Uma vitória para a democracia e os direitos humanos, mas uma vergonha para a suprema corte do Brasil. O resultado do julgamento do Hábeas Corpus do revisionista Siegfried Ellwanger mostrou a todos o perigo que representa o anti-semitismo, presente em todas as camadas sociais do país.

Por oito votos a três, o STF não apenas negou o HC, mas nos deu uma lição de tolerância, e também de intolerância, expressada no voto e comentários de alguns ministros. O mais estarrecedor deles, o de Carlos Britto ao confirmar seu voto a favor do acusado. Para ele, sequer houve tipicidade, ou seja, Ellwanger um bom homem de 75 anos, trabalhador, inventor, pesquisador e historiador, não cometeu crime algum.

O mais preocupante foi Carlos Britto afirmar que Ellwanger está correto ao afirmar que é anti-sionista. Se a maioria dos países é contra esta doutrina racista, como se pode acusar o “bom homem” de ser racista? “Ele mesmo declara não ter nada contra os judeus”, afirmou Britto numa clara e inequívoca demonstração de simpatia pelo nazista, apressando-se em declarar que não concordava com o conteúdo do livro.

A fala deste ministro me faz lembrar a tese infalível de que todo anti-semita tem um amigo judeu. Se alguém disser que é anti-semita e afirmar que não tem ao menos um amigo judeu, pode estar certo de que se trata de um falso anti-semita.

Escutar da boca de um juiz do STF,entre outras coisas, que o “Holocausto Judeu ou Alemão?” é um livro opinativo, desconhecendo o movimento revisionista internacional, é simplesmente revoltante e repugnante para dizer o mínimo. Afirmar que se trata de uma mera pesquisa histórica é desconhecer a história. Comentar que se trata de uma visão diferente dos fatos é assassinar a memória de seis milhões de judeus e de todas as vítimas do nazismo. Enaltecer as qualidades de quem o escreveu é associar-se ao mesmo.

O Ministro Marco Aurélio de Melo ao proferir seu voto favorável a concessão do Hábeas Corpus a Siegfried Elwanger, disse textualmente que a Constituição Brasileira de 1988 foi escrita para os Brasileiros. Disse também que após extensiva pesquisa, concluiu que a Lei Caó (Lei Anti-Racismo) foi escrita para proteger apenas aos negros, e sendo assim, os judeus não podem ser contemplados por este artigo que protege tão somente uma minoria explícita na lei.

Para meu espanto, depois de 45 anos de cidadania brasileira, descobri que um ministro do STF me declarou apátrida. Como sou judeu, não possuo proteção constitucional alguma, uma vez que além de judeu sou branco e as manifestações anti-semitas não são proferidas contra os negros e tampouco contra os brasileiros. Minha cidadania deve conformar-se com os deveres e obrigações que a constituição me obriga por aqui ter nascido, mas devo me excluir de sua proteção e dos direitos que ela confere se quiser me manter fiel a minhas origens que datam mais de três mil anos de história.

Como não é meu desejo negar minhas origens, não me resta alternativa segundo o Ministro Marco Aurélio de Melo, senão me conformar em me reconhecer como um cidadão de segunda categoria, ou me considerar não mais um cidadão brasileiro. Tem razão o ministro ao afirmar que este foi o mais importante julgamento do STF nos últimos 13 anos (período em que lá está). Ele sem dúvida será lembrado por este julgamento, não pela notoriedade do resultado mas pelas afirmações demagógicas e sectárias que expôs durante a justificativa de seu voto a favor do réu.

Felizmente ele foi voto vencido e continuo com muito orgulho sendo um judeu-brasileiro com os mesmos direitos e deveres de todos os cidadãos. Protegido pela mesma lei que protege a todas as minorias, sou parte desta sociedade que procura fazer do Brasil um país melhor para todos os brasileiros.

A maior lição que fica deste julgamento, é a de que a sociedade não está livre do preconceito em nenhuma de suas instâncias. O desprezo do homem para com seus semelhantes existe em todos os poderes constituídos para zelar pela democracia, pela igualdade de direitos e deveres e pela observância dos direitos humanos.

O Brasil possui uma diversidade de povos e etnias que compõe uma sociedade pluralista como poucos países. Há muitos anos que buscamos manter nossa harmonia social respeitando e incentivando nossa maravilhosa composição cultural. Ano após ano, melhoramos o respeito às minorias procurando incentivar a integração delas na sociedade. O resultado deste julgamento vitorioso contra as forças do ódio racial, mostra que a luta deve continuar até o dia em que tenhamos na justiça a unanimidade de que todos somos iguais.