Já tive umas boas brigas acerca do autor Shlomo Sand. Agora caído no esquecimento, esse ex-professor titular de história da universidade de Tel Aviv, enveredou por um caminho pouco popular no “establishment” Israelense e Judaico quando resolveu analisar a história do povo Judeu de maneira objetiva e científica. Raríssimos historiadores, tanto judeus como não-judeus, tinham se atrevido a trilhar esse caminho por causa dos pesados mitos religiosos, preconceitos e lendas cercando talvez o povo mais bizarro desse planeta, do qual eu faço parte. Esse assunto é um campo tão minado em Israel, que as principais universidades têm o curso de história judaica separado do curso de história universal.

Seu “A Invenção do Povo Judeu”, é um livro de fácil leitura, mas de difícil digestão para muitos. Nele, se descontrói vários mitos centrais tanto ao sionismo e quanto as religiões monoteístas. Para citar alguns exemplos, ele prova que o Talmud de Jerusalém foi escrito na Palestina na época em que, segundo a narrativa oficial, os Judeus estariam na diáspora expulsos pelos romanos, e que muito provavelmente nunca houve a expulsão dos Hebreus da Palestina. Ele também salienta que não há um hieróglifo que mencione Moisés nem o afogamento de um exército de um Faraó e que se analisarmos a história documentada, os seguidores de Moises teriam fugido do Egito para o Egito. Ele também apresenta inúmeras provas documentadas de conversões em massa para o judaísmo – e até rabínicas onde no final livro Esther se fala de conversões de populações inteiras ao judaísmo. Para o desgosto dos dois lados envolvidos no conflito em Israel, ele também mostra que há fortes indícios de que os Palestinos seriam os descendentes dos habitantes dos reinos Judaicos da antiguidade. Ha inúmeras outras descobertas interessantíssimas no livro, mas não estou aqui para vendê-lo.

Estamos aqui para falar sobre o tema central do livro, que agora se torna relevante não só diante dos acontecimentos em Israel, mas também nas suas repercussões pelo mundo. Falo de antissemitismo e da pergunta: quem são de verdade os Judeus?

As respostas são múltiplas, mas conclusão de Sand é interessante, esse povo é uma tapeçaria de etnias e culturas que adotaram uma religião por diversos motivos (que fazem parte de outra discussão).

Para ele, é como se tivessem escolhido alguns quarteirões em uma cidade multiétnica e dissessem; daqui para frente quem mora nessa área será considerado judeu. Quem já foi a Israel sabe que se observarmos o movimento nas ruas é impossível conceber que os judeus são uma etnia única, descendente da multidão que recebeu a Torah (compilada em Alepo, na Síria) sob uma montanha flutuante.

É nesse espaço de indeterminação étnica e histórica, que entra, segundo o historiador, talvez a influência mais determinante na formação de nosso povo: o olhar alheio. Através dos tempos, houve várias atitudes em relação ao Judeu; algumas de aceitação plena e amistosa, como em muitas partes do mundo Árabe, e menos na Europa. No entanto, o que mais observamos é a rejeição por parte dos locais e dos donos das terras aos apátridas de religião alternativa que, dependendo do tempo e do local, contradiziam o poder estabelecido.

A Inquisição, a necessidade de Igrejas de dar tons negativos os que não aceitavam suas doutrinas, muitas vezes a recusa de Judeus de irem à guerra por seus senhores, talvez o fato dos Judeus serem a primeira nação do mundo a possuir cem porcento de escolaridade, o sucesso financeiro e social de muitos Judeus com a chegada da renascença e do iluminismo, ou mais provavelmente a conjunção de vários desses fatores, criaram uma repulsa contra eles, ou algo que no século XIX seria denominado, talvez etimologicamente incorreto, de antissemitismo.

A ingestão desse olhar não só por parte dos outros, mas também da parte dos próprios Judeus, está profundamente enraizada na cultura ocidental e por mais que se ache que esse passado ficou para trás, volta e meia somos lembrados de que esse não é o caso, não só por não-judeus, mas internamente, como judeus.

Agora, quando o antissemitismo está no seu ápice depois da segunda guerra, de repente nos damos conta do quão judeus somos. Não por nossa culpa ou iniciativa, mas, como sempre, por culpa e iniciativa dos outros.

A meu ver, desde que nossos antepassados “viraram” Judeus, nossa maior luta tem sido a de sermos aceitos pelo mundo que nos rodeia (e não a de termos nosso Estado – isso também é assunto para outro artigo, complicadíssimo por sinal). Agora que temos Israel, sua maior luta é a de ser tratado como qualquer outro Estado.

Os tropeços de Israel são inúmeros, mas é inegável que, fora uns poucos amigos, Israel não é tratado como um país igual aos outros, assim como infelizmente percebemos em várias instancias, nós não somos tratados como qualquer outra minoria ou qualquer outro cidadão. É a história se repetindo, embora fantasiada de outra forma, e o antissemitismo mais uma vez nos moldando enquanto nação dentro e fora de Israel. Não deveríamos nos deixar afetar por isso, mas é difícil.