Quem frequenta as redes sociais e tem alguma simpatia por Israel não pode ter deixado de perceber o verdadeiro linchamento do país onde muitos de nossos familiares e amigos moram, e pelo qual tantos tombaram. O triste é que esses ataques muitas vezes vêm de companheiros na luta pela democracia que respeitamos e por quem temos apreço.

Mas não adianta, o antissemitismo é o racismo de estimação da esquerda. O arquétipo do judeu dinheirista, rico, capitalista e explorador é fortemente enraizado na cultura ocidental. Por causa dele, vemos gente que luta por igualdade social, por democracia e contra o racismo, ecoar esses preconceitos culturais; na hora de falar dos judeus e de Israel, perdem as estribeiras e o racional e não há argumentos que furem o bloqueio do preconceito.

Em seu livro “The Ecology of Freedom” o pai do anarquismo ecologico Murray Bookchin aponta para o fato de que preconceitos e hierarquias informais herdadas de geração em geração são o verdadeiro inimigo dos ideais progressistas. São por causa deles que as revoluções igualitárias não funcionaram e com certeza estão na raiz tanto da incapacidade de Judeus e Palestinos chegarem a um acordo quanto de grandes segmentos da esquerda mundial não conseguirem aceitar que existem dois lados que estão ao mesmo tempo certos e errados. Enfim…

Quando vi as primeiras imagens dos ataques do Hamas, sabia que a indignação seletiva de sempre viria à tona. Ela determina que quando Muçulmanos são mortos por outros, como os Sírios ou o Daesh, ou são torturados pelo governo Iraniano, são considerados pobrezinhos inocentes que acabaram envolvidos em guerras cuja origens de alguma forma são sempre relacionadas a Israel. Mas quando Israel está diretamente envolvido os cabelos púbicos começam a ser arrancados.

Dessa vez a histeria foi a alturas jamais vistas: um grupo terrorista invadiu outro estado matou 1400 pessoas, tomou mais de cem como reféns sabendo que as retaliações seriam severas. Depois, como sempre, usaram seus civis como escudos humanos e as suas mortes como instrumento de propaganda.

Se não houve empatia pela morte dos 1400 Israelenses, quando veio a resposta, simplesmente mencionar a barbárie que deu origem a tragedia é considerado como propaganda nazi-sionista como li em várias postagens. É deprimente, mas é isso.

O antissemitismo é velho. Embora simplista, ele sempre atraiu e uniu pessoas desavisadas tanto na esquerda quanto na direita. Ele vem em forma de uma simplificação de fácil assimilação para explicar complexidades econômicas e sociais em momentos difíceis. Diferente do racismo a outras minorias, vistas como inferiores, o ódio ao Judeu é visto como “justo”. Nele, tudo o que há de ruim e errado no mundo é relacionado a nossa gente. No nosso sofrimento fazemos com que os outros se sintam melhor por ter alguém relativamente indefeso para culpar pelos males que os assolam.

Isso fica patente nos julgamentos de Nuremberg onde o discurso de defesa dos carrascos era que estavam fazendo seu dever para o bem-estar do povo Alemão. Nas suas cabeças, se os Judeus desaparecessem, a tranquilidade voltaria não só a Alemanha, mas ao mundo.

Na atualidade, quando se discute o Oriente Médio na esquerda, a ideia retorna: se tirarem o Judeu, todos vão viver em paz. Isto simplesmente não é verdade. Em 1948 a área (que me desculpem os apoiadores da causa, mas não havia um país chamado Palestina), era uma de contenção entre os países vizinhos, e certamente continuaria a ser se tivessem expulsado os Judeus. Enfim, estou falando o óbvio tão fácil de perder de vista.

Terminado o desabafo acima, voltemos ao tema desse artigo: Como se posicionar como um Judeu progressista – e no meu caso como um ‘yid’ pouco convencido pelo sionismo – diante da monstruosidade, e continuar ativos e fiéis aos nossos princípios no meio de tanto preconceito?

Vou atentar uma resposta: me parece que além da batalha acontecendo no terreno, há duas outras guerras, tão ou mais importantes, sendo travadas; uma por corações e mentes dos não envolvidos, e outra do discurso de paz contra o de guerra.

Para mim as duas são uma coisa só. Para caminharmos em direção a uma paz justa e duradoura, não dá para nem palestinos (ou Árabes), nem israelenses (ou judeus) continuarem com as mesmas premissas e os discursos de sempre, basicamente o “eu estou certo e ele está errado”.

A premissa tem que ser “Chega!”

É evidente que essa mudança de paradigma não pode ser feita unilateralmente, mas é preciso, mais do que nunca, de um movimento dos dois lados – de preferência de todos os lados – dizendo que este ciclo de mortes e desgraças tem que parar. E é aqui que entra o confronto ao antissemitismo, e a islamofobia heranças peçonhentas de um passado que devemos enterrar. Todos temos que nos engajar numa batalha da civilização contra a barbárie.

Como judeus, temos que permanecer firmes na denúncia não só do Hamas e do que ele representa mas também do governo Netanyahu e do que ele também representa. Mais importante, como seres humanos, devemos zelar pelo futuro do planeta e trabalhar para pôr fim nesse e tantos outros conflitos, golpes, pandemias, tragedias ecológicas e fome que pipocaram pelo mundo depois da implantação do caos pós-neoliberal.

Nossa batalha transcende o conflito Israel Palestina, mas uma resolução pacífica e racional dele seria um grande passo para começar a curar o mal do qual o nosso mundo padece.