A tolerância é sem dúvida uma palavra difícil de se conviver. Quem é tolerante? Qual o grau de tolerância que nos satisfaz? Pode-se admitir a meia tolerância? Será que somos capazes de definir quem é, e quem não é tolerante?

Com este dilema na cabeça, comecei a refletir sobre várias questões que me tocam. Tenho duas filhas, será que serei tolerante com quem elas escolham para namorar? E se resolverem casar com um não judeu, será que vou tolerar esta decisão? Um conhecido meu assumiu sua homossexualidade. Será que minha relação com ele vai mudar? Se o convidar a minha casa terei de admitir que ele traga seu companheiro. Se eles se beijarem na frente da minha família, poderei tolerar este gesto?

Já estava me encaminhando para um curto-circuito neural quando me deparei relacionando tolerância com algumas questões do Oriente Médio. Participando da platéia de um debate sobre os Caminhos Para a Paz a poucos dias atrás, recordei que entre os debatedores, um judeu e um palestino, eles também deviam ter se deparado com este mesmo dilema quando se prepararam para falar neste evento. Havia também um padre católico.

De um lado, o debatedor judeu procurou demonstrar as origens históricas do conflito demonstrando nossas relações amigáveis com os árabes ao longo dos séculos. Mostrou de que forma se deu a independência do Estado de Israel e culpou aos países árabes pelo problema dos refugiados palestinos.

De outro, o debatedor palestino procurou demonstrar as mesmas boas relações entre árabes e judeus, e quis demonstrar que os palestinos são hoje a grande vítima deste conflito. Estão sob ocupação, não podem se locomover, suas terras são confiscadas, suas casas destruídas, seus filhos assassinados etc.

O que eles não disseram, ou quiseram omitir (não intencionalmente), foi que a milícia do Stern através do massacre da aldeia de Deir Yassim ajudou em muito para que milhares de palestinos abandonassem suas casas com medo de sofrerem a mesma sorte, tornando-se refugiados. Também não disseram que os atentados terroristas praticados por palestinos contra civis inocentes ao longo de toda sua luta (inicialmente para destruir o Estado de Israel) também não são atitudes de quem se diz uma vítima.

O que deveria ser um debate de propostas para o Caminho Para a Paz, ou seja, uma demonstração de tolerância, trouxe a baila uma aula de intolerância. Não fosse a presença do padre católico e a noite teria sido mais uma batalha entre quem representa o bem e quem representa o mal. Talvez os debatedores não tenham compreendido a intenção dos organizadores, foram mal informados, se deixaram levar pela emoção etc. O fato é que ser tolerante é algo, inicialmente muito doloroso para os principiantes nesta área.

Tolerar significa exorcizar muitos fantasmas que nos atormentam. Às vezes é como ter de engolir um sapo a cada palavra. Não é fácil fazê-lo quando de um lado alguém nos traz as imagens do resultado da explosão de um homem-bomba, e de outro as imagens do enterro de crianças vítimas de uma bomba de uma tonelada jogada sobre elas.

Acredito que a capacidade de tolerar é um exercício diário de paciência e perseverança. É preciso refletir sobre as conseqüências da intolerância para se chegar próximo da tolerância. Estas conseqüências são sempre maiores do que possamos admitir. São trágicas e deixam marcas difíceis de cicatrizar. A intolerância, o fato de não admitirmos que alguém possa estar sofrendo tanto quanto nós, nos leva a crer que somos únicos na nossa dor.

Somente quando percebemos que o outro lado também está sofrendo, e que sua dor não é maior ou menor, mas exatamente igual a nossa, é que podemos afastar o ódio que nos conforta. Quando isto ocorre, então começamos a ser tolerantes. E ao admitir que eles são iguais a nós, o ódio dá lugar à razão. Neste momento nos tornamos melhores.

Para alcançar a paz, palestinos e israelenses tem de reaprender a ser tolerantes. Esquecer o passado de eternas vítimas da história e passar a ser protagonistas de seu futuro. Um passo neste caminho é admitir que todos nós cometemos erros e atrocidades. Isto fará parte do passado. O futuro que vamos construir não será baseado nela. Vamos criar as bases de dois estados para dois povos vivendo em paz lado a lado. Um exemplo único de tolerância em favor da reconciliação.

Evidentemente que isso não será uma tarefa fácil. Nossos fantasmas vão continuar a nos atormentar por muito tempo. Vai ser preciso engolir muitos sapos. Retirar colônias, aceitar compartilhar nossa capital, tudo será muito doloroso. Mas os palestinos vão ter que fazer o mesmo. Acabar com os grupos terroristas e reintegrá-los a sua sociedade, abdicar do direito de retorno de cerca de 3,5 milhões de refugiados para seus antigos lares dentro de Israel também vão causar muita dor.

Nenhum de nós tem diante de si um problema de fácil solução. Mas se cada um tratar de compreender ao outro. Tentar ser a cada dia um pouco mais tolerante, isto se realizará de uma forma menos traumática. Temos de aceitar nosso futuro em comum. Compartilhar da mesma região, onde cada povo em sua terra irá conduzir seu destino. Destino este que vai permanecer interligado até o fim dos nossos dias.

Eu estou me esforçando, tentem fazer o mesmo. Desta forma estaremos construindo um mundo melhor.