Israel na mídia
É realmente incrível a importância que tanta gente dá a Israel, um país menor do que Sergipe, com 9 milhões de habitantes, que fica longe do Brasil. Nem mesmo a irrisória comunidade judaica brasileira explica isso.
O fato é que Israel não sai das manchetes. São notícias hora boas, hora ruins dependendo também de que lado da história se encontra a mídia, ou seus leitores. São tantas informações, que as pessoas nem se dão ao cuidado de verificarem a fonte e sua veracidade.
No início da pandemia, por exemplo, se dizia que Israel tinha descoberto a cura, que teria vacinas em poucos dias e todo tipo de exaltação a medicina israelense. Nada disso era verdade. O importante era promover falsas esperanças dando crédito a Israel e as relações de Bolsonaro com Netanyahu.
Hoje com mais de 5.000 mortes, no terceiro Lockdown com cerca de 8.000 novos casos diários, ainda assim somos elevados ao primeiro lugar em termos percentuais de vacinação da população. Provavelmente até o mês de Abril, todos que quiseram, somados aos que tinham permissão, vão estar vacinados. Como todos, estamos pagando o preço.
E sim, esta semana, dois hospitais de ponta aqui de Israel tiveram resultados de cura com o uso de fármacos desenvolvidos por eles em pacientes graves da Covid-19. Estes medicamentos estão sendo testados e ainda vão demorar a chegar ao mercado. No entanto, se confirmado o que está sendo visto até aqui, a equação se fecha com o uso preventivo da vacina e da medicação no caso de infecção.
Muito se falou também nos últimos dias com relação a vacinação dos palestinos, de que seria uma obrigação de Israel que estaria sendo descumprida. Antes de tudo, a Autoridade Palestina nunca pediu oficialmente que Israel fornecesse vacinas. Todas as aquisições feitas por eles, ou recebidas como doação foram recebidas. Antes disso Israel já havia doado material médico e máscaras.
Esta semana Israel doou 5.000 vacinas. Até agora elas vem sendo utilizadas para vacinar o corpo médico e os serviços de segurança. Sim, antes de vacinar os mais necessitados depois do corpo médico, eles estão vacinando a polícia. E a bem da verdade, a pandemia não está tão grave nos territórios e nem em Gaza.
Alguns funcionários brasileiros da Organização de direita americana “Stand With Us”, com estreitas relações com o governo Israelense, pagos para defender Israel de qualquer ataque, ou mesmo suposição de estar fazendo alguma coisa moralmente duvidosa se apressaram em mostrar que de acordo com os acordos de Oslo, que Israel descumpre diariamente, a saúde nos territórios está a cargo da Autoridade Palestina. Uma piada de mau gosto.
Neste momento, a situação nos territórios é melhor do que em Israel, e com certeza do que no Brasil. Portanto, não há razão para maiores preocupações.
A Covid-19 continua se espalhando através das diversas mutações que ocorrem. Isto é totalmente previsível e por enquanto não existe nenhuma razão para se duvidar da eficácia das vacinas com relação a elas. O problema das novas mutações é que elas se espalham mais rapidamente do que a capacidade de se vacinar as populações.
Se o ano que passou foi de incredulidade com o que aconteceu, este ano é de esperança. A maioria dos países vão poder começar a voltar a ter uma vida muito próxima do que existia antes. Uma questão de tempo, mas a solução para ele já existe.
Guerra de Civilizações, Guerra de Religião
Via de regra, com exceção de pessoas geniais, como Orson Welles, que virou capa da revista Visão, uma entrevista vale por uma ou duas declarações. O resto são banalidades. Foi o caso da exclusiva que fiz com o aiatolá Khomeini, dias antes dele embarcar para Teerã como líder inconteste da maior revolução da segunda metade do século 20. Após quinze minutos de frases feitas recheadas de citações do Alcorão, desqualificando o xá e seu regime corrupto, o velho de barbas brancas, olhos negros profundos, frieza siberiana, sentiu-se à vontade para falar. Sei lá eu por quê. Após um silêncio constrangedor, olhou nos meus olhos e em um tom pausado e solene declarou:
“Nós não estamos apenas transformando o Irã, não estamos só fundando uma República Islâmica, estamos mudando o mundo. Conosco o islã irá se tornar a religião global. A Revolução Islâmica está destinada a ter um “caráter universal”, a se alastrar para muito além das fronteiras iranianas, para os países muçulmanos obviamente, mas também para o resto do mundo. A existência de um “califado planetário” está prevista no Alcorão. Caberá a nós construí-lo, em nome do profeta, “por todos os meios”.
“Alahu Akbar ! Alá é grande!”
Quatro expressões – revolução islâmica, caráter universal, califado planetário e por todos os meios – me deram calafrios, muito embora na época eu fosse incapaz de compreender a dimensão do que acabara de ser dito. Não podia alcançar, nem intuir, a importância daquelas palavras ameaçadoras. Estava longe de imaginar que naquele instante, naquele vilarejo de Neauphle-le-Château, a 30 quilômetros de Paris, debaixo de uma tenda desconfortável plantada em direção da Meca, meu gravadorzinho de fita cassete estivesse registrando o que viria a ser uma estratégia geopolítica expansionista e sangrenta, que entraria no século 21 e germinaria a jihad, a guerra santa islâmica.
Hoje, passados 41 anos, olho para trás e compreendo que aquele momento marcou uma transformação profunda e duradoura; mudou o mundo muçulmano e deu início a uma nova cruzada, em que o nome do Jesus da Idade Média foi substituído pelo de Maomé. O islã, com todas as suas vertentes ideológicas, se lançou num projeto de poder. Dentro e fora do espaço muçulmano, como anunciara o aiatolá. No plano “interno”, a cisão entre as diferentes correntes – xiitas e sunitas – transformou-se em guerra aberta, liderada pelas potências regionais, Arábia Saudita e Irã, com a inclusão recente da Turquia. O objetivo é claro: criar espaços de influência em torno do Mediterrâneo.
O terrorismo faz parte dessa estratégia geopolítica. Teerã e Riad ontem, Ancara hoje, foram – e são – os grandes financiadores dos atentados que ensanguentam o mundo.
Num determinado momento, os palestinos foram usados como justificativa para a violência. Depois, foram abandonados, jogados no lixão do esquecimento. Hoje, os palestinos são ignorados e até desprezados pelos países árabes.
Tanto o Irã como a Arábia Saudita e a Turquia, têm se unido a países ocidentais interessados nas riquezas da região e não hesitam em combater uns aos outros em teatros como a Síria, Líbano, Líbia ou Iêmen.
Durante anos, os conflitos no Oriente Médio giraram em torno de um fator comum: a rivalidade entre Irã e Arábia Saudita. Esse antagonismo inflamou a violência em áreas já devastadas pela guerra e acabou por criar novos campos de batalha, onde anteriormente existia uma relativa paz.
São estratégias de poder hostis que se digladiam. Neste contexto, o combate a Israel, que outrora serviu de pretexto para alicerçar a unidade árabe, tornou-se uma questão subalterna, como provam os recentes acordos de retomada das relações diplomáticas entre Tel Avive, Cartum, Abu Dhabi e Manama, e o desinteresse pelo conflito israelo-palestino. A própria Arábia Saudita, através de seu príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, já reconheceu oficiosamente o direito à existência de Israel em paz e segurança. Só não o fez abertamente porque, como sede dos principais locais sagrados do Islã, isso simbolizaria a normalização das relações de Israel com todo o mundo muçulmano. E tanto o xiismo como parte do sunismo ainda não estão prontos a dar o passo.
Por outro lado, na briga entre as duas vertentes do Islã, o Irã se coloca como o grande defensor dos xiitas na luta pela hegemonia muçulmana. Não nega esforços nesta direção, seja atuando diretamente na guerra síria, seja armando militar e ideologicamente movimentos terroristas como o Hamas e o Hezbollah.
A Turquia entrou na luta pela conquista regional mais recentemente, a partir do momento em que houve uma tentativa de golpe contra Recep Erdogan (real ou imaginária ?) e que o líder turco fez uma verdadeira purga nas forças armadas, nos tribunais, na polícia e na sociedade civil em geral, prendendo meio milhão de pessoas e acabando com toda contestação. Conquistou assim a fidelidade do exército e instaurou uma ditadura político-islâmica, lançando-se na busca de seu grande sonho, a refundação do império otomano. Além da influência no Oriente Médio, voltou-se para o Mediterrâneo, criando zonas de conflito com a União Europeia e o norte da África. Para tanto, não hesitou em traçar um estranho diálogo com Vladimir Putin, ora amigo ora adversário, e desafiar a Aliança Atlântica, da qual a Turquia faz parte. De quase membro, passou a espicaçar a União Europeia.
Erdogan pôs um ponto final no país secular de Kemal Atatürk, inventor da Turquia moderna, para tornar-se um verdadeiro sultão.
Nos três casos, a religião é colocada a serviço da política, da geopolítica e do devaneio de seus líderes. No Irã, a principal autoridade é o chefe dos Guardiães da Revolução, no caso da Arábia Saudita é o príncipe herdeiro, no da Turquia, o presidente-sultão-ditador. Não há espaço para a separação entre a Igreja e o Estado.
O ocidente e até a China de Xi Jinping são peças nesse xadrez geopolítico, bem como outros grandes países muçulmanos, como o Paquistão. Os Estados Unidos são ao mesmo tempo o Grande Irmão de Riad e o Satanás de Teerã, a Europa (e a França em particular) o infiel dentre os infiéis, a China um possível futuro amigo, ou ao menos aliado.
Se de um lado o mundo muçulmano nem sequer dialoga entre si, de outro os instrumentos para exportar seus projetos de poder são cada dia mais limitados. O fracasso da Primavera Árabe jogou a Irmandade Muçulmana no ostracismo e cada país caminhou numa direção. Os grandes movimentos que alimentavam a violência expansionista – Al Qaeda, Daesh, Al Qaeda do Magreb Islâmico – foram derrotados militarmente e tentam dificilmente se reconstruir para existir através do terror.
Diante desse quadro, uma parcela dos muçulmanos da diáspora voltaram-se para os valores tradicionais. Enquanto os países exportadores da teoria de Khomeini, numa atitude dúbia, passaram a alimentar o ódio aos infiéis, através de uma enorme rede de mesquitas e de associações culturais, esportivas e outras, a exemplo dos evangélicos no Brasil. Optaram por se implantar nos subúrbios dos centros urbanos europeus, onde prosperam conjuntos habitacionais desumanos que com frequência se transformam em guetos, abandonados pelo Estado, onde vivem populações magrebinas. Semearam em terreno fértil, onde já reinava a xenofobia e a islamofobia plantadas pela extrema-direita. A mesma Europa, que abriu as portas a milhões de refugiados das guerras fraticidas, transformou-se no principal palco, porém não único, da violência islamita.
A respeito, é mister abrir um parêntese para assinalar um erro crasso e frequente dos “analistas” da imprensa brasileira, que se auto-intitulam “experts” em assuntos internacionais. Ao criticar o discurso de Emmanuel Macron após a decapitação do professor Samuel Paty, confundem o termo Islamita, islamiste em francês, com muçulmano. Islamiste não significa muçulmano e sim extremista islâmico, aquele que se radicalizou. Erram ao confundir os dois termos, talvez por ignorância; acabam escorregando num amálgama mal odorante.
Necessário sublinhar para que não haja dúvida: a violência vem dos islamitas e não da comunidade muçulmana, cujos representantes a denunciam sistematicamente.
O terrorismo faz parte do projeto de poder e pouco tem a ver, por exemplo, com as caricaturas de Maomé. Até o século 16, as imagens do profeta, hoje proibidas pelos extremistas sunitas, integravam a iconografia islâmica. Centenas de quadros magníficos, representando Maomé, embelezam até hoje as paredes do Palácio Topkapi, de Istambul. A proibição veio de uma reescrita do Alcorão pela seita radical. E é polêmica até hoje entre os estudiosos do islã.
Assim, as caricaturas verdadeiras de Maomé (veja o texto sobre as falsas caricaturas, no final) publicadas inicialmente na Dinamarca e depois no France Soir e finalmente Charlie Hebdo entre outros jornais europeus, são apenas a parte visível do iceberg. Servem de bode expiatório, na medida em que os integristas precisam de uma razão para explicar às suas comunidades atos que não tem nenhuma. Se as caricaturas são tão provocadoras a ponto de explicar a decapitação de um professor, como entender a degola de um sacristão, a morte a facadas de uma dançarina brasileira ou a morte a tiros de várias pessoas diante de uma sinagoga em Viena só para citar os ataques mais recentes? como compreender os atentados islamitas cometidos no Reino Unido, na Alemanha, na Holanda, na Itália, na Noruega, na Espanha e até na longínqua e pacífica Nova Zelândia? como aceitar que os islamitas tenham lançado, via redes sociais, ameaças de morte à comunidade asiática de Paris, sob o argumento de que os chineses, além de terem criado o corona vírus, cometem as piores atrocidades contra os uigures (muçulmanos sunitas de Xian Jiang), escravizando, assassinando, estuprando?
As caricaturas não podem ser usadas como justificativa. A violência como resposta é falta de argumento. Aliás, o jovem que feriu dois jornalistas em frente à antiga sede do Charlie, no final de setembro, confessou a amigos nunca ter visto as tais caricaturas, nem sabia que o jornal satírico tinha mudado de endereço após o massacre de sua redação, cinco anos antes.
Vingar-se da França colonialista? tampouco. Os autores dos recentes atentados são chechenos, paquistaneses, afeganes. Apenas um era de origem tunisiana. O que não exime o país de uma mais que necessária autocrítica, que, diga-se de passagem, está sendo feita, embora tardiamente.
Por que então fazer da França ou de outros países europeus alvos privilegiados do terrorismo islâmico? Porque os atentados cometidos contra populações muçulmanas em países muçulmanos, embora muitíssimo mais numerosos, não viram notícia na grande imprensa internacional. A repercussão da tentativa de morte da menina Malala, que cometeu o crime de querer estudar, é exceção, apesar da quantidade incontável de Malalas.
O que explica o terrorismo islâmico é o projeto de poder de Erdogan, bin Salman, aiatolá Ali Khamenei pela supremacia no mundo islâmico. Os atentados só são possíveis graças a uma extraordinária e eficaz rede de associações religiosas ou não, instaladas na Europa e financiadas sobretudo por essas três potências islâmicas, mais o Qatar e o Paquistão. Várias mesquitas instaladas em solo europeu, dirigidas por imanes originários e pagos por esses países, defendem abertamente a xaria, a lei islâmica, em detrimento da Constituição local. Nelas, legitima-se desde o casamento forçado de crianças de 10 anos até a morte por apedrejamento de homossexuais ou de mulheres adúlteras. Os frequentadores são instigados a matar os infiéis. Acabam se radicalizando, alguns matando.
Mila, uma estudante adolescente de 16 anos, viu sua vida virar de cabeça para baixo no dia 18 de janeiro, quando publicou um vídeo criticando o islã para se defender do ataque homofóbico de um rapaz muçulmano, que a chamou de “lésbica asquerosa”. Seguiu-se então uma das maiores ondas de mensagens insultantes jamais vista na história da internet na França. Foram cerca de duzentas por minuto nos dias que se seguiram. Desde então Mila recebe ameaças de morte diárias, já foram mais de 35 mil, está sob proteção policial e foi obrigada a deixar de frequentar a escola.
Contra sua vontade, Mila tornou-se um ícone do partido xenófobo Rassemblement pour la République, de Marine Le Pen, que defende a expulsão de todos os estrangeiros.
Para a divulgação das mensagens hediondas, nada melhor que as redes sociais divulgadoras do ódio, islamita como neofascista.
Face a esse quadro, alguns politólogos europeus não hesitam em falar em guerra de civilizações, enquanto outros veem aí uma guerra de religião. Estamos diante de uma cruzada em que o futuro da democracia e dos direitos humanos está em risco. Se os governos não adotarem uma atitude firme de combate a todas as discriminações, a todos os fundamentalismos – islamita, judaico, cristão – dentro das regras de respeito ao Estado de Direito, a extrema-direita ocupará o espaço. O tempo é agora, se já não for tarde demais. A pandemia abre uma janela de oportunidade, que se não for aproveitada fará com que a saída do confinamento marque a vitória do populismo fascista e transforme o velho mundo iluminista na antessala do inferno dantesco. Se abandonarmos nossos valores, expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, estaremos dando razão aos integristas de todas as religiões e ideologias.
AS FALSAS CARICATURAS QUE INCENDIARAM O MUNDO
Num texto sobre a história das caricaturas, a jornalista Caroline Fourest, ex-Charlie, conta:
“Em 30 de setembro de 2005, o Jyllands-Posten, principal diário conservador dinamarquês, publicou doze desenhos sobre Maomé nas páginas de cultura, sob o título “Os rostos de Maomé”. Não por provocação gratuita, mas para denunciar uma forma de censura. Meses antes, um autor dinamarquês de esquerda, alérgico ao fundamentalismo, Kare Blutgen, não conseguiu encontrar um só desenhista que aceitasse ilustrar um álbum para crianças contando a vida de Maomé. O horror do assassinato do cineasta de extrema-direita Théo Van Gogh, degolado por um islamita marroquino, em 2004, ainda estava na cabeça de todos.
No mesmo Jyllands-Posten, um humorista escreveu: não tem problema urinar na Bíblia na frente das câmeras, mas eu não faria o mesmo com o Alcorão.
Em Londres, após os atentados de 7 de julho na capital britânica (52 mortos e mais de 700 feridos), o diretor da Tate Gallery anulava uma exposição satírica, já programada, sobre o Talmud, a Bíblia e o Alcorão. Na Suécia, meses antes, o museu de Goteborg anulou uma exposição sobre símbolos sexuais e citações do Alcorão.
Foi nesse contexto de autocensura que o editor de Cultura do jornal dinamarquês teve a ideia de realizar um concurso de desenhos sobre a imagem de Maomé.
A maioria dos desenhos apresentados mostrou um profeta estilizado e poético. Alguns satirizavam o jornal. Dois deles eram mais duros: um mostrava Maomé com um facão em companhia de duas mulheres vestindo burca. O outro, um Maomé severo com um turbante em forma de bomba. Era uma forma de denunciar o terrorismo cometido em nome do profeta.”
Até que um grupo islamita paquistanês colocou a cabeça dos desenhistas a prêmio. Mas não por causa das caricaturas publicadas no jornal dinamarquês e sim por causa de falsas charges.
Como assim? eis aqui a verdadeira história, pouco conhecida: com o intuito de colocar ainda mais lenha na fogueira, Abou Laban e Ahmed Akkari, dois paquistaneses de grande prestígio, levaram para uma reunião com líderes do Egito, Turquia, Líbano, Síria e Golfo Pérsico um dossiê contendo caricaturas publicadas em sites fascistas na internet, que nada tinham a ver com aquelas do Jyllands-Post. Dentre elas, uma acusando Maomé de pedófilo, outra mostrando um homem com cabeça de porco, outra ainda com Maomé sendo sodomizado por um cachorro.
Foram estas caricaturas que incendiaram o mundo muçulmano, provocando protestos violentos por multidões no mundo muçulmano e uma onda de atentados, inclusive contra embaixadas da Dinamarca, Áustria, Noruega e França no Oriente Médio. Furioso, o ministro egípcio das relações exteriores, Ahmed Aboul Gheit, presente à tal reunião, entrou com um projeto de resolução na ONU pedindo a proibição de todo ataque às religiões.
A xaria contra as caricaturas estava lançada.
Força Beirute
A tragédia no Líbano com a catastrófica explosão em Beirute está sendo o sonho de dos teóricos de conspirações. Eles criam suposições fantásticas apontando culpados a esmo.
Um trágico acidente, que até agora custou a morte de mais de 150 cidadãos, 5 mil feridos, 300 mil desabrigados e um prejuízo que passa de 5 bilhões de dólares. Uma fatalidade causada por negligência. Uma história que remonta o ano de 2013.
Um navio levando uma carga de Nitrato de Amônia a caminho de Moçambique sofre uma pane e entra no Porto de Beirute. As autoridades, diante do tipo de carga e do estado do navio, proíbem que ele siga viagem. A companhia resolve abandonar ambos, carga e navio. Os tripulantes entram na justiça para serem repatriados e a carga é transferida para um armazém, o de número 12.
O que talvez não fosse do conhecimento de todos, é de que aquela carga exigia um armazenamento especial e um cuidado permanente. Uma ignição qualquer, ou um aumento drástico de temperatura, causariam uma explosão. Não seria a primeira vez que isto aconteceu, outros eventos trágicos com o mesmo produto já ocorreram no passado.
Dada a situação no Oriente Médio, onde inúmeros atores aparecem diariamente nos noticiários, não seria de estranhar que surgissem inúmeras suspeitas de atos de sabotagem, de terrorismo, ou até mesmo de vingança. Todos eles descartados pelas autoridades libanesas que compreenderam desde o início de que se tratou de um erro cometido por uma, ou mais, autoridades e funcionários do porto.
A explosão causou uma onda de choque tão violenta, que destruiu praticamente a metade da Capital do Líbano. Praticamente todos os vidros da cidade viraram estilhaços e foram os principais responsáveis pelos ferimentos. A onda atingiu fortemente uma área de 8 km, mas foi sentida muito além. As pessoas fora desta zona contam que pensavam se tratar da queda de um edifício em suas proximidades causada por um terremoto.
Claro que Israel foi a primeira a ser apontada como culpada. Um míssil, ou um atentado planejado no local pelo Mossad, teria causado a explosão. Nesta teoria, a ideia é de que o Hizbolah teria armamento depositado em locais subterrâneos no Porto (sic), e na verdade a explosão seria resultado da destruição deste material que vai desde combustível para foguetes, até explosivos, dependendo do teórico.
Outra teoria interessante é de que se trata de uma advertência do Hizbolah diante do julgamento que se aproxima relacionado ao assassinato do primeiro ministro Rafik Hariri em 2005.
Pode-se criar a teoria conspiratória que se desejar, afinal a livre expressão permite todo tipo de devaneio. Qualquer um com um pouco de conhecimento do que acontece aqui no Oriente Médio, pode escrever sua fantasia e publicá-la na Internet.
Quando achamos que a vida com o Corona estava sendo um inferno, o que dizer da vida agora em Beirute. Onde já existia uma gravíssima crise econômica somada as restrições causadas pela pandemia, uma tragédia desta magnitude nos deixa perplexos, tristes e comovidos.
O governo de Israel ofereceu ajuda humanitária. ONGs israelenses estão fazendo campanhas de doação para ajudar a população de Beirute. A sede da prefeitura de Tel Aviv, colocou a bandeira do Líbano em sua fachada iluminada. Até mesmo o suposto inimigo oferece uma trégua de respeito e empatia em um momento como este.
Aos teóricos de uma boa conspiração, sugiro caírem na real. O Líbano precisa de toda ajuda que puder receber. Menos conspiração e mais compaixão.
Fauda – A Série (Netflix)
AVISO: Pode conter spoilers.
FAUDA – A SÉRIE (NETFLIX)
(Pode conter spoilers)
Não tenho apreço por filmes e peças violentas, e por isso, tive que respirar fundo muitas vezes até me acostumar com a idéia de mergulhar nesta aventura. Sim, Fauda (caos, em árabe) é uma série produzida em Israel que trata da guerra subterrânea entre o serviço secreto do exército israelense e a ala militar e radical do Hamas. As duas primeiras temporadas descrevem eventos na Cisjordânia ocupada, e a terceira, sobre eventos em Gaza. Curiosamente, a série foi um sucesso absoluto tanto com israelenses como com palestinos. Seria aliás, muito interessante ouvir o que os palestinos que apreciaram a série teriam a dizer sobre ela, e fica aqui o convite para quem se enquadrar no quesito ou que possa repassar o convite para as devidas pessoas.
O personagem principal, Doron, carrega sobre si aspectos contraditórios da existência humana. Convivem dentro dele o romântico e dedicado pai de família (enquanto casado), capaz ainda de grandes gestos de amor fraterno e factual, inteligente, polivalente, articulado e impulsivo, e em contraste, o soldado de guerra capaz de qualquer coisa, inclusive de cometer erros graves que lhe custam caro ao longo da narrativa. De uma certa forma, lembra o velho capitão Kirk em alguma medida, pela capacidade de improvisação e rebeldia às normas rígidas e à lógica seca.
Os outros personagens, dos dois lados, são muito bem construídos, consistentes, e até onde conheço, as culturas locais foram muito bem incorporadas nas tramas e permitem o vislumbre da riqueza humana em sua capacidade de se adaptar aos contextos extremos. Todos amam, todos acertam, todos erram, todos podem odiar e até matar.
O aspecto trágico da narrativa é o aprisionamento das pessoas envolvidas em uma espécie de “destino” que as levam inevitavelmente à catástrofe. Seja o cidadão vulgar israelense outrora nada bem comportado que foi parar no serviço secreto após servir ao exército, seja o jovem palestino talentoso e honesto, seja a boa esposa e mãe judia, seja a provecta e nobre senhora árabe, em algum momento são capturados pelo fluxo da história como se orbitassem um buraco negro e chegassem ao limite do “horizonte de eventos” ou ponto de não retorno.
Dividida em 3 temporadas, é na realidade uma narrativa só dividida em 36 capítulos nos quais distribuem-se 3 ou 4 momentos de tensão absurda e resoluções sanguinárias entremeadas por momentos onde a história oferece enormes oportunidades aos envolvidos e envolvidas.
Apesar de produzida em Israel, não consegui enxergar um maniqueísmo na série. Na minha percepção, não se capta uma imagem de vitimismo ou santidade pelo seu lado, ou de demonização do outro lado como um todo. A narrativa dá uma clara margem de compreensão de que os dois lados sofrem barbaramente com o conflito. Para quem conhece de perto a situação, seus atores, seus contextos e a diversidade de narrativas de vida real, a série parece-me muito realista em seus objetivos, e salvo alguma ingenuidade da minha parte, no meio de tantas balas e sangue ela consegue despertar alguma esperança ao exibir exasperadamente a humanidade dos personagens, principalmente dos não diretamente envolvidos com a verdadeira guerrilha.
Espero sinceramente que a ficção possa ajudar a construir uma nova realidade.
Precisamos falar dos palestinos
Precisamos falar dos palestinos
Quem ainda se importa com o destino dos palestinos em meio a pandemia do Covid-19? Mesmo antes, quem ainda se preocupava com o destino deste povo que vive a 52 anos sob ocupação israelense e luta por sua autodeterminação?
Recentemente o presidente Trump apresentou um plano de paz para o conflito israelense-palestino. Um plano amplamente favorável a Israel em todos os aspectos. Implementado, criaria um Estado Palestino dentro do território de Israel, exatamente como aqueles estados fantoches na África do Sul do Apartheid.
Sem nenhum apoio, além dos proprios americanos, o plano permite a Israel anexar territórios historicamente destinados ao Estado Palestino, ou o que restou da Partilha em 1948. Conhecidos como Cisjordânia e Gaza, estas terras pertencem aos palestinos e, parte delas, vem sendo sistematicamente ocupadas por colonos Israelenses ao longo dos anos. Colonos que tomaram inclusive bairros de Hebrom, uma cidade palestina que já foi uma cidade judaica na antiguidade.
No recente acordo entre partidos que permitiu a criação do atual governo depois de 3 eleições seguidas, o tema da anexação de territórios foi discutido. Benjamin Netanyahu quer que ele comece a ser implementado dia primeiro de Julho. Vale aqui dizer, que estamos aqui em Israel em meio a segunda onda do Covid-19. Nesta última semana foram em média, mais de 100 novos casos diários depois da abertura das escolas.
Os países europeus estão dividios, mas todos advertem Israel das sérias consequências desta atitude. Parte deles já fala abertamente em sanções econômicas. Cerca de 35% das exportações israelenses vão para o Mercado Comum Europeu. Vistos podem passar a serem negados para cidadãos israelenses e outras medidadas mais são esperadas.
Com todo o mundo preocupado com o estado de suas economias e como sair desta pandemia, o problema palestino vai caindo no vazio. Nada se escuta da Rússia ou da China, por exemplo. Um silencio assustador.
Israel parece desconhecer a existência do continente europeu e lhes dá pouca, ou nenhuma importância. Netanyhau prefere seguir somente seu mestre americano. Segundo ele, Trump é o presidente americano mais pró-Israel de todos os tempos. Por isso, este momento deve ser aproveitado para realizar tudo o que a direita israelense sonhou, a anexação de Yheudá e Shomron, os nomes hebraicos para a Cisjordânia.
Isto não significa dar aos palestinos a cidadania israelense. A ideia é de que a população decida abandonar seus lares e suas terras com o passar do tempo, como se isto fosse plausível. Se tornariam apátridas.
Na realidade, o que já se espera é uma nova Intifada, um novo levante palestino que vai resultar em inúmeras mortes dos dois lados. Desta vez, uma revolta com data para começar, uma tragédia anunciada. Se nada for feito para impedir Israel, será um banho de sangue.
O tempo urge ações urgentes para mostrar que nenhum habitante deste planeta, com senso de justiça, concorda com esta ação insana. Um abaixo assinado está criado e pode ser assinado aqui: . Uma pequena contribuição que cada um de nós pode dar.
Os palestinos não podem ser esquecidos.