A tragédia em Gaza coloca em evidência a raiz da maioria dos conflitos que afligem e afligiram a humanidade, e em particular aquela região do mundo. Falo de maneiras de pensar distorcidas, visões de mundo irrealistas, preconceitos e medo.

É isso que políticos desonestos exploram na hora de pedir votos, e são essas patologias coletivas que tem colocado, ou colocaram, a extrema direita no poder, tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos, quanto em Israel e na faixa de Gaza.

É preciso, mais do que nunca, pensar diferente.

Em primeiro lugar, é preciso questionar fantasias. Às vezes é difícil perceber que fora do âmbito das nossas crenças particulares, compartilhamos, todos, a mesma realidade e o mesmo planeta. Essa universalidade complexa – as vezes até demais – quase sempre se contrapõe aos diversos nirvanas políticos, nacionalistas, religiosos e espirituais que somos ensinados e prometidos desde a mais tenra idade.

Essa realidade contraditória, muitas vezes de difícil assimilação, pode ser tolerada, mas a imposição de sonhos alheios quase nunca.

Não deveríamos nem estar falando da promessa de paraísos espirituais. O mundo já cansou de ver o que acontece quando tentam impor “escrituras sagradas” sobre a realidade: inquisições, jihads, fascismos religiosos e por aí vai.

Isso vale também para sonhos políticos e nacionalistas, que muitos na sua arrogância intelectual acham superiores às ilusões religiosas. Por exemplo, inúmeras pessoas acreditam que se a esquerda chegar ao poder mundialmente, haverá igualdade, justiça, paz, amor e prosperidade para todos num futuro utópico. A história prova o contrário. Governos de extrema esquerda não foram justos, não houve igualdade, nem paz, nem amor e muito menos prosperidade sob a sua guarda. Quando, na maior sinceridade, tentaram impor suas utopias igualitárias acabaram criando ditaduras terríveis, inclusive assassinatos em massa na União Soviética e na China. Invariavelmente, o resultado foi que a população acabou se voltando contra os sacerdotes daquelas fantasias. No outro extremo, o mesmo vale para o as promessas de pureza racial e nacionalista dos regimes nazistas e fascistas nos anos 30.

No ocidente atual, o sonho liberal do “estado zero” está se transformando num caos insuportável, com o disparo de desigualdades sociais, guerras, governos fascistas, pandemias e ódios raciais.

A tragédia em Gaza é o resultado final de mais uma incompatibilidade entre fantasias e a realidade. No caso, o sonho de dois povos de possuir exclusivamente o mesmo território. Por sinal, isso parece ser a especialidade da casa daquele recanto do mundo.

Volto a mesma frase: é preciso pensar diferente.

Foi Einstein que disse: ficar fazendo a mesma coisa e esperar um resultado diferente é um dos sinais de insanidade. De um lado, não é possível conceber de uma Palestina sem um estado Judeu, do outro não é possível conceber que os Palestinos irão algum dia aceitar a ocupação de seus territórios.

Não dá para continuar com um lado acusando o outro e achar que vai se conseguir algum resultado positivo depois de 75 anos de conflito. É preciso pensar em soluções, é preciso dizer chega! Existem várias vozes dizendo isso, mas elas foram caladas pelos clamores por linchamentos dos dois lados.

É preciso não ter medo de entrar num espaço desconhecido onde os dois lados confiem nas suas semelhanças enquanto seres humanos, se preocupam com os seus problemas em comum e se concentram em resolvê-los. É preciso arriscar novos caminhos.

Podemos extrapolar esse princípio para outras esferas. Enquanto vivemos numa realidade regada a redes sociais ecoando nossas fantasias, nossa torre de Babel está pegando fogo; há uma emergência climática sendo ignorada, milhões de pessoas passando fome, uma super concentração de renda com bilionários que não pagam impostos e uma montanha de aberrações que precisam ser resolvidas urgentemente. Não é pensando em moldes com prazo de validade vencido que vamos resolver isso.