Escrevo este texto enquanto observo, em choque,  meu país Israel se destruir moralmente. Sou sionista e humanista, alguém que passou a vida estudando história, mergulhando nos padrões que se repetem através dos séculos, nas revoluções que prometem liberdade e nas estruturas de poder que emergem de suas cinzas.

E é dessa imersão na história humana que carrego comigo uma verdade fundamental: quando, no curso do desenvolvimento humano, as instituições existentes se provam inadequadas às necessidades do ser humano, quando servem apenas para escravizar, roubar e oprimir a humanidade, o povo tem o direito inalienável de se rebelar contra essas instituições e derrubá-las.

Isso não é um princípio abstrato para mim. Não é apenas teoria política ou filosofia distante. É uma verdade visceral, forjada tanto nos livros de história que devorei quanto na história do meu próprio povo. Vi esse padrão se repetir da Revolução Francesa à descolonização africana, das revoltas de escravos na Antiguidade aos movimentos de direitos civis do século XX. E vivi isso como judeu, como descendente de um povo que precisou invocar exatamente esse direito para sobreviver.

Nós, judeus, conhecemos intimamente o que significa viver sob instituições que nos escravizaram, roubaram e oprimiram. Conhecemos os guetos, as leis que nos tratavam como menos que humanos, os pogroms, a Shoah. Conhecemos o sabor amargo da dignidade negada, da humanidade questionada, da existência ameaçada simplesmente por existir.

E nos rebelamos. Claro que nos rebelamos.

Lutamos por nossa dignidade, por nosso direito de existir, por um lugar onde pudéssemos ser humanos completos, não tolerados, não subjugados, mas livres. E conquistamos isso. Israel existe porque nos recusamos a aceitar que as instituições do mundo nos condenassem à extinção. O sionismo foi nossa rebelião contra séculos de opressão, nossa afirmação de que merecíamos autodeterminação, segurança, um futuro.

Isso foi um ato moral. Profundamente moral.

Mas aqui está a pergunta que me assombra, a pergunta que meu estudo da história torna impossível ignorar: quando derrubamos as instituições que nos oprimiam, quando construímos as nossas próprias, conseguimos permanecer fiéis àquele impulso moral original? Ou, sem perceber, sem querer, reproduzimos as mesmas estruturas de dominação que buscamos destruir?

A história me ensinou algo devastador: quase toda revolução, quase todo movimento de libertação corre esse risco. Os jacobinos que derrubaram a monarquia francesa criaram o Terror. Os bolcheviques que libertaram os servos russos criaram o Gulag. Os revolucionários que expulsaram colonizadores frequentemente se tornaram os novos opressores de minorias dentro de suas próprias fronteiras.

É o padrão mais trágico e mais comum da experiência humana: o oprimido que se torna opressor.

E, quando olho para meu país hoje, quando vejo Israel pelas lentes dessa história que tanto estudei, vejo algo que me parte o coração.

Vejo um povo que conhece intimamente a dor da opressão agora controlando outro povo. Vejo muros que lembram guetos, embora digamos que são diferentes. Vejo postos de controle que regulam o movimento, que transformam a simples ação de ir ao trabalho ou visitar a família em uma humilhação diária. Vejo crianças que crescem sob ocupação, assim como nossos avós cresceram sob ocupação, embora insistamos que não é a mesma coisa.

E talvez não seja exatamente a mesma coisa. Mas é perto o suficiente para me fazer perguntar: como chegamos aqui?

Como um povo que gritou “nunca mais” se encontra criando as condições em que outro povo grita a mesma coisa? Como justificamos para nós mesmos que nossa segurança exige a indignidade deles? Como nos convencemos de que os muros que construímos são defensivos, enquanto os muros construídos contra nós eram opressivos?

A resposta, e isso é doloroso admitir, é que toda revolução corre o risco de reproduzir o que destruiu, não por maldade necessariamente, não por hipocrisia consciente, mas porque o poder corrói com uma sutileza insidiosa. Começamos dizendo que precisamos de poder para nos proteger. E isso é verdade. Realmente precisávamos. Realmente precisamos.

Mas o poder não para aí. O poder se expande. O poder se justifica. O poder encontra sempre mais razões para ser exercido, sempre mais ameaças que devem ser neutralizadas, sempre mais controles que devem ser implementados para garantir a segurança.

E, antes que percebamos, não estamos mais apenas nos defendendo. Estamos dominando.

E, quando alguém aponta isso, quando alguém diz que estamos reproduzindo estruturas de opressão, nos indignamos. Como ousam comparar? Como ousam equiparar nossa luta legítima pela sobrevivência com a opressão que sofremos? Não entendem que somos diferentes? Não entendem que nossas circunstâncias são únicas?

Talvez sejam. Talvez cada situação seja única. Mas isso não muda a verdade fundamental: um povo ocupado, controlado, humilhado diariamente, privado de autodeterminação, é um povo cuja dignidade está sendo negada. E eu, como judeu, como alguém cujo povo conhece essa dor intimamente, não posso fingir que não a vejo.

O paradoxo é ainda mais profundo: se reconheço isso, se admito que Israel, em sua forma atual, reproduz estruturas de dominação, o que faço? Apoio a derrubada dessas estruturas? Apoio aqueles que se rebelam contra elas?

E então me deparo com outra verdade inconveniente: aqueles que se rebelam contra a dominação israelense não são todos santos morais. Alguns querem genuinamente libertação e dignidade. Outros querem simplesmente inverter a dominação, nos colocar de volta sob seu controle, talvez até nos eliminar completamente.

Como, então, separo a rebelião legítima pela dignidade da violência que busca apenas inverter a opressão? Como apoio o direito de um povo de se rebelar contra instituições que o oprimem quando sei que alguns dos que se rebelam me destruiriam se pudessem?

Esta é a complexidade moral em que vivo. Não tenho respostas fáceis. Não tenho slogans simples. Não posso simplesmente dizer que Israel está certo ou que Israel está errado. Não posso simplesmente rotular a resistência palestina como inteiramente legítima ou inteiramente terrorismo. A realidade é mais nuançada, mais dolorosa, mais resistente a certezas confortáveis.

O que posso dizer é isto: toda revolução corre o risco de reproduzir o que destruiu. Isso não é uma possibilidade remota, é quase uma inevitabilidade. O oprimido que se torna opressor é um dos padrões mais trágicos e mais comuns da história humana.

Mas reconhecer esse risco não significa aceitá-lo como fatalidade. Significa permanecer vigilante. Significa questionar constantemente se nossas ações, justificadas como defesa, não se tornaram dominação. Significa ouvir quando os outros nos dizem que estamos reproduzindo o que sofremos, mesmo quando dói ouvir, mesmo quando nossa primeira reação é negar.

Significa lembrar que o direito de se rebelar contra instituições opressivas não pertence apenas a nós, pertence a todos os povos, inclusive àqueles que agora vivem sob nosso controle.

E aqui está a verdade mais difícil: se realmente acreditamos que as pessoas têm o direito eterno de se rebelar contra instituições que as escravizam, roubam e oprimem, então precisamos admitir que os palestinos têm esse direito também, não o direito de nos destruir, nem o direito de nos negar a existência, mas o direito de resistir à ocupação, de lutar por sua dignidade, de derrubar as estruturas que os controlam.

Reconhecer esse direito não nega nosso direito de existir, de nos defender, de ter um lugar seguro no mundo. Mas exige que façamos uma distinção crucial entre defender nossa existência e dominar a deles.

Israel pode existir sem ocupação. Israel pode ser seguro sem transformar outro povo em súditos. Israel pode honrar sua própria história de opressão sem reproduzi-la contra outros.

Mas isso exige algo extraordinariamente difícil. Exige que abramos mão do poder. Exige que confiemos, ao menos em parte, em um futuro em que a segurança venha não do controle total, mas do acordo mútuo. Exige que arrisquemos.

E talvez isso seja pedir demais. Talvez, depois de tudo que sofremos, seja irrealista esperar que abramos mão de qualquer vantagem, de qualquer controle, de qualquer poder que nos mantenha seguros.

Mas, se não fizermos isso, se nos apegarmos ao poder como única garantia de segurança, então já perdemos algo fundamental. Perdemos a pureza moral daquela rebelião original. Perdemos o direito de afirmar que nossa revolução foi diferente, que, quando derrubamos as instituições que nos oprimiam, não criamos novas para oprimir outros.

Então eu te pergunto, não como provocação, mas como alguém genuinamente dividido: como permanecemos fiéis ao impulso moral da rebelião enquanto exercemos o poder que conquistamos? Como garantimos que as instituições que construímos para nos proteger não se tornem instrumentos de dominação? Como quebramos o ciclo em que o oprimido se torna opressor?

Não tenho resposta completa. Mas sei onde começa: começa em reconhecer que o perigo existe. Começa em admitir que nós, como qualquer povo que conquistou poder, corremos o risco de reproduzir o que destruímos. Começa em ouvir quando outros nos dizem que sua dignidade está sendo negada, mesmo quando isso dói, mesmo quando desafia nossa narrativa de vítimas que se defendem.

A menos que escolhamos resistir a essa reprodução conscientemente e dia após dia, a revolução inevitavelmente se desgastará e reproduzirá os velhos instrumentos de dominação.