עֵת לֶאֱהֹב וְעֵת לִשְׂנֹא עֵת מִלְחָמָה וְעֵת שָׁלוֹם[1]
Tempo de amar e tempo de odiar; tempo de guerra e tempo de paz
Kit, Shmuel Sigal, completará 81 anos em março, fundador do kibutz Nir Oz, agricultor com raizes ideologicas no sionismo socialista humanista, acreditando na convivência entre o povo judeu e palestino, foi raptado no massacre brutal do 7.10.23. Depois de 484 dias de prisão, torturado e 15 kilos a menos, volta ao meio familiar.
Kit, ao ser libertado, disse ao terrorista que o mantinha como refém, que espera que um dia possa voltar a Gaza e ensinar agricultura aos palestinos. No helicóptero estava preocupado com seus familiares, amigos e com o Kibutz Nir Oz.
Ele é a diferença entre os israelenses e palestinos que por medo, ódio e violência só querem o desaparecimento do outro.
Kit é a diferença entre um verdadeiro sionismo, movimento de libertação do povo judeu, e o sionismo messiânico de extrema direita, racista, fascista, fundamentalista. Entre o sionismo que aceita o povo palestino e seu direito a um Estado Independente e aqueles que querem anexar as terras palestinas. Kit é a prova que apesar de tudo é possível a paz.
Az Adin Abu El Ayash, gazati, medico palestino, o primeiro médico de Gaza que trabalhou em Israel no Hospital Tel Hashomer e Soroca. Ginecologista e parteiro, especializado em fertilização artificial. Dava vida a judeus laicos, religiosos, ultraortodoxos. Sem distinção. O mesmo fazia no hospital em Gaza.
No dia 16 de janeiro de 2009, na Operação Chumbo Fundido, um tanque do exército de Israel, lançou dois misseis a sua casa, matando 3 de suas filhas, um sobrinho e ferindo gravemente uma quarta filha. De sua casa não saiu nenhum tiro de terrorista. De lá só saia vidas, independente de sua origem étnica, religiosa ou nacional. Apesar disso, Az Adin, seguiu confiando no caminho da paz, como única solução a este ciclo de medo, odio e violência. Acreditava no Estado Palestino ao lado do Estado de Israel. Apesar de tudo acreditava na Paz.
Kit e Az Adin não são uma minoria. Ao contrário. São a maioria. Os governos de ambos os lados, querendo impor a ideologia do medo, que gera o odio e a raiva, aproveitam-se para generalizar e transformar o outro em inimigo abominável, quando centenas de palestinos invadem o sul de Israel e fazem um massacre a inocentes de forma brutal (não digo desumana, porque infelizmente entre os animais somente os seres humanos cometem atos assim) e uma massa de centenas de palestinos se reúnem brutalmente em torno da camionete dos reféns e quase realizando um linch ou quando dezenas de colonos judeus invadem aldeias na Cisjordânia, na Palestina, e queimam casas e carros, sem se importar se há pessoas dentro das casas. Comparar o massacre com o Holocausto e Gaza com Genocídio é a fórmula magica para isso.
Mas, a maioria das pessoas do povo judeu e do povo palestino querem o que todos os seres humanos querem. Acordar de manhã ir ao trabalho, crescer, estudar, casar, ter filhos, viver a vida, amar. Mas, as ideologias fundamentalistas, messiânicas, racistas, fascistas não permitem isso. Governos dogmáticos, oprimem tudo o que é diferente, todos os que pensam diferente – sejam eles de outros povos ou do seu próprio povo.
Já, no passado, comentei, que o conflito entre Israel e Palestina tem 4 círculos. O primeiro, interno, dentro de Israel e dentro da Palestina. A luta pela liberdade de ser quem sou. A liberdade de expressão. Em Israel, entre as correntes liberais, sejam elas políticas de centro e esquerda; religiosas entre laicos-reformas-conservativos e ortodoxos-haredim (ultraortodoxos); nacional entre judeus e palestinos. Na Palestina, entre correntes políticas da OLP e dos grupos de extrema direita (Hamas, Jihad e outros); religioso entre liberais e fundamentalistas muçulmanos.
A tentativa dos grupos de extrema-direita e fundamentalistas, que dominam há mais de 20 anos Israel e Gaza, de impedir qualquer possibilidade de um acordo de paz, tem dois objetivos básicos. O primeiro, a permanência no poder. Segundo, a limpeza étnica do outro povo. O primeiro através da opressão interna, seja ela em Gaza através da força ou em Israel através da “revolução judiciaria” (o fim do sistema judiciário independente) e o segundo através de uma guerra perpetua. Esta é a única explicação do porque Israel permitiu a Qatar enviar todo mês dezenas de milhares de dólares a Gaza. É impossível imaginar que Israel não sabia dos tuneis e da cidade subterrânea que estava sendo construída em Gaza.
Assim que a única forma de termos uma chance a paz, ao desejo da maioria israelense e palestina é derrubar estes dois governos e dar espaço a um governo único na Palestina e um governo pragmático em Israel. A Hamas está destruída, militarmente não existe mais. Isto não é minha opinião, mas a opinião do ex-ministro da defesa, Galant, de ex-chefes do serviço de informação e de muitos generais da reserva. O que vemos é um resíduo do que foi a Hamas. Basta o governo de Israel aceitar o fim da guerra, receber de volta todos os reféns e aceitar que as AP (Autoridade Palestina, OLP) domine Gaza e a Palestina. Quero ser otimista e pensar que este momento chegou, mas quando vejo o que está acontecendo em Israel, tenho medo de perdermos esta janela de pouco tempo. O governo de Bibi Nataniahu fez de tudo para continuar a guerra, única forma de sobreviver no poder, de impedir qualquer acordo com a Hamas para a devolução dos reféns (em troca do fim da guerra), e dar continuidade, quase as escondidas, das reformas internas no judiciário e na lei da isenção de convocação de haredim ao exército. Os ministros e deputados do governo depreciaram as famílias dos reféns, Bibi até os dias de hoje não foi a Nir Oz falar com a comunidade, que 25% de sua população foi morta pela Hamas, por falha de seu governo. Todos aqueles que tem a coragem de dizer o que pensam sobre a guerra, o governo e principalmente sobre Bibi Nataniahu são imediatamente taxados de esquerda e traidores. A lista destes é grande. Para eles o poder judiciário quer acabar com o governo da direita, e não manter a lei e a ordem no Pais. A luta contra a corrupção (6 ministros estão com processos judiciários) é uma tentativa de derrubar o poder, começando com os 3 processos contra Nataniahu.
Mas, quero seguir sendo otimista, e acreditar que haverá uma massa critica em Israel que exigira uma investigação de cunho nacional, antecipação das eleições e troca de governo. E ai, vem a pergunta do milhão – Isto é suficiente?
Não! Enquanto não houver um processo de cura, reconciliação e paz não poderemos terminar com o conflito. Cura se faz através da educação. É preciso um acordo entre ambas as partes de reformular a narrativa do conflito, iniciando com reescrever os livros didáticos sobre os palestinos e os israelenses, dando chance a uma futura paz, desenhando o mapa da região com Israel e Palestina, lembrando que antes da 1ª intifada, apesar do domínio de Israel a Palestina e dos ataques terroristas dos grupos palestinos a população israelense, havia uma relação humana entre as partes. Centenas de milhares de palestinos vinham a Israel trabalhar e passear, centenas de milhares de israelenses iam a Palestina passear, fazer compras e até jogar no cassino de Jerico. Lembrar que ambos os lados são humanos, ambos os lados sofreram perdas humanas e materiais, tristezas e dores. Didática para sair do Círculo do medo e da Raiva[2]. Enquanto os lados oficiais não entram em comum acordo, as ONGs e organizações sociais tem que assumir a responsabilidade para educar a nova geração no sistema informal.
A reconciliação se fará através de encontros entre israelenses e palestinos, em Israel, na Palestina e no exterior, em lugares neutros. Círculos de escuta, para aprendermos a escutar e ver o outro. Para entendermos que a perda, o sofrimento, as dores são iguais em ambos os lados. Para trabalharmos com a Caixa de Pandora que esta aberta a décadas, com seus monstros para fora, mas com a esperança escondida, com medo de sair do Bau. Enfrentar os monstros juntos e ajudar a esperança a sair. Seminários sobre as diferentes narrativas, a sionista e a palestina. Para isso convocaria a ONG Hakaia-Sipur (conto), que se especializa em mediação de narrativas. Um dos livros mais importantes nesta área é o livro Side by Side [3], que apresenta a história através da narrativa sionista e palestina, uma ao lado da outra. Finalmente, oficinas de formação de professores, monitores e “Community Change makers” em educação e ativismo para paz e não violência.
Por último a Paz se fará no nível político, dos governos. Existem várias possibilidades de paz – um estado binacional, dois estados separados totalmente, confederação e federação. Já existem várias propostas na mesa – acordo de Genebra, acordo da Liga Árabe, acordo Olmert-Abu Mazen, acordo Olmert-Nasr al-Kidwa. Nós podemos propor acordos, realizar manifestações, ativismo político, pressão interna e externa, convocação do povo judeu e palestino na diáspora, mas a paz se fará entre as nações, entre os governos. Eu sou a favor de uma Confederação Israel-Palestina[4], mas assinaria qualquer proposta aceita por ambas as nações. “A liberdade total de um só se fará com a liberdade do outro”.
Mas, o que fazer até que se dê as condições entre os povos, as nações? Ao me perguntar isso me vem imediatamente na cabeça e no coração a Geraldo Vandré, “Pra não dizer que não falei das flores” – “Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Somos nós que temos que fazer com que os governos, as nações decidam fazer um acordo. Somos nós que temos que começar o processo de cura e reconciliação. Somos nós, mesmo que o outro lado não se mova. Sou eu, judeu, filho de refugiados da Alemanha, que pertence a um povo tão sofrido, mas um povo que canta Hatikva, que tenho que dar o primeiro passo. Ter a coragem de dar o primeiro passo. Estender a mão ao inimigo, por mais brutal que ele seja. Inimigos não se escolhem. Com eles precisamos fazer a paz, a reconciliação, a cura.
“Mãos para Paz”, através de sua representante em Israel, Alternative Center, junto com um grupo de ONGs, terapeutas e educadores estão criando em Israel um Espaço “Galil LeKulam” (Galileia para todos), no qual daremos início ao processo de cura da população galiliana – judeus, palestinos muçulmanos, cristões e drusos. Crianças, jovens e adultos. Finalmente temos um espaço físico no qual realizaremos processos terapêuticos de trauma individual e coletivo, círculos de escuta, seminários e oficinas, atividades bilingues com crianças e jovens, happenings e encontros entre judeus e árabes palestinos.
Em Israel e na Palestina dezenas de organizações e dezenas de milhares de pessoas estão dando há tempos o primeiro passo, mas é preciso outros centenas de milhares de passos. O seu passo. O seu espaço. E somente você pode definir qual será este seu passo, seu espaço.
“וְשָׁפַט בֵּין הַגּוֹיִם וְהוֹכִיחַ לְעַמִּים רַבִּים וְכִתְּתוּ חַרְבוֹתָם לְאִתִּים וַחֲנִיתוֹתֵיהֶם לְמַזְמֵרוֹת לֹא יִשָּׂא גוֹי אֶל גּוֹי
חֶרֶב וְלֹא יִלְמְדוּ עוֹד מִלְחָמָה.”
“E julgará entre as nações, e repreenderá muitas nações, e converterá as suas espadas em relhas de arado, e as suas lanças em foices; nenhuma nação levantará espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra.”[5]
[1] Kohelet, cap 3 [2] A psicopedagogia do amor – Davi Windholz ( https://www.booktoy.com.br/psicopedagogia-do-amor-11272 ) [3] Side by Side: Parallel Histories of Israel-Palestine (https://www.amazon.com/Side-Parallel-Histories-Israel-Palestine/dp/1595586830 ) [4] A Land for All ( https://www.alandforall.org/ ) [5] Yeshayahu, cap 2, versículo 4