Pessach sempre foi minha festa judaica predileta. A história de Moisés e a luta de meu povo para deixar o Egito, exerceram uma grande influência na minha formação humanista. O fato de ser uma festa pela liberdade com conotações laicas e religiosas, que atendem a todos os segmentos da comunidade judaica, faz dela um reencontro com nossas raízes universais.

Neste ano, vamos comemorar Pessach sob o impacto de duas guerras no Oriente Médio. A do Iraque que acaba de tirar a vida de jornalistas e civis que estavam próximos de onde supostamente Sadamm estaria reunido com seus filhos, e nos territórios ocupados, onde um F-16 tirou a vida de civis junto com o militante do Hamas que pretendiam assassinar.

Há poucos dias uma menina de 14 anos foi morta em meio a um assalto ao Metro do RJ. Algumas pessoas dizem que infelizmente ela estava no lugar errado, na hora errada e por isso foi vítima de uma bala perdida. Eu não concordo. Nem ela, nem os civis iraquianos e palestinos e tampouco os jornalistas em seu Hotel em Bagdá estavam errados. Todos tinham o direito de estar naqueles lugares. Errados estão os seus algozes. Aqueles que atiraram sem se importar com os efeitos de suas balas.

Hoje me deparei com mais uma notícia estarrecedora nos jornais de Israel. Um grupo judeu que se denomina “Vingadores das Crianças”, plantou uma bomba que explodiu em uma escola palestina ferindo 15 delas, 3 seriamente. Se para nós os terroristas são a escória da humanidade, já temos com o que nos preocupar: nossa própria escória. Quanto tempo vai levar para que os EUA os incluam entre os grupos terroristas que devem ser combatidos?

O grande problema dos conflitos que envolvem os seres humanos é que sempre acabam descambando para a carnificina pura e simples. Primeiro atiram nervosamente nos seus próprios companheiros no chamado Fogo Amigo. Depois atiram nas pessoas que supostamente não obedeceram ao sinal de parar. A seguir disparam em tudo que se move. Finalmente jogam suas bombas sobre um objetivo sem se importar com as casualidades civis no que se convencionou chamar cinicamente de Efeito Colateral.

Efeito Colateral é o eufemismo para justificar a morte dos parentes dos outros. Se fossem alguém próximos de nós, a denominação seria de crime hediondo. Não me lembro de alguém ter justificado o 11 de Setembro como Efeito Colateral. Talvez Bin Laden o tenha feito mas para todos os parentes, conhecidos e até desconhecidos entre os quais me incluo, foi um crime inominável.

Para nós judeus, a liberdade tem um significado especial. Somos um povo com cerca de 3 mil anos de história. Tivemos nosso lugar nacional e mesmo sendo de lá expulsos, vagando por todos os cantos da terra, reconquistamos nossa liberdade e nossa independência política. Pessach é o símbolo de tudo isso. Mostra nossa luta como escravos para alcançar a liberdade e nossa determinação em possuir um lar que foi a terra prometida mas que chamamos de Israel.

Hoje existe mais um povo lutando por sua liberdade e o estabelecimento de seu lar nacional. Não mais para nos destruir mas para conviver conosco lado a lado. Um povo sofrido cuja história quis o destino, se misturasse com a nossa. Os palestinos são semitas como nós e desejam o mesmo que buscamos ao sair do Egito: um lar nacional.

Pela nossa história temos a obrigação moral de sermos os primeiros a lhes reconhecer este direito. Temos de ter a humildade de cedermos os territórios que ocupamos para que ali se estabeleçam como um povo livre.

Não temos o direito de nos transformarmos num povo de Faraós. Somos o povo do livro. O povo que conheceu todo tipo de perseguições e tentativas de aniquilamento total. Ainda assim sobrevivemos e continuamos ano a ano contando nosso passado para as próximas gerações. Não apenas para asseguramos um futuro melhor, mas principalmente para não permitirmos que aqueles sofrimentos se repitam.

Neste Pessach só posso desejar que a liberdade seja um bem de toda a humanidade que possa ser alcançada por todos os povos que anseiam livrar-se da opressão, como dela se livrou o meu povo liderado por um homem chamado Moisés.

Que em todos os lares judaicos se levante um copo de vinho pela paz e a convivência pacífica entre os povos do mundo.