Se me perguntassem hoje como nasce o ódio, eu não saberia responder com precisão, mas arriscaria dizer que talvez ele nem nasça, talvez sempre estivesse ali, esperando apenas que alguém o despertasse com uma palavra fora do lugar, uma lembrança incômoda ou, mais comumente, com aquele silêncio que diz tudo quando não se diz nada, porque nesta terra, onde cada pedra parece guardar uma memória e cada sombra carrega um nome perdido, aprendemos a armazenar o rancor como se fosse um bem valioso, protegido com zelo antigo, transmitido de geração em geração com o mesmo cuidado de quem entrega uma herança sagrada, embora feita não de posses, mas de feridas — e dessas, temos muitas — tão profundas e tão antigas que já nem sabemos se são realmente nossas ou se apenas continuamos a sangrá-las por fidelidade à dor de quem veio antes, e talvez seja por isso que odiamos com tanto empenho, porque há nisso uma estranha forma de pertencimento, como se, ao odiar, confirmássemos que ainda estamos vivos, ainda somos daqui, ainda sabemos o que é sofrer com convicção.

E, no entanto, se alguém nos arrancasse esse ódio, se nos deixassem apenas com a carne viva da dor que fingimos não sentir, talvez fôssemos forçados a encarar aquilo que evitamos há tanto tempo: os restos emocionais de uma guerra que nunca termina, as perdas que nos recusamos a chorar, os erros que colocamos nos ombros dos outros para não admitir o peso da nossa própria mão no gesto que machucou, e é aí, justamente aí, que tudo se complica, porque odiar é mais fácil do que lembrar com amor, mais fácil do que perdoar sem esquecer, mais fácil do que reconhecer, com vergonha e espanto, que atrás de cada rosto que chamamos de inimigo pode existir apenas outro alguém igualmente assustado, igualmente ferido, igualmente apegado ao rancor como escudo contra um mundo que insiste em não fazer sentido — e, se me permitem a heresia, talvez o ódio nos una mais do que qualquer promessa de paz, não porque seja justo ou bom, mas porque é compreensível, é simples, e sobretudo é eficaz, funciona como armadura contra a vulnerabilidade — e quem, aqui, nunca desejou ser invulnerável, nem que fosse por um instante?

Mas então vem a pergunta, e com ela a dúvida que me roubou o sono por tantas noites: se retirarmos o ódio, com o que ficamos? Com a dor pura, com a ausência de uma culpa alheia onde antes encontrávamos consolo, com a solidão de uma responsabilidade que não se divide, com o desconforto de saber que já não há um culpado claro e, por isso mesmo, não há redenção garantida — apenas o risco de despencar num abismo silencioso onde nem mesmo a autocompaixão consegue nos salvar — e isso, meus caros, pode ser mais cruel do que qualquer inimigo armado, porque é uma violência interna, sem nome, e ainda assim, talvez, necessária, porque só por ela talvez pudéssemos um dia encontrar algo parecido com a verdade — não uma verdade absoluta, essa pertence aos fanáticos e aos deuses — mas uma verdade pessoal, imperfeita, feita de contradições e hesitações, e que talvez por isso mesmo seja mais digna de confiança do que todas as certezas que usamos como espadas morais.

Não afirmo, vejam bem, que esse caminho seja redentor, tampouco acredito que a dor nos torne melhores, como gostam de repetir aqueles que nunca a sentiram de verdade, eu só digo que a dor, quando despida do ódio, revela o que há de mais insuportável em nós: a fragilidade essencial, a carência de sentido, o medo de não sabermos o que fazer com a liberdade de já não odiar, e talvez seja por isso que continuamos a cultivar o rancor com tanto esmero — não por vingança, mas por medo de não saber quem somos sem ele, medo de que, ao baixar o punho, descubramos a mão vazia e, o que é mais triste, incapaz de acolher.

E agora, enquanto escrevo esta última linha, hesito se devo encerrá-la com um ponto ou com uma interrogação, porque não sei se a pergunta que me faço é também aquela que vai ficar com você, leitor: será que, livres do ódio, seríamos fortes o bastante para suportar aquilo que sobra de nós?