Israel e Palestina não é um tema fácil. Eu falo de um tema, pois ambos os povos são indissociáveis enquanto debate e, conforme o que desejamos – diálogo. Antes de 1948, não havia Israel – nem Palestina, exceto pelo nome dado pelos romanos à região, com clara menção aos filisteus que ali viveram em antiguidade remotíssima. Havia, sim, Judeus e Árabes convivendo naquelas plagas.
Curiosamente, quando nasce Israel, a partir da Resolução da ONU, em 1948, nasce com ele um conflito que, por algumas décadas, fora chamado de conflito israelo-árabe (1).
O conceito de povo Palestino vai ser construído conforme desenvolve o conceito Israelense. Pelo que consta em jornais e livros, somente a partir dos anos 70 (século XX) e, em especial, nos anos 80, vai se cunhando um nome aos árabes que ali viviam: Palestinos. De qualquer modo, um povo juridicamente artificial (Israelenses) nasce e, em função disso, outro povo artificial se constrói (Palestinos). (2) A questão e sua solução (alguns apreciam o termo “conflito”) entre israelenses e palestinos (alguns preferem o termo “questão” apenas para se referir aos palestinos) não é insolúvel nem impossível.
Do ponto de vista desse texto (refiro-me ao meu, em respeito a tantos outros) ambos os povos, embora existissem como Judeus e Árabes (do ponto de vista cultural), foram se construindo como Israelenses e Palestinos. Israel e, depois, Palestina, é coisa recente. Por isso mesmo, é possível uma solução: DOIS POVOS, DOIS ESTADOS. É o que Judeus, em um contexto crítico, defendem. Penso que muitos Palestinos, também.
Muitos falam em Estado binacional, a exemplo de outros países, como a Suiça, por exemplo. Mas, não vejo como isso pudesse acontecer no caso Israel-Palestina. A começar pelo nome: seria Israel? Seria Palestina? Seria Israel-Palestina?
As feridas dessas décadas de conflito são profundas e, parece-nos, que não cabe alternativa a não ser a divisão jurídica territorial (como foi determinado pela Resolução da ONU) e o estabelecimento de dois Estados. É preciso dialogar; é preciso que vizinhos dialoguem (para lembrar aqui um pouco de Epicuro), mas para que vizinhos dialoguem é preciso que haja vizinhos e, no caso específico, parte do reconhecimento de ambos os povos à existência plena. Israel deve reconhecer o direito dos Palestinos em se organizarem em uma sua Palestina e, ainda, reconhecer o território palestino. Por sua vez, a Palestina deve reconhecer direitos dos Israelenses viverem em sua Israel. Reconhecidos os vizinhos mutuamente, não há dúvida, metade do caminho já se percorre. Não há dúvida de que Israel deve retirar-se dos territórios ocupados, bem como os Palestinos devem reconhecer Israel e sua integridade.
Palestina e Israel podem, a médio prazo, estabelecer um tipo de acordo econômico e de solidariedade no que respeita aos recursos naturais, a começar da água e, sobretudo, do acesso às vias rodoviárias, ferroviárias e, principalmente, de acesso ao mar e portos. É possível, sim, um Bloco econômico naquela região, como ocorre em outras partes do mundo. Neste caso, tendo Israel, Palestina e demais vizinhos.
Neste texto sobre o olhar em relação a Israel e Palestina, de início, pensei em apontar as dificuldades entre esses dois povos, seus conflitos, seus comportamentos agressivos, rancorosos e vingativos. Mas, parece-me dizer a mesma coisa sempre.(3) Alguns pontos devem, contudo, ser estabelecidos e esclarecidos.
Israel é imperialista? Não há qualquer característica, fato ou prova, que possam levar a essa conclusão e, nesse caso, respondo junto com Jean-Paul Sartre: de forma alguma quero afirmar que Israel seja imperialista ou a criatura do imperialismo; muito exatamente não afirmo nada, a não ser que os Árabes o acusam disso.(4)
O sionismo é mesmo racista? Não é possível dizer isso, pois há diversos sionismos e, entre eles, o de Theodor Herzl, cujo objetivo era exatamente dar ao povo Judeu, que precisava fugir do racismo e, mais tarde, do nazismo, enfim, do antissemitismo e suas muitas faces monstruosas. Portanto, de modo algum é possível afirmar que o sionismo seja racista.
Há, em todo Judeu, uma ligação histórica com a terra santa (quero, aqui, evitar chamar simplesmente terra de Israel) e nesse sentimento de pertencimento histórico, de caráter inegável, reside o muito do que se chama sionismo. Isso não significa dizer que em Israel, agora como Estado, não haja leis discriminatórias e, tanto quanto se identifiquem tais leis, as mesmas devam ser combatidas (como em qualquer sociedade, país, sistema jurídico). A questão não é do Estado de Israel, mas de determinados governos e, conforme sejam mais à direita, aliás, como sói acontecer em qualquer parte do mundo, sabemos que há uma tendência, quando não um abuso mesmo, em relação a quaisquer que não sejam considerados nacionais. Vejam-se os casos recentes no mundo: Itália, Estados Unidos, Brasil etc.
Penso que o antissionismo (acrítico) seja realmente a antessala do antissemitismo na região. E, como tal, além de alimentar um ódio incontrolável, alimenta o conflito e, por último, mais violência e derramamento de sangue. Habib Burguiba, presidente da Tunísia, em 1965, havia adiantado o perigo desse discurso. Disse ele:
Dou-me mal com o ódio, e isto não só porque domino esse sentimento, mas porque ele impede qualquer ação lúcida da parte dos árabes. É um álibi à inação. Grita-se, injuria-se, insulta-se, lançam-se imprecações e tem-se, depois, a sensação de ter cumprido o dever, de estar em paz com a consciência. No fundo de tudo isto, encontra-se um complexo de inferioridade: sobrestima-se o adversário. (…) No caso da Palestina este ódio leva a confundir o antissionismo com o antissemitismo, o que provoca, pelos menos nas massas, um fanatismo que se tornará perigoso no dia em que for preciso negociar. (…) Digo que não se deve declarar que se querem atirar os judeus ao mar se não se pode fazê-lo. E deixar de o dizer pode já ajudar a encontrar uma forma de coexistência com eles. (5).
Parece necessário retomar a definição e objetivos do sionismo histórico. Ei-la. A Organização Sionista Mundial foi constituída em 1897 em Basiléia (Suiça), onde realizou o seu primeiro congresso, definindo o sionismo como uma aspiração a estabelecer para o povo judeu, em Eretz Israel, um refúgio permanente garantido pela lei internacional. A Organização Sionista englobava a maior parte dos grupos judeus, que se declaravam de acordo com este objetivo, embora sem ter em conta as suas posições políticas, sociais e religiosas. (6)
Esses são alguns dos milhares de termos utilizados, ora por um lado, ora por outro. De qualquer forma, o que se busca, e se quer, dentro do razoável e do possível, é a coexistência pacífica, aliás, não apenas pacífica, mas proativa dos povos Israelense e Palestino.
É possível um Estado Palestino ao lado do Estado de Israel? E, com essa pergunta, é possível o partilhamento territorial, não como separação, mas como possibilidade de ambos os povos viverem em paz e desenvolverem suas potencialidades culturais, econômicas, políticas etc?
Houve um tempo em que os árabes recusaram essa solução e, ainda, Burguiba o denunciara:
Na Palestina, pelo contrário, os árabes rejeitaram as soluções de compromisso. Recusaram a partilha e as cláusulas do Libro Branco. Lamentaram-no depois. (7)
Sim, é possível – e viável, um Estado Palestino ao lado de um Estado de Israel, com autonomia territorial, política, jurídica, bem como um acordo econômico e (por que não?) um acordo para desenvolvimento turístico e integrativo da região.
© Pietro Nardella-Dellova
in Antropologia Jurídica: uma contribuição sob múltiplos olhares. São Paulo: Editora Scortecci, 2017, pp 361 e segs.
NOTAS
- Exemplo disso é o livro Dossier do Conflito Israel-Árabe (original “Le Conflit Israelo-Árabe), prefaciado por Jean-Paul Sartre e diversos autores. Tradução portuguesa. Porto: Editorial Inova, 1968;
- Tratei disso quando proferi palestra na EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, com o título “Israel e Palestina: um olhar crítico e dialógico”, em 2014: https://www.youtube.com/watch?v=4pczDFBe2A0, acesso em 6/11/2017
- Foi assim que dialoguei com Abdel Rahman Abu Hwas, palestino, aliás, convidado por mim a escrever o tópico anterior, por ocasião de nosso encontro em palestra na Universidade Federaldo Rio Grande, FURG, RS, em 2014;
- Jean-Paul Sartre, “Pela Verdade”, in Dossier do Conflito Israelo-Árabe. Tradução portuguesa. Porto: Editorial Inova, 1968, p. 16;
- Habib Burguiba. “Entrevista”, in Dossier do Conflito Israelo-Árabe. Tradução portuguesa. Porto: Editorial Inova, 1968, pp. 1042-1048;
- Dossier do Conflito Israelo-Árabe. Tradução portuguesa. Porto: Editorial Inova, 1968, p. 1049;
- Habib Burguiba. “Discurso pronunciado em Jericó, em 3 de março de 1965”, in Dossier do Conflito Israelo-Árabe. Tradução portuguesa. Porto: Editorial Inova, 1968, pp. 1037-1042;