Quando mais um ano do calendário judaico tem inicio, nós judeus nos sentimos orgulhosos de pertencer a um povo que já conta com 5762 anos de história. Hoje, véspera de 5763, num dia primaveril de Porto Alegre, apesar do inverno ainda se fazer presente, tento rever o significado deste momento.
O primeiro dia do ano sempre foi comemorado em família. Este primeiro legado da nossa tradição mostra que ela é o centro de tudo. Recordo que quando era pequeno e meus pais me levavam pela mão até a casa de minha avó, eu ia ansioso por rever meus primos, tios e familiares. Era um momento mágico num tempo em que poucos tinham telefone ou carro. Poder ver a todos de uma vez, era uma grande alegria.
Esta alegria se mantém até o dia de hoje. Muitos que faziam parte daquela mesa não se encontram mais entre nós. Por outro lado, existem muitas caras novas. Nós os pequenos, nos casamos, tivemos filhos e hoje somos nós a trazer nossos filhos para a janta.
Sei que um dia a muito tempo, algum parente meu por alguma razão teve de deixar a terra de Israel. Não sei o seu nome e tampouco que foi. Apenas uma certeza, era semita. Tampouco sei para onde foi ou em que condição ocorreu sua saída. Muitas gerações depois,
meu avô por parte de pai na Rússia, viu-se obrigado a tomar um navio para a América Latina. Seus irmãos mais velhos eram Bolsheviques que ajudaram a fazer a revolução. Entretanto sua condição judia fez com que seus próprios companheiros perseguissem a eles e a toda a família. No Brasil veio para o sul e aqui constituiu família.
Meus avós por parte de mãe vieram separadamente no final dos anos 20 e inicio dos anos 30 deixando Varsóvia na Polônia. Resolveram acreditar no alemão que dizia que não deixaria nenhum judeu vivo na Europa. Desta forma minha mãe aqui chegou com apenas 4 anos.
Eu nasci em Porto Alegre 44 anos atrás. Aqui cresci, estudei, casei com a Sandra e emigrei para Israel em 1980. Minha primeira filha nasceu no Hospital Hadássa em Jerusalém. Para mim foi um momento sublime. Primeiro pelo nascimento dela, e em segundo porque senti que encerava uma longa jornada que teve inicio com aquele meu parente que um dia deixou aquela terra. Era como se estivesse vendo um círculo se fechar. Um ciclo histórico de milhares de anos que naquele momento com o nascimento daquela criança, era encerrado.
Quis o destino que eu voltasse ao Brasil em 1986. Minha segunda filha, Hadas (nome de uma flor de Israel), nasceu aqui. Demos este nome como uma forma de nos lembrarmos todos os dias da terra que tanto amamos e para onde um dia esperamos voltar. Todos nós somos israelenses. Temos dupla cidadania.
Esta dupla cidadania nos faz sentir especiais. Adoramos o Brasil que recebeu a nossos pais e tudo nos deu. Adoramos a terra de nossos antepassados com a qual nos identificamos sem que isso nos divida. Ter dois passaportes é um orgulho muito grande.
Tendo contado esta pequena história de minha vida, gostaria de que todos vocês que lêem meus artigos, pudessem estar de alguma forma presentes amanhã, em minha mesa durante a comemoração do ano novo. Eu, com certeza, vou tê-los a todos comigo ao desejar que este novo ano traga somente alegrias e saúde para que possamos construir um mundo melhor.
Que a tolerância e o amor à vida estejam presentes todos os dias neste ano que se inicia. É o que eu e minha família desejamos a todos as pessoas de boa vontade.
Shaná Tová.