O insuportável espetáculo de morte na reserva indígena yanomami, por desnutrição e malária, é a consequência direta e indiscutível do governo genocida que, nos últimos quatro anos, destruiu o Brasil. São as mesmas imagens de crianças vítimas da guerra de Biafra, só pele e osso, que no final dos anos 60 atravessaram o mundo, com a diferença de que as atuais têm origem nos Estados de Roraima e Amazonas. 570 crianças yanomami de menos de 5 anos de idade morreram nos últimos quatro anos e outras tantas estão condenadas.
Segundo o ISA, Instituto Socioambiental, a terra yanomami é habitada por oito povos, muitos ainda isolados, possui cerca de 26,7 mil habitantes e compreende uma área de 9,6 milhões de hectares, equivalente a quase 14 mil campos de futebol.
Em visita à região, Lula qualificou a situação como desumana. E ao decretar estado de emergência, tenta salvar o que ainda pode ser salvo. O presidente da Funai qualificou o que viu de catástrofe humanitária. O cenário é dantesco.
Há quem ouse, embora sejam cada vez menos numerosos, contestar o termo genocídio. O próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, rendeu-se às evidências; determinou a abertura de um inquérito para “apurar o crime de genocídio” na região.
Está se aproximando o dia em que o ex-presidente de tantos e tão espantosos crimes será extraditado ou expulso dos Estados Unidos, devendo então retornar ao Brasil. Por isso, é urgente que a sua responsabilidade seja apontada, investigada e decretada a prisão preventiva. Ao por os pés no país, Jair Messias Bolsonaro deverá ir direto da pista do aeroporto para o camburão e daí para a Papuda. De onde, se justiça houver, nunca mais sairá.
É essencial que se bata nessa tecla, pois não poderemos contar com o procurador-geral da República, Augusto Aras, que apesar de tantos pesares, de provas cabais, ainda tenta achar uma forma de inocentar Bolsonaro. Aras é cúmplice. A sua eventual recondução ao cargo, que anda sendo comentada, é pura sandice.
Bolsonaro tem de ser punido, ninguém tem o direito de minimizar nem muito menos anistiar genocidas. Ninguém, nem dentro nem fora do país.
O Tribunal Penal Internacional de Haia, que aceitou examinar o pedido da Comissão Arns de abertura de uma investigação formal de Bolsonaro pela prática de genocídio e crimes contra a humanidade ao encontro das populações indígenas, agora se vê reforçado. Na verdade, já foram apresentadas ao Tribunal três denúncias, a última delas preparada pela Apib, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, ou seja pelas próprias vítimas.
Esse documento descreve condutas que configuram crime de genocídio. Por exemplo, quando um indivíduo causa lesão grave à integridade física ou mental de um grupo específico. Quando subtrai, intencionalmente, as condições necessárias à existência desse grupo, até o ponto de ameaçar a vida desses povos. No caso dos crimes de Bolsonaro, um elemento essencial são os direitos territoriais. Além de não demarcar terras indígenas, ao contrário do que estipulam as ridiculamente denominadas 4 linhas da Constituição, o ex-presidente incentivou a invasão desses territórios, acabou com a fiscalização, desativou a Funai, estimulou a prática do garimpo ilegal e da mineração, do agronegócio, da pesca ilegal, do desmatamento, e adotou medidas que provocaram destruição ambiental e deixar o “gado passar”. No documento da Apib, fica claro que, por meio de práticas e discursos, trabalhou para a construção de uma “nação sem indígenas”.
A denúncia ampliou a pressão internacional contra o governo brasileiro, com sua reputação minada por atitudes consideradas inaceitáveis no campo do meio ambiente, na pandemia e em direitos humanos.
Sua “política anti-indígena incitou, facilitou e deixou de combater as invasões às terras indígenas, o garimpo ilegal, o desmatamento e a contaminação – por mercúrio, minérios ou Covid-19 -, afetando a vida, a saúde, a integridade e a própria existência dos povos indígenas no Brasil…”
A tragédia yanomami não é obra da incompetência e da inação. Trata-se, assim como no holocausto, de uma política de destruição sistemática, meticulosa, em grande escala.
Os problemas na região eram conhecidos de longa data; Bolsonaro ignorou 21 pedidos de socorro, sua fiel escudeira Damares pediu ao então presidente que vetasse água, leitos de UTI e ventiladores para indígenas na pandemia.
O garimpo instalou-se dentro da região yanomami com uma força que não se via desde antes da demarcação do território, em 1992, por decreto de Fernando Collor.
Bolsonaro não foi apenas omisso, como presidente chegou a visitar um garimpo ilegal na região de Raposa Serra do Sol, provocando a aceleração da mineração ilegal em toda a região.
Na cabeça de Bolsonaro e sua gangue, a floresta amazônica é uma imensa área desperdiçada, que deveria ser ocupada com pastos, plantações e todo tipo de exploração capaz de produzir “riqueza” a qualquer custo. Se os yanomami são um obstáculo, devem desaparecer, pois não servem para nada.
Vale lembrar que quando era deputado, Bolsonaro fez um discurso em que elogiou a cavalaria norte-americana por ter dizimado populações indígenas e “acabado com esse problema”.
Bolsonaro matou e continua matando nossos povos originários. O STF não pode ignorar. O TPI tampouco, mesmo porque a responsabilização criminal dos órgãos máximos de um Estado por questões relacionadas com a saúde pública não é uma novidade para o Tribunal Penal Internacional. Em 2009, entre os crimes cometidos no Darfur imputados ao ex-Presidente sudanês Omar al-Bashir está a expulsão de 13 organizações humanitárias que a Organização Mundial da Saúde entendeu como uma decisão passível de conduzir ao aumento da mortalidade devido à interrupção de cuidados de saúde. Mais recentemente, em 2018, a Human Rights Watch pediu ao TPI para julgar os autores de homicídios cometidos no Nordeste da República Democrática do Congo por entender que tais ataques dificultavam os esforços para controlar o surto de Ébola e poderiam ainda estender a ameaça à saúde pública para Uganda.
No caso brasileiro, vale lembrar a expulsão de fato dos médicos cubanos do Brasil, a legalização do garimpo em terras indígenas, ou ainda o abandono das comunidades indígenas durante a pandemia.
Não dá para esquecer que JMB tentou vetar um projeto de lei e barrar uma decisão do Supremo para que o Estado distribuísse água potável, sabonete para lavar as mãos, cestas básicas, ou seja comida, e garantir vaga em hospital para os índios com Covid. Não se trata de descaso e sim de uma ação deliberada. Sua responsabilidade é direta, real, e ultrapassa em muito a mera omissão.
Não necessitamos mais provas para entender que o bolsonarismo precisa ser combatido. A sobrevivência da democracia depende dessa vitória. O primeiro passo, sine qua non, é a condenação de seu líder e daqueles que participaram da aventura nazifascista.
A Justiça precisa passar. Pelo mal que fez, Bolsonaro não merece o direito de viver livre entre nós.
Ele e os seus bem que tentaram, mas não conseguiram exterminar completamente nossos índios, nossa gente, nem o Brasil. Devem pagar por isso o preço mais alto, a severidade de um novo Nuremberg. Para sempre.
“Vamos fazer o Brasil para as maiorias. A minoria tem que se curvar à maioria.”
Há 4 anos, jogando assim a Constituição cidadã no lixo, essas palavras davam início aos 1.461 dias mais tenebrosos do Brasil democrático. A primeira medida da era JMB, altamente simbólica, abolia o horário do verão; seguia-se a publicação, nas redes sociais do ocupante do Palácio, de uma cena carnavalesca de chuva dourada, com um homem “mijando” em cima de outro. Mais uma medida “superlativamente” simbólica.
Abriam-se então as portas do inferno, com os brasileiros a descer as escadarias que levavam ao calvário da Divina Comédia de Dante, abandonando toda e qualquer esperança: “Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate !”;
Foram quatro anos de um sofrimento diário, dominados oras pela a, oras pela i-moralidade, pela mentira, pela adoração da morte, pelo palavreado mais abjeto, pela violência, pelo desprezo às leis e ao bom senso, pela discriminação, pelo nazifascismo. Foram tempos que jogaram no luto 700 mil famílias e muitas mais na depressão, na miséria, na fome, enterrando aquela imagem do Brasil do sorriso e da simpatia, transformando-o no país do desamor.
E eis que chegou o primeiro dia de 2023…Todos os votos de um feliz ano novo, que chegaram e continuam a chegar, somam as palavras alegria, amor, esperança. Esperançar virou até verbo para ser conjugado ao longo dos próximos quatro anos. E o melhor é que as primeiras horas não apenas confirmaram a esperança como a suplantaram. Em muito. Será preciso criar uma nova palavra para qualificar o que vimos e ouvimos no despertar do ano. Por mágica, o pesadelo sumiu e acordamos como se a Brasília sinistra tivesse desaparecido, engolida pela terra, transformada numa cidade nova, verdadeiramente verde-amarela e feliz.
Claro que haverá decepções, incertezas, muitas dúvidas e desafios, mas ontem foi tudo emoção. Só mesmo os jornalões, falando em nome dos interesses dos seus patrões, esquecendo o Brasil, encontraram espaço para navegar entre o pessimismo, o neoliberalismo e a extrema-direita.
Lula mostrou uma vez mais quem é: um ser humano de primeira grandeza. Enquanto Janja, a coordenadora da posse, pqp, que mulher! Alckmin deixou definitivamente de ser picolé de xuxu, nunca esteve tão à vontade, enquanto Lu, sua esposa, cantarolou “olê, olê, olê, olá…” como se tivesse nascido petista.
Neste 1° de janeiro, não houve palavras de submissão das minorias. Ao contrário, a faixa presidencial foi entregue pela negra Aline Sousa, catadora, após ter passado pelas mãos do cacique Raoni Metuktire, 92 anos, do jovem Francisco, de 10, que sonha em se tornar presidente da República, do metalúrgico Weslley Rodrigues, do professor Murilo de Quadros Jesus, da cozinheira Jucimara Fausto dos Santos, do militante Flávio Pereira, de Ivan Baron, ativista pela causa das pessoas com deficiência e, não podemos esquecer, da cadela Resistência.
Desta forma, pela primeira vez em sua vida, o provável futuro presidiário prestou um serviço à Nação, ao viajar para os Estados Unidos e se refugiar na casa de um lutador de MMA, no Estado mais conservador e brega da América. À sua imagem. Ao se negar a obedecer o rito da transmissão da faixa presidencial, permitiu que ela fosse parar no peito de Lula pelas mãos do povo brasileiro.
Diante dessas imagens, transmitidas pelas televisões do mundo inteiro, o gosto salgado das lágrimas me chegaram à boca, como certamente aconteceu com dezenas de milhões de pessoas, numa catarse coletiva. Por ironia do destino, as imagens vindas do Brasil tomaram conta das telas.
Na semana passada, só se falava do adeus de Pelé, no dia 1° só do renascimento do fênix Lula. De um lado, o deus da bola que partiu, de outro, o retirante que voltou para salvar a democracia brasileira e, quem sabe, mostrar ao mundo que é possível lutar e vencer o perigo da extrema-direita.
Ao contrário do primeiro dia do mandato do fascista, os discursos de Lula não se resumiram em adiantar ou atrasar os relógios em uma hora. Lula disse de imediato ao que veio:
No seu primeiro dia de governo, o presidente restabeleceu o Fundo Amazônia, abriu espaço para reestruturar o Conselho Nacional do Meio Ambiente, revogou a flexibilização do garimpo ilegal, suspendeu o registro de arma de fogo de uso restrito para caçadores, atiradores, colecionadores e particulares, limitou a quantidade de armas e munições de uso permitido, suspendeu novos registros de clubes de tiro, deu ordem para que todas as armas sejam recadastradas no prazo de 60 dias na Polícia Federal, suspendeu a desestatização da Petrobras e a privatização dos Correios, jurou o pronto restabelecimento da transparência, deu prazo de 30 dias para decidir o que fazer com o sigilo de cem anos, garantiu comida no prato dos mais pobres e punir os criminosos e genocidas do antigo governo, pois não haverá impunidade nem anistia.
Lula aboliu o slogan Ditadura, Nunca Mais, para afiançar a Democracia para Sempre.
Neste 1° de janeiro de 2023, Lula mandou aos habitantes do planeta uma mensagem forte: A TERRA DEIXOU DE SER PLANA E VOLTOU A GIRAR EM TORNO DO SOL.
Se os deuses quiserem, assim o será até o último dia.
Ainda estamos longe do paraíso, mas pelo menos saímos do inferno e entramos no Purgatório. A ascensão será dura, longa, haverá muitos obstáculos, no entanto a partir de agora podemos sonhar e esperançar.
Em um enésimo artigo brilhante, o filósofo Vladimir Safatle, membro fundador da Comissão Arns, assina “Anistia, Nunca Mais”, um apelo em forma de advertência para que o Brasil possa, enfim, superar os anos sombrios da ditadura e os quatro anos do fascismo bolsonarista.
“No final da ditadura militar”, escreve Safatle, “setores da sociedade e do governo impuseram o silêncio duradouro sobre crimes contra a humanidade perpetrados durante os vinte anos de governo autoritário. Vendia-se a ilusão de que se tratava de astúcia política. Um país “que tem pressa”, diziam, não poderia desperdiçar tempo acertando contas com o passado, elaborando a memória de seus crimes, procurando responsáveis pelo uso do aparato do Estado para prática de tortura, assassinato, estupro e sequestro. Impôs-se a narrativa de que o dever de memória seria mero exercício de “revanchismo”.”
Na época, a palavra de ordem era deixar de olhar pelo retrovisor para assim esquecer o passado e construir um futuro radiante e harmônico. Sem levar em conta que um país que não pune os seus criminosos está condenado a cometer novamente os mesmos crimes. Assim aconteceu com o Brasil, submetido nos últimos quatro anos a um governo que transformou torturadores em heróis e as polícias em máquinas de extermínio de pobres, de preferência negros.
Repetindo Safatle, “não existe “superação” onde acordos são extorquidos e silenciamentos são impostos.” Com anistia, nada se constrói.
“O Brasil sempre anistiou o que não se anistia e pagou caro por isso. Manifestações com saudação nazista, membros da polícia ajudando golpistas, deputada armada ameaçando a população: a cadeia os espera; isso não quisermos cometer o mesmo erro duas vezes.”
O filósofo defensor dos Direitos Humanos, da nossa democracia tão combalida, espera do futuro governo duas atitudes: 1) que coloque na reserva o alto comando das Forças Armadas que chantageou a República; e 2) que responsabilize os policiais que atentaram contra eleitores brasileiros, modificando a estrutura arcaica e militar da força policial.
A Frente Ampla terá de agir. Estas duas condições serão necessárias para que o Brasil retome o caminho da democratização, mas não serão suficientes. A superação da destruição bolsonarista tem outras exigências. Será preciso, antes de mais nada, mobilizar a sociedade civil para a exigência de memória, e portanto de Justiça. Como fez e continua a fazer a Alemanha pós 2° Guerra. Ou como começa a fazer a França, potência colonizadora, com relação à Argélia.
Muito embora a situação exija urgência, estamos longe de tomar consciência do dever de memória. O novo governo terá pouquíssimo tempo, talvez dois, três meses, para iniciar o dificílimo trabalho de combate à indulgência. A sociedade brasileira não está acostumada a exigir os seus direitos.
Outra condição sine qua non para se evitar a tentação da anistia será criar as condições judiciais para que os responsáveis por crimes hediondos como os cometidos durante a pandemia sejam condenados e devidamente punidos.
Será preciso eliminar um dos principais fatores que até hoje bloquearam a Justiça de avançar. E um deles tem nome e sobrenome; Augusto Aras, pseudo-procurador-geral da República. Pseudo ou poste, como é comumente conhecido e enxovalhado em praça pública. Aras, e sua fiel escudeira bolsonarista Lindôra Araújo, que ganhou a vice procuradoria depois de ter pedido o arquivamento das investigações do capitão sob o argumento de que não havia provas científicas de que as máscaras protegiam contra o coronavírus, tiveram até hoje um só e único objetivo: evitar que a PGR cumprisse o seu dever de representar a sociedade. Ambos foram meros advogados, além de tudo medíocres, da família Bolsonaro e seus asseclas. Agiram como se estivessem a mando do Palácio. Assim atuaram nos últimos quatro anos, assim continuam a atuar a um mês do fim do mandato presidencial.
Em carta assinada por 184 integrantes do MPF, Aras foi cobrado a apurar envolvimento e omissão de autoridades do governo nos atos golpistas registrados no país. Para os procuradores, a investigação da relação de autoridades com os movimentos responsáveis por esses atos é fundamental, bem como o pedido de instauração de inquérito policial para apurar a ação criminosa dessas autoridades que gozam de foro privilegiado.
Aras respondeu, convocando uma reunião de procuradores de seis Estados para discutir a questão. Conversou com o ministro da Justiça e concluiu: Os governadores que encontrarem dificuldades para acabar com os atos golpistas poderão pedir a presença da Força Nacional, ou seja das forças armadas.
O Ministério Público mostrou assim de que lado está: ao invés de cumprir o seu papel optou por colocar lenha na fogueira.
Conclusão: até setembro de 2023, quando termina o mandato de Augusto Aras, o próximo ministro da Justiça terá muito trabalho para por o Ministério Público no lugar de onde nunca deveria ter saído, ou seja, no Poder Judiciário, como a voz do povo na defesa das leis, da Constituição, no patrulhamento das autoridades. Isto porque, desde o primeiro dia do governo Bolsonaro, o PGR tem agido como um instrumento do governo, agindo sempre na defesa do Executivo. Evidentemente, se Augusto Aras não tiver a hombridade de renunciar. É o mínimo que se deve esperar de alguém que amanhã será tratado como cúmplice, entre outras coisas, de 400 mil vítimas do Coronavírus. Mas Aras não é homem de renunciar, prefere prevaricar.
Tenham certeza, o carrancudo poste lutará pela anistia até o último suspiro.
O poste-geral da República, Augusto Aras, e a codelinquente Lindôra Araújo, decidiram declarar guerra à Justiça, multiplicando manifestações com os objetivos de bloquear investigações e blindar criminosos, a começar pelos maiores de todos, Jair Messias Bolsonaro e seus asseclas. .
No penúltimo mês de mandato presidencial, a PGR multiplicou pronunciamentos neste sentido. A bolsonarista Lindôra, que para proteger o presidente chegou a mentir descaradamente, afirmando que não havia provas científicas de que as máscaras serviam de proteção contra a transmissão do coronavírus, voltou a surpreender as pessoas normais com os seus desatinos.
A lista de despautérios jurídicos é longa, foquemos sete para não abusar da paciência dos leitores:
1) A vice-procuradora-geral travou o acesso da Polícia Federal aos dados da CPI nos autos de investigação de Bolsonaro.
Os responsáveis pela apuração haviam pedido o compartilhamento do material por duas vezes, em 19 de agosto e em 4 de outubro. Resposta do poste bis: “Por se tratar de diligência no curso de uma investigação, não é possível fornecer informações a respeito.” Disse ainda que há manifestação pelo arquivamento dos autos, enviada ao STF no início do mês. Ou seja, foi ela que pediu o arquivamento, que tem ainda como alvo o filhote 01.
Entre os pedidos de indiciamento incluídos no relatório da CPI, os senadores atribuíram à Bolsonaro pai o delito de incitação ao crime (artigo 286 do Código Penal). O documento sugeriu que o presidente cometeu a prática criminosa ao estimular a população “a se aglomerar, a não usar máscara e a não se vacinar”.
Resultado: 700 mil mortos, 400 mil por culpa do negacionismo oficial.
2) A vice-procuradora-geral, chamada a se posicionar, manifestou-se pelo arquivamento do pedido de parlamentares sobre o levantamento do sigilo dos diálogos entre empresários bolsonaristas e o procurador-geral da República, Augusto Aras. O pedido ocorreu após reportagem do JOTA, Jornalismo e Tecnologia para tomadores de decisão, informando que, nos celulares apreendidos pela Polícia Federal na operação contra empresários bolsonaristas, foram encontradas conversas do PGR com os empresários investigados, num grupo WhatsApp, em que se defendeu um golpe de Estado caso Lula vencesse as eleições presidenciais.
Segundo Lindôra, ao acionar o Supremo, os parlamentares estariam criando um “fishing expedition”, ou seja, estariam tentando encontrar provas de forma ilegal e usurpar a competência das autoridades destinadas à investigação, como o Ministério Público. Para ela, o requerimento dos parlamentares deve ser rejeitado porque há ilegitimidade dos autores, irregularidade na representação, exploração eleitoral e midiática do caso, além de desrespeito ao sistema acusatório.
Claro está que o poste bis quer evitar que se conheça a verdade que envolve o seu chefe.
3) A respeito da agressão violenta da deputada bolsonarista Carla Zambelli na véspera do segundo turno, de arma em punho, contra um jornalista negro, a vice-PGR achou de bom grado botar panos quentes. Ao invés de se manifestar judicialmente a respeito do ato ilegal e criminoso de Zambelli, pediu autorização para conversar com ela. Talvez achando que um bate-papo resolveria o problema…
4) A PGR recorreu da decisão do presidente do TSE e ministro do STF, Alexandre de Moraes, que suspendeu a conta de Marcos Cintra do Twitter. O perfil do ex-secretário da Receita Federal foi bloqueado depois dele levantar dúvidas sobre as urnas eletrônicas.
A vice-procuradora-geral argumentou que o Ministério Público Federal não foi acionado antes da decisão, e que portanto “o sistema acusatório e os princípios correlatos, como os da imparcialidade, da inércia e da isonomia, assegurados pela ordem constitucional, foram violados.”
Uma vez mais, Lindôra encontrou uma saída para não examinar o mérito.
5) Em manifestação encaminhada ao Supremo, a PGR pediu a rejeição dos pedidos de investigação e afastamento do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e do diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques.
No documento, a vice-procuradora-geral da República disse que as solicitações apresentadas pelo deputado federal Marcelo Calero e pelo senador Randolfe Rodrigues não tinham conexão com o inquérito que apura a existência de uma milícia digital.
Silvinei Vasques é suspeito de prevaricação no enfrentamento aos protestos de bolsonaristas em rodovias federais. Já o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, teve o afastamento solicitado por supostamente agir em benefício do presidente Jair Bolsonaro e cometer possível crime de responsabilidade no relatório do Ministério da Defesa que “não exclui a possibilidade de fraude” nas eleições deste ano, mesmo sem apontar nenhuma prova, nem sequer evidência, nem indício.
6) Como se não bastasse, Augusto Aras reuniu-se com os procuradores de seis Estados para discutir as manifestações golpistas. Poderíamos aplaudir a iniciativa, à condição, é claro, que as intenções fossem boas. Infelizmente não eram. Esperava-se que Aras pedisse a abertura de inquéritos para punir os golpistas e seus mandantes, como o véio da Havan por exemplo, que confessou publicamente apoiar e financiar os movimentos. Ao contrário no entanto, o PGR aconselhou os governadores que não têm meios para reprimir e acabar com as ações golpistas a entrarem em contato com o Ministro da Justiça para pedir a intervenção da Força Nacional. Uma medida que no momento atual do Brasil de Bolsonaro (por mais um mês) pode servir tanto para o bem – por fim às tentativas golpistas que visam evitar a posse de Lula – como para o mal, com elementos das forças armadas nas ruas ao lado dos bolsonaristas que pedem um governo militar.
Você paga para ver? Eu não, afinal Augusto Aras já deu quinquilhões de provas de que tem um único objetivo, salvar a pele de Jair Messias, família e comparsas.
7) Augusto Aras, ao contrário de Alexandre de Moraes, não entendeu que o PL agiu por má-fé ao pedir a invalidação dos votos em parte das urnas no segundo turno das eleições. Em sua decisão, o presidente do TSE citou a “total má-fé de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, em seu esdrúxulo e ilícito pedido, ostensivamente atentatório ao Estado democrático de Direito e realizado de maneira inconsequente com a finalidade de incentivar movimentos criminosos e antidemocráticos”. Aparentemente, Aras e Lindôra não viram nada disso e preferiram ficar calados.
O ex-primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, amigo de Jair Bolsonaro, vai voltar ao poder com maioria de 65 deputados num parlamento de 120. Será, ao que tudo indica, o pior governo, o mais antidemocrático que Israel já teve, formado por uma coalisão de 4 partidos: o Likud, de Netanyahu, e outros 3 partidos ortodoxos, dentre os quais o Sionismo Religioso, de extrema-direita, que junta os fascistas Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, que chegou em terceiro lugar.
No dia 5 um amigo me dizia: – Voltamos cem anos atrás.
Caso a coalisão se confirme, como tudo indica, Israel estará num processo acelerado de “orbanização”.
A professora de Ciência Política da Universidade Hebraica de Jerusalém Gayil Talshir declarou à emissora britânica BBC que “Israel está a caminho de se tornar uma nova Hungria sob Orbán”, deixando de ser uma democracia para passar a ser uma autocracia com eleições.
A ascensão da extrema-direita, do partido Sionismo Religioso, preocupa, tanto dentro como fora de Israel.
“O kahanismo venceu”, escreve o diário Haaretz em editorial. “Israel está agora mais próximo de uma revolução autoritária religiosa e de extrema-direita, cujo fim é dizimar a infra-estrutura democrática sobre a qual o país foi construído.”
Ben-Gvir é discípulo de Meir Kahane, que formou o Kach, partido colocado na ilegalidade por Jerusalém, em 1994, por estar na lista de grupos terroristas em Israel e nos Estados Unidos. Nesse mesmo ano, Baruch Goldstein, que levou a cabo um ataque terrorista em Hebron matando 29 muçulmanos, foi qualificado de “herói”.
Foi Ben-Gvir que, em 1995, segurou um emblema do carro do então primeiro-ministro, Yitzhak Rabin, e declarou: “Chegamos ao carro dele, vamos chegar a ele.” Semanas mais tarde, Rabin era assassinado.
Os seguidores de Kahane consideram os árabes “inimigos” e se propõem a expulsar de Israel os cidadãos palestinos que não forem “leais”.
Em 2015, Ben-Gvir declarou ser “um homofóbico orgulhoso”.
Até pouco tempo atrás, Ben Gvir era visto como uma figura política marginal, “tóxica” até para a direita israelense. Os sionistas religiosos, teocráticos, que se preparam para entrar no governo, não reconhecem o Estado laico e afirmam a superioridade da lei religiosa sobre o direito civil, como acontece em certos países muçulmanos onde reina a charia.
“Os kahanistas não querem apenas ministérios, eles têm uma agenda”, escreveu nas eleições de 2021 o analista Nauhm Barnea, no YnetNews, sobre a entrada do Partido Sionista Religioso no Knesset. “Antes de mais significa a liberdade de terroristas judeus operarem nos territórios. Segundo, significa a destruição do sistema de justiça; terceiro, significa o apartheid dentro de Israel, a separação racial nos hospitais, nas universidades e na função pública; quarto, a discriminação de gênero; quinto, o reforço dos códigos ultra-religiosos.”
Para eles, o Grande Israel já não é o principal objetivo. Trata-se agora de esmagar tanto os palestinos como os árabes israelenses e os judeus de esquerda sob suas botas, afirma o filósofo Assaf Sharon.
Os tempos mudaram, para pior. Outrora, quando Meir Kahane falava no Knesset, os deputados do Likud e muitos deputados dos partidos religiosos abandonavam a sala. Hoje seus seguidores entram no governo.
A jornalista do Jerusalem Post Lahav Harkov contou no Twitter, que na noite eleitoral o “número dois” do partido Sionismo Religioso, Itzhak Waserlauf, foi questionado pelo Canal 11 da televisão israelense: “Há preocupação entre os árabes e pessoas de esquerda [com o resultado do partido], o que tem para lhes dizer?” A resposta: “Devem continuar a estar preocupados.”
Entre outras reformas hiper-conservadoras, o Sionismo Religioso também propõe a mudança da legislação sobre a corrupção para por fim ao processo em que Benjamin Netanyahu responde por corrupção e para que os ministros possam manter-se no cargo mesmo que sejam formalmente indiciados. Vários comentaristas consideram que esta mudança deixaria a política israelense exposta à corrupção sistemática e ameaçaria a independência do sistema judicial.
Como ? Através da nomeação política dos juízes do Supremo e a abolição da sua capacidade de julgar inconstitucionais leis aprovadas no Knesset. O que corresponderia a jogar a Constituição na lata de lixo. Netanyahu parece disposto a aceitar as exigências da extrema-direita contra a suspensão do seu julgamento.
Um governo com a presença desses religiosos ultradireitistas seria também um problema para a posição internacional de Israel, inclusive nas relações com o seu principal aliado, os EUA.
Vários comentaristas israelenses têm alertado para o perigo desta versão de “nacionalismo sionista”, que discrimina árabes, LGBT+ e até judeus reformistas, podendo causar danos à relação privilegiada que Israel tem com os Estados Unidos, “talvez até de forma permanente”; segundo o diário Jerusalem Post.
Outro jornal, o Haaretz, também citou recentemente membros pró-Israel do Congresso norte-americano, dizendo que a entrada do Sionismo Religioso no Governo de Israel seria “um desastre” para a relação entre os dois países.
É de se perguntar então por que muitos israelenses votaram na extrema-direita religiosa; afinal a economia cresce e o setor tecnológico vive um boom de euforia. O Haaretz enumera: A perda de confiança nas instituições e a intolerância não apenas em relação aos árabes, mas perante os judeus de esquerda, os não praticantes e as pessoas LGTB+. “Estas atitudes estão conduzindo ao racismo – ou, mais precisamente, ao supremacismo judaico”.
O Brasil transformou-se no laboratório da extrema-direita mundial, no centro do combate ao globalismo. Segundo Buonaventura de Sousa Santos, Diretor Emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em artigo publicado dia 1 de novembro no jornal Publico, de Lisboa, “informações fidedignas dão-nos conta de que as empresas de desinformação e de manipulação eleitoral ligadas ao notório fascista Steve Bannon estiveram instaladas em dois andares de uma das principais ruas de São Paulo, de onde dirigiram as operações da campanha de Bolsonaro.”
Ficou evidente, nessas eleições, a internacionalização do ataque à democracia brasileira, por meio de organizações fascistas globais originárias e financiadas por um lado pela plutocracia norte-americana pro-Trump, de outro por Moscou, que se tornou o maior apoiador da extrema-direita europeia.
Os próximos objetivos eleitorais serão as eleições legislativas norte-americanas, dentro de alguns dias, e a presidencial de 2024, tendo como principal candidato Donald Trump. O mesmo Trump que recentemente, ao enviar uma mensagem aos brasileiros, considerou Jair Bolsonaro um dos maiores líderes mundiais.
No Brasil, de acordo com Buonaventura, a extrema-direita mundial já se prepara para a próxima etapa, visando a nova fase do golpe continuado, que teve seu inicio no impeachment de Dilma Roussef. “Será, provavelmente, a contestação dos resultados; e depois, a utilização do crime organizado e do poder legislativo para intimidar e criar instabilidade, com ameaça, a médio prazo, de impeachment de Lula.