas as partes, levando em conta fatores humanos, culturais, históricos, religiosos.
Os movimentos de libertação do povo judeu e do povo palestinos
O movimento de libertação do povo judeu, o movimento sionista político, é um leque de posturas políticas. O primeiro sionismo foi o sionismo messiânico. O povo judeu durante 2000 anos, desde a destruição do 2º templo e a expulsão da Judeia (em 135 d.C. os romanos substituíram o nome Judeia por Palestina para mostrar que não consideravam mais esse território como território dos judeus) rezava no próximo ano em Jerusalém. O sionismo político surge com os movimentos nacionalistas na Europa, depois da decepção da Emancipação na França (caso Dreyfus) e a revolução na Rússia (pogroms), e a esperança de tornarem-se parte integral dos povos. A esquerda, está o sionismo representado por Borochov e A.D.Gordon, desde anarquista-comunista, sendo os kibutzim a sua pratica. Os moshavim, outra forma de comunidade agrícola, socialistas. A direita estão o sionismo revisionista, de Jabotinsky , que ansiava pelo Grande Israel, aos dois lados do Jordão e o sionismo religioso, que pregava o direito do povo judeu a Terra de Israel por mandado de Deus, com seu representante , Rav Kook.
Os primeiros imigrantes judeus, no final do século XIX, formaram os kibutzim, comunidades agrícolas, sem propriedade privada, sem salários, com estrutura familiar revolucionária, na qual praticamente os filhos eram filhos do Kibutz, da comunidade. O movimento sionista socialista-humanista era a maioria no Congresso Sionista até a formação do Estado em 1948, e a partir daí governou até 1977. Em 1977 o partido Likud, representante do sionismo de direita, sionismo revisionista e religioso, assume o poder até os dias de hoje.
Neste último ano o Likud voltou assumir o governo, depois de um intervalo de um ano, fazendo uma coalisão com partidos de extrema direita (a corrente Cahanista que são extrema direita, fascistas, pregando a expulsão dos árabes para além do rio Jordão, transfer) e com os partidos religiosos ultraortodoxos, pregando um estado teocrático.
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, o Emir Faiçal foi proclamado rei , aspirando a Grande Síria, que dominava os territórios da Síria, Libano e Palestina. Os palestinos sem aspiração nacional, queriam fazer parte da grande Síria. Mas, com a vitória da França e Inglaterra e a divisão territorial no acordo de Sykes Picot, a grande Síria se desintegrou, sem ter sido criada, em Síria, Libano e Palestina. Em 1919 os palestinos realizam o 1º Congresso palestino, exigindo a Palestina para si e o fim da imigração de judeus a região. Assim como o movimento sionista, o movimento de libertação da Palestina se dividiu em várias tendencias políticas. Ao início nenhuma delas reconhecia o Estado de Israel como Estado do povo Judeu. Em 1964 surge a OLP, união de partidos e secções palestinas, para lutar contra o Estado de Israel. O principal partido, Fatach, comandado por Yasser Arafat, vem a reconhecer o estado de Israel no acordo de Oslo, ao contrário dos movimentos de Hamas, Jihad Islâmica, Irmandade muçulmana e outros.
Assim que apresentar os movimentos de libertação do povo judeu, como sendo de direita, imperialista e o movimento de libertação palestina como um movimento de esquerda, anti-imperialista é totalmente simplista e populista. Poderíamos identificar os partidos de esquerda e centro em Israel e a Fatah na Palestina como partidos a favor de um acordo e reconhecimento do Estado da Palestina ao lado do Estado de Israel e os partidos do Likud, da extrema direita e religiosos do lado israelense e a Hamas e a Jihad como partidos de direita e não reconhecendo a existência um do outro, assumindo a postura “ou nós ou eles”. A grande Israel ou a grande Palestina.
Os extremos se encontram
Muitos poucos sabem, mas em Israel e na Palestina existem 170 organizações a favor da paz, direitos humanos, 2 estados e contra a Hamas e o governo de Israel. Grande parte destas organizações são organizações israelenses-palestinas, com sede em Israel e na Palestina (Cisjordânia).
Muitos poucos sabem, que em 1993, com a assinatura do Acordo de Oslo, 70-75% dos israelenses e dos palestinos eram a favor do fim do conflito, do reconhecimento mútuo e do acordo de paz.
Muitos poucos sabem que antes do 7.10 48% da população palestina em Israel, se identificava como israelenses palestinos. Depois do 7.10, 70%.
Então se a maioria do povo judeu e do povo palestino são a favor da paz, como chegamos aonde chegamos?
Israel desde 1977 vem sendo dominado pela direita, que se uniu aos partidos religioso e utra-religioso (Haredim). O partido sionista religioso tem como ideologia a criação do Grande Israel (Israel Hashlema), o Israel histórico, do rei Salomão. Gush Emunim é o movimento de colonização na Cisjordania (e anteriormente também em Gaza). Os partidos ultra-ortodoxos, Agudat Israel de judeus ashkenazim (europeus) e Shas de judeus sfaradim (países árabes), tem como ideologia transformar Israel em um país baseado nas leis religiosas (Halacha) e no momento conseguir o máximo de financiamento de suas organizações e isenção do exército.
Houve três pequenos espaços de tempo nos quais a esquerda ganhou as eleições. 1992-95 com Rabin e 2000-2001 com Barak. Rabin e Arafat deram o primeiro passo para o reconhecimento mútuo e a criação do Estado da Palestina, rompido com o assassinato de Rabin e a 2ª intifada. Barak e Arafat fracassaram na tentativa de seguir o processo de Oslo e com isso a esquerda em Israel morreu. No terceiro espaço de tempo, entre 2006-2009, com o movimento de centro Kadima e com o 1º ministro Ehud Olmert, que quase conseguiu realizar um acordo de paz com Abu Mazen, mas se demitiu por corrupção. Em 2009 Bibi Nataniahu assume o poder, até os dias de hoje. Com Nataniahu no poder os grupos religiosos adquirem mais força, realizando a “coalisão natural” entre a direita e os partidos de sionismo messiânico e fundamentalistas. Esse governo, se recusa a seguir as conversações iniciadas por Olmert, e enfraquece a Autoridade palestina (OLP), que estava disposta a dialogar um plano de paz, e fortalece a Hamas, que se opõe ao Estado de Israel, principalmente permitindo a vinda de dezenas de milhares de dólares por mês de Qatar a Gaza, com o objetivo de comprovar de que não com quem conversar sobre um acordo de paz. Do lado da Hamas isto também era positivo, pois fortalecia sua posição interna em Gaza e na Cisjordânia. Essa simbiose, que ao princípio parece totalmente ilógica, era a única forma de sobrevivência dos dois poderes.
Em 2012 membros do partido sionista religioso (messiânico) junto com judeus americanos criam o Forum Kohelet, que definirá a política a ser tomada para que Israel se torne mais judaica e nas entre linhas anexando os territórios da Cisjordânia, realizando o sonho milenar messiânico do reino de Salomão.
Em 1995 havia 130 mil colonos na Cisjordânia. Em 2022, 550 mil. De 2009 a 2022 houve 4 operações (mini guerras) em Gaza, Nataniahu foi processado por corrupção (o julgamento ainda está em andamento). Nas últimas eleições o partido de extrema direita, racista, homofônico, a favor do transfer ganhou 14 bancas no Parlamento. Junto com os partidos ultra-ortodoxos obtiveram 25% das bancas e na coalisão 50 % dos ministros. Por interesses pessoais de Bibi Nataniahu e ideológico da extrema direita messiânica e dos fundamentalistas, este novo governo (direita inteira-inteira, assim chamado) decide romper com a estrutura democrática e realizar a “reforma judiciaria”, para passar o poder as mãos do governo, instituindo uma ditadura judaica de direita.
Durante 9 meses, mais de 400 mil pessoas saíram todos os sábados para protestar contra a reforma. O governo estava obcecado pela reforma, atuando de forma agressiva, declarando de traidores, anarquistas, “esquerda” (de forma pejorativa) a todos os que eram contra a reforma. Com Bem Gvir como ministro de segurança interna e Smotrich como Ministro das finanças, ambos do partido religioso sionista messiânico, há um incremento de atos terroristas por parte dos colonos judeus na Cisjordânia.
O serviço de informação, os comandantes do exército, os principais economistas alertaram sobre o perigo e o enfraquecimento econômico e da segurança. Como se diz em Israel “o aviso estava escrita nos muros”.
Durante esses 14 anos de governo de Bibi Nataniahu, criou-se a concepção de que a Hamas não era uma ameaça e que a construção da Cerca eletrônica, os meios tecnológicos, a destruição do sistema de tuneis garantiam total segurança a Israel.
Nas eleições na Palestina, o partido Hamas surpreende e vence as eleições. O Hamas, palavra que significa “Movimento de Resistência Islâmica”, foi fundado em 1987 após o início da primeira Intifada, que foi uma ampla revolta palestina contra a ocupação israelense em seus territórios. O grupo foi criado a partir da Irmandade Muçulmana que, até então, fazia um trabalho de assistência social na Palestina. Ao contrário do Fatah, partido que ainda hoje administra parte da Cisjordânia, o Hamas se opôs aos acordos de Oslo, não reconhecendo o estado de Israel e não aceitou desistir da luta armada e, que levaram a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) a depor as armas e negociar com Israel. A Hamas por definição e pela plataforma ideológica é um movimento de extrema-direita, fundamentalista, islamista, com o objetivo de impor a Sharia a Palestina, desde o Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo.
Ao contrário da definição de Gaza como um Campo de Concentração criado por Israel, Gaza se transformou numa Base Militar criada pela Hamas. O dinheiro enviado todos os meses por Qatar foi utilizado para construção de 500 km de tuneis subterrâneos e fabricas de armamentos e misseis, inclusive nos subsolos dos hospitais e das escolas da UNWRA. A Hamas não tinha o menor interesse em melhorar a situação econômica dos palestinos da Franja de Gaza. O desemprego, a pobreza só contribuíam para os objetivos militares e terroristas da Hamas. Dominando totalmente qualquer setor da vida em Gaza, a Hamas desenvolveu um sistema educacional de ódio a Israel e aos judeus. Nas escolas doutrinavam para a destruição de Israel e vangloriando o Shahid, que ao se suicidar matava judeus.
Assim sendo desde 2009 os extremos de ambos os lados dominam a arena do conflito. A esquerda em Israel morreu e a OLP perdeu a força também na Cisjordânia. Para o governo de Israel e para a Hamas, esta é uma situação W-W, na qual conseguem através da ideologia do medo, do ódio e da violência dominar a sua população, causando mortes de civis, sem sentido, investindo nas armas, criando uma estrutura de corrupção. Não há um lado de opressor e um lado de vítima entre os governos. Eles, ambos, são os opressores e os povos as vítimas. E volta a ressaltar, sem dúvida, o povo palestino é o que mais sofre, é o que não tem liberdade, é o que é oprimido pelo seu governo, Hamas, e pelo governo de Israel, é o que vive em condições precárias, com alto desemprego, salários baixos e sem infraestrutura de agua, luz, estradas, porto, aeroporto.
Para iniciarmos uma renovação do processo de paz só há um caminho. A queda da Hamas e do governo de Israel. O governo de Israel, depois do 07.10, está desacreditado e segundo todas as pesquisas este é seu último mandato. O Centro comandado por Ganz e Lapid deverão assumir o poder com outros partidos de centro-esquerda. A pergunta fundamental é como terminar com o poder da Hamas em Gaza. Será que existe outra forma sem ser esta que Israel está realizando, com um custo altíssimo de mortes de civis? Será que os países árabes e principalmente Qatar, Arabia Saudita e Egito conseguiriam por fim a Hamas e exigindo um cessar-fogo? Se não conseguir finalizar o governo da Hamas em Gaza, seguiremos com o conflito e provavelmente com a subida pronta do governo de direita em Israel.
Isto é uma condição necessária, mas não suficiente. É preciso que em seus lugares assumam governos moderados, que darão continuidade ao processo de paz e que modificaram a narrativa do medo, do odio e da violência, em toda a sociedade e em particular no sistema escolar, para criar uma geração de esperança. Junto a isso é necessária uma pressão vinda a Israel dos Estados Unidos e da Liga Árabe aos palestinos. Por último é preciso investir na economia palestina e principalmente na Franja de Gaza e na sua reconstrução.
E qual seria o acordo de paz entre Israel e a Palestina?
Existem várias propostas para um tratado de paz. Vou trazer as principais:
A Iniciativa de Paz Árabe (2002): é um plano político da Liga Árabe (especialmente da Arábia Saudita) para acabar com o conflito árabe-israelense, segundo o qual todos os Estados árabes normalizarão suas relações com Israel em troca de uma retirada total israelense das Colinas de Golã, da Faixa de Gaza e da Judeia e Samaria (incluindo Jerusalém Oriental) e do estabelecimento de um Estado palestino independente com Jerusalém Oriental como sua capital. Em relação ao problema dos refugiados, o plano propõe “encontrar uma solução justa e acordada”, de acordo com a Resolução 194 da Assembleia Geral da ONU (a resolução afirma que “os refugiados que desejam retornar às suas casas e viver em paz com seus vizinhos poderão fazê-lo o mais cedo possível”, uma redação que, de acordo com a interpretação árabe, exige o retorno dos refugiados à sua terra natal.
Acordo de Geneve (2003): O Acordo foi preparado em segredo durante mais de 2 anos antes do documento de 50 páginas ser oficialmente lançado em 1 de dezembro de 2003, numa cerimónia em Genebra, Suíça. Entre seus criadores estavam negociadores formais e arquitetos de rodadas anteriores de negociações israelense-palestinas, [1]incluindo o ex-ministro e político israelense Yossi Beilin e o ex- ministro da Autoridade Palestina Yasser Abed Rabbo . Os principais conceitos incluídos no Acordo de Genebra são:
Uma declaração mútua israelo-palestiniana do fim do conflito e das reivindicações futuras.
Reconhecimento mútuo de ambas as nações e do seu direito a um Estado independente.
Retirada quase completa de Israel para as fronteiras de 1967 com base numa troca de terras 1:1
Uma solução abrangente para a questão dos refugiados palestinos baseada nos Parâmetros Clinton(2000); dos quais a principal componente será a compensação e o regresso a um Estado Palestiniano independente .
A Jerusalém judaica como capital de Israel e a Jerusalém árabe como capital da Palestina, com áreas judaicas sob soberania israelense e áreas árabes sob soberania palestina.
Um Estado palestiniano não militarizado e disposições de segurança detalhadas.
“Mapa de guardanapo” (2008): é um nome coloquial para um esboço palestino feito pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, em um guardanapo, de um mapa com propostas de troca de terras que lhe foi mostrado pelo então primeiro-ministro Ehud Olmert durante as negociações de paz em meados de 2008. Na proposta do próprio Primeiro-Ministro Olmert, Israel anexaria 6,3% da Cisjordânia. Em troca dessas concessões da Autoridade Palestiniana, Olmert ofereceu 5,8% das terras israelitas como parte da troca.
Quando Mahmoud Abbas pediu para manter uma cópia do mapa para análise posterior, Ehud Olmert recusou. Mahmoud Abbas esboçou à mão o mapa de Ehud Olmert num guardanapo para ter uma cópia para análise posterior. Este mapa foi posteriormente referido como mapa do guardanapo.
Confederação Israel-Palestina: A guerra da Independência ou a Nakba, criou uma realidade na qual 600 mil refugiados palestinos abandonassem a região para Jordania, Siria e Libano. Outros foram para Europa e Américas. Assim como os judeus que foram expulsos dos países árabes, 600 mil, e que foram a Israel e a Europa e Américas. Isto é uma situação irreversível. Não há como voltar. Não há como solucionar uma desgraça criando uma desgraça.
É preciso entender que qualquer solução terá que ser desenvolvida levando em conta a desgraça criada ao povo palestino e buscando uma forma de compensação ao passado. Para chegar a uma solução que não seja simplesmente um acordo de paz assinado por líderes políticos e que não corresponda a realidade histórica, cultural, religiosa é preciso muito mais do que uma simples divisão
de dois estados soberanos, Israel e Palestina. É preciso reconhecer que o povo judeu está vinculado em seu DNA, em todas suas células a região da Cisjordânia. A Hebron, Judeia e Samaria. A cada passo que se dá nesta região há um fator histórico que conecta o povo judeu a esse pedaço de terra. Assim como, é preciso reconhecer que o povo palestino está vinculado em seu DNA, em todas suas células a região do atual estado de Israel. Askelon, Yaffa, Haifa, Zfat, Nazareth, 300 aldeias que foram destruídas na guerra da independência/Nakba. Talvez um Estado binacional seria a melhor solução. Mas, é totalmente inaceitável pela maioria dos dois povos.
Sou membro de um movimento político Land for All , que tem representação israelense e palestina com sede em Israel e Palestina, que leva em consideração a narrativa de ambos os povos, de ambos os movimentos de libertação, o sionista e o palestino. Movimento que além de um acordo legal, leva em consideração o que foi dito anteriormente, as aspirações de cada povo, baseadas em sua história, religião, cultura. Uma solução que foge do que já foi tentando e busca um pensamento “out of the box”, quebrando paradigmas de esquerda e direita. Utópico? Talvez, mas bem menos do que acreditar que podemos ter hoje um estado Binacional ou dois estados independentes com um muro separando entre eles. Em vez de reescrever o programa, anexo aqui dois vídeos e a plataforma do mesmo.
Para finalizar quero colocar dois princípios básicos do movimento que pertenço e que relacionam a força da violência.
O primeiro de que durante 75 anos de conflito, a violência não solucionou o conflito, muito pelo contrário. São mais de 200 guerras e operações militares e atentados terroristas de ambas as partes. São mais de 50 mil mortos. Muitos dizem que demos chance aos processos de paz. Houve somente 5 tentativas de verdadeiro diálogo. A violência palestina só levou a uma maior violência israelense. Os ataques do grupo de extrema direita fundamentalista Hamas e Jihad Islâmica (não me venham dizer que são organizações de esquerda) só resultou na subida e reconhecimento dos grupos terroristas de Kach, Terror contra Terror, Noar Hagvaot e outros, justificando suas ações, a tal ponto que conseguiram representação de 14 membros no parlamento (mais de 10%). A única solução é o diálogo e ativismo não violento. Ali Abu Awad, fundador do primeiro movimento pacifista palestino (Teghyer) diz de forma simbólica que “no dia em que conseguirmos que 10 mil israelenses e 10 mil palestinos se juntem nos muros, conseguiremos a paz”.
O segundo princípio fundamental do movimento é que “Não resolveremos uma injustiça criando uma nova injustiça”. Não resolveremos o problema dos refugiados palestinos expulsando os judeus de seus territórios.
O que aconteceu no dia 7 de setembro não pode ser justificado pela opressão do povo palestino por Israel. Não pode ser justificado por Dir Yassin, por Sabra e Shatila, por Mearat Hamachpela, por Duma e por todos os palestinos que morreram pela opressão de Israel. Assim como condenei junto com centenas de milhares de israelenses todas essas chacinas e exigimos a condenação daqueles que a cometeram, espero dos palestinos que condenem essa chacina e todas as outras do passado, pois ódio, chacinas e violência têm que ser condenada por todos àqueles que acreditam que ambos os povos têm o direito a existência, a liberdade e a um Estado.
Do rio ao mar, cada pedaço de terra, cada árvore se nutre de sangue judeu e palestino derramado nos últimos cem anos. Esta Terra não pertence ao povo palestino e nem ao povo judeu. O contrário é o certo. O povo judeu e o povo palestino pertencem a esta Terra, e ela tem que ser compartilhada e não partilhada.