Resta pouco para se falar de Yasser Arafat. Quase tudo que havia para ser dito já foi publicado. Dependendo de que lado do espectro ideológico se encontre o autor fica-se sabendo que ele foi o pai da nacionalidade palestina e/ou um terrorista assassino, apenas para resumir.

Talvez um aspecto que ainda não tenha sido descrito da vida deste homem seja o que sempre mais me chamou atenção, sua lealdade. Arafat foi uma das pessoas mais leais de quem já tomei conhecimento. Nunca abandonou seus amigos, nem nos piores momentos, o que explica a razão pela qual apoiou Saddam Hussein na guerra do Golfo. Arafat não abandonou aquele que sempre esteve ao lado do povo palestino, nem mesmo quando isto significou estar do lado errado do conflito.

Arafat sempre foi uma pessoa leal. Sem dúvida o mais leal de todos os palestinos para com seu povo. Tamanha lealdade o afastou de sua esposa e filha. Foi por causa de sua lealdade que se manteve confinado em Ramála, quando poderia talvez, ter abandonado o local para continuar sua luta e tratar de sua saúde. A lealdade para com o seu povo falou mais alto e a Muqata foi sua última residência por mais de três anos, símbolo de sua resistência contra a ocupação esraelense.

Como explicar tamanha lealdade é algo muito difícil. Na sua trajetória de refugiado palestino no Egito a sua ascensão como líder da Organização para Libertação da Palestina, OLP como ficou conhecida, Arafat conheceu os manipuladores da causa palestina e soube conviver com eles. Muitos foram os que quiseram se aproveitar de sua causa, poucos os que tiveram o seu reconhecimento e sua lealdade.

O fato mais enigmático do exemplo de lealdade deste homem foi sua real admiração por Itzhak Rabin. Talvez a chave para se compreender sua postura se encontre na estreita relação de companheirismo que ele encontrou naquele que foi durante muitos anos seu pior inimigo. Arafat viu em Rabin um parceiro para a paz e foi leal a ele até sua morte cumprindo rigorosamente os acordos que haviam assinado. Foi com Rabin que recebeu o premio Nobel da Paz. Estivesse vivo, Rabin ao lado de Arafat teriam sido os responsáveis pela solução do conflito.

Muitos outros israelenses tiveram em Arafat um interlocutor leal. Ninguém esteve mais perto dele do que Uri Avnery, líder do Gush Shalom, que desafiou todas as leis que baniam o contato de israelenses com a OLP, para se encontrar com ele. Avnery foi o responsável por desmistificar aquele que era apontado como um monstro, trazendo para a sociedade israelense a verdadeira face de Arafat, a de um homem comum que lutava por uma causa justa. Alguém com quem se poderia alcançar um acordo de paz que seria respeitado e reconhecido pelo povo palestino. Arafat sempre fez questão da mostrar a todos sua amizade incondicional por Avnery, um sionista socilaista.

Arafat teve de vencer muitas batalhas para tornar a causa palestina uma causa reconhecida. Como nós um dia, um povo sem uma pátria, uma nação sem um território. Os palestinos devem a ele sua nacionalidade. Para isso teve de sucumbir muitas vezes aos revezes que a lealdade produz. Não pode combater aos remanescentes da luta armada por sua condição de lealdade para com todos os filhos de seu povo. Como um pai, não soube dizer não aos filhos mal comportados. Pagou um alto preço. Foi renegado por aqueles com quem deveria buscar um acordo de paz que o responsabilizaram pela continuidade do terrorismo e sua credibilidade passou a ser questionada.

Os grupos armados souberam se aproveitar de sua maior virtude, e ao mesmo tempo sua maior fraqueza. Arafat jamais permitiria que palestinos lutassem contra palestinos iniciando uma guerra civil entre irmãos da mesma causa. Sua lealdade custou-lhe sua representatividade como interlocutor da paz.

Tamanha lealdade nos faz pensar se estamos diante de um grande líder, ou de um visionário sonhador que se deixou levar pelo idealismo exacerbado ao invés do pragmatismo ideológico que já poderia ter levado a criação do Estado Palestino. Arafat foi um visionário pragmático que não soube renegar aos princípios que sempre nortearam sua vida em nome do que sempre imaginou que um dia veria concretizar: o Estado Palestino. Primeiro imaginou o Estado Palestino no lugar do Estado de Israel, e mais tarde em Gaza e na Cisjordânia. O que prova sua capacidade de adaptar-se a realidade sem comprometer seus ideais e compromissos para com seu povo.

Muito ainda há de se escrever sobre Yasser Arafat. Herói ou vilão? Honesto ou ladrão? Pacifista ou terrorista? Tudo isso vai ser apontado por aqueles que o amaram de um lado, e que o odiaram de outro. No entanto nunca poderão dizer que ele não tenha sido uma das pessoas mais leais que já conhecemos. Seu exemplo de lealdade é o ensinamento maior de seu legado para todos nós que nos importamos em acabar com o conflito.

Foi sua lealdade para com a causa palestina que o elevaram a ser reconhecido por todos como um estadista, e a causa de seu ostracismo no final de sua vida. A lealdade pode ser uma grande virtude, mas como vimos em Arafat, pode ser também uma faca de dois gumes. Em algum momento a lealdade sobrepujou a causa e hoje ao perderem o pai de sua causa o Povo Palestino se pergunta o que virá agora. Serão capazes de se tornarem leais ao caminho da paz e da reconciliação, ou se deixarão levar pela lealdade ao espírito da vingança, da revanche e da guerra?