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Paralelamente à contradição de estar vivendo o sonho de pertencer a uma boa banda enquanto o clima em casa era de fim de festa, o Brasil passava por um momento importante.

A inabilidade dos militares em lidar com as complexidades de uma recessão e de uma inflação pesadas junto com as medidas de austeridade impostas pelo Fundo Monetário Internacional – o FMI – ao país em 1983 causou uma queda brutal na qualidade de vida dos brasileiros e das brasileiras. O descontentamento era geral. Porém, o mais frustrante era que não se podia votar para presidente. De acordo com os militares, os brasileiros não eram capazes de tomar tal decisão. A ditadura impunha que podiam escolher seus representantes no Congresso mas só dos únicos dois partidos permitidos, a ARENA e o MDB.  Embora o lema do golpe miltar de 64 tenha sido reestabelecer a democracia e salvar o pais do comunismo os presidentes eram generais apontados pelas forças no poder.  Havia a promessa – que ninguém acreditava – de que num futuro não especificado, permitiriam eleições para presidente. Confrontando essa mistura inaceitavel, as forças democráticas do país se uniram e, marchando juntas, lancaram um movimento que tomou as ruas sob o slogan “Diretas já! ”.

Gigantescas manifestações aconteceram em cidades por todo o Brasil. Após um comício em São Paulo que atraiu 1,7 milhões de manifestantes houve um outro no Rio que levou mais de um milhão de pessoas às ruas, a maior concentração política que a cidade já tinha visto.

Uma revolução em tempo real era algo imperdível. O evento foi no auge no verão, em Janeiro, e devido a uma greve dos professores a faculdade ainda estava funcionando. Matei aula para chegar cedo na Candelária. Já havia uma pequena multidao e passando apertado por entre o povo consegui subir numa banca de jornais para ver melhor. Fiquei ali vendo a rua lotar. Quando ja não dava para ver onde o mar de gente terminava na avenida Presidente Vargas, o primeiro discurso começou.  Enquanto tentava me concentrar nas palavras do orador, senti alguns pingos no meu ombro. Quando olhei para trás, havia alguém mijando em uma coluna bem atrás de mim.

“Que porra é essa, meu irmão!?  Tu acha que tu tá sozinho aqui!?”

“Ih! Foi mal! ”  E o idiota mirou para outro lado.

Dali para frente as coisas só melhoraram. Artistas famosos, líderes do congresso, governadores, juristas e outras figuras eminentes da política foram se revezando no palanque fazendo discursos históricos e sendo aplaudidos em peso pela massa reunida. O comício demorou horas e terminou com a multidão cantando o Hino Nacional com todos marcando aquele momento na memória coletiva brasileira com lágrimas nos olhos.

Brasília, a capital federal, ficava longe dos grandes centros, de maneira que os governantes só viam o que estava acontecendo pela televisão. Isso os conferia um distanciamento e um senso de imunidade. Sua concessão foi permitir que o congresso elegesse um presidente civil, Tancredo Neves, uma figura amplamente respeitada e que tinha sido tolerado pelo regime no Congresso fantoche como oposição simbólica ao golpe desde o seu início. O candidato oficial que eles deixaram perder as eleições indiretas foi Paulo Maluf. Esse era um político impopular, notoriamente corrupto, que no auge da ditadura foi apontado pelos militares para ser o governador de São Paulo.

Com a vitória de Tancredo, um presidente civil finalmente tomaria posse no Brasil pela primeira vez em mais de 20 anos. Entretanto, o presidente eleito adoeceu sériamente poucas semanas antes da diplomação. Esse drama manteve o Brasil em suspense: ninguém sabia a real gravidade da enfermidade de Tancredo, se ele poderia assumir a presidência ou se havia algum tipo de conspiração em andamento. Com Tancredo hospitalizado e possivelmente em coma, José Sarney, o vice-presidente, escolhido para agradar segmentos militares e governadores da situação no Nordeste, tomou posse em março de 1985. Semanas depois, Tancredo morreu.

Estávamos escalados para fazer um show na noite em que confirmaram a morte de Tancredo. Enquanto um Brasil abalado se unia no luto, ficamos sentamos na escadaria da boate em Copacabana torcendo para que alguém aparecesse. Eduardo ficou andando ansioso de um lado para o outro, parando apenas para perguntar porque não havia ninguém lá. Nós pacientemente explicamos que o Brasil havia acabado de perder o seu presidente de direito, ao que ele retrucou.

“Sério? Morreu de quê?”

Ele não estava brincando e caímos na gargalhada sem conseguir acreditar como alguém poderia estar tão completamente fora da realidade.

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Naquele momento político conturbado e da tempestade econômica o Rio estava vivendo a febre do rock. De uma hora para outra, parecia que todo mundo fazia parte de uma banda e aqueles que não faziam pareciam desesperados para se envolver de uma maneira ou de outra. Em meio a toda essa agitação, apareceu a primeira estação de rádio do estado a se dedicar exclusivamente ao rock; a Rádio Fluminense. Ela transmitia do outro lado da Baía de Guanabara, de Niterói. O seu jovem dono tinha acabado de herdar a estação e estava disposto a deixar sua marca. Graças à ele, ninguém mais precisava comprar discos para ouvir bandas como Led Zeppelin, Yes, Jethro Tull, Pink Floyd e The Who. A festa acabou quando as grandes gravadoras foram bater na porta da rádio exigindo direitos autorais.

Sem poder pagar, a Rádio Fluminense passou a tocar exclusivamente artistas internacionais recentes, produzidos por selos independentes ansiosos para tornar seus artistas conhecidos no Brasil. Ainda que acabasse perdendo o status de rádio pirata voltada para uma geração mais velha, a Maldita FM, como eles gostavam de se apresentar, fez sucesso com um público interessado em ouvir as bandas de vanguarda sobre as quais viviam lendo em revistas importadas, mas às quais não tinham acesso. Foi assim que o Rio entrou de vez nos anos oitenta.

Daniel, que mais tarde seria um colega de trabalho quando me tornaria professor de inglês, foi fundamental para o sucesso da Rádio Fluminense. Na época, ele era comissário de bordo internacional e durante suas paradas em Londres e Nova York, comprava os últimos lançamentos das bandas mais recentes. Quando voltava ao Rio, os entregava na Rádio Fluminense. Isso dava à emissora uma vantagem que nenhuma outra poderia ter.

Mas não eram só bandas internacionais que a radio tocava e a gente estava doido para aparecer lá.

Charles, o dono do estúdio e agora nosso empresário informal, levava fé na banda e começou a conseguir shows para a gente. Com a pouca grana que ganhamos com eles, investimos em uma fita demo na esperança de viver o sonho de tocar na Maldita FM. Ainda que sua sala de ensaio fosse excelente, para seu espanto, decidimos que o que o Charles oferecia em termos de estúdio de gravação não era bom o suficiente. Isso nos levou a melhores estúdios, onde trabalhamos com engenheiros de som fazendo pose de profissionais de verdade sem tempo para riquinhos pretensiosos da Zona Sul.

Apesar da arrogância e da impaciência dos caras, levavamos a coisa a sério. As preparações e as gravações em si nos fizeram parar para ouvir  o que estávamos fazendo e tomarmos uma distância do trabalho. Ficamos mais conscientes do que estávamos tocando, aprendemos bastante e melhoramos. No entanto, o pseudo profissionalismo dos estúdios não permitiu que a banda mostrasse o seu melhor. O método deles, ainda que utilizasse tecnologia de ponta, era contra-intuitivo e contra-produtivo: cada um gravava sozinho em uma sala escutando as faixas dos outros com fones de ouvido. Não havia prazer ou calor humano nas gravações. As sessões eram chatíssmias, normalmente tarde da noite ou de madrugada porque era mais barato, Algumas vezes alguém perdia a concentração errava sua parte no meio da gravação, enquanto noutras quem se confundia era o engenheiro, quando não eram os dois. O resultado era repetições sem fim onde a essência da banda sucumbiu aos detalhes técnicos.

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