Antes de tudo, e que fique muito claro para quem começa a leitura com as certezas já afiadas como lâminas de vaidade, este texto não pretende absolver ninguém, nem condenar com a tranquilidade dos juízes bem pagos, o que se fará aqui é apenas o gesto antigo e perigoso de ligar pontos, porque os pontos existem e foram traçados não por mim, que apenas os sigo, mas pela própria história, que às vezes parece empenhada em repetir-se com variações de cenário e sangue, e se há algo que me move nesta escrita é a teimosa convicção de que o passado não passou, ele apenas aguarda uma brecha para entrar outra vez pela porta que nunca foi trancada.

O primeiro ponto se encontra na Noruega, fevereiro de 1943, sete homens deslizam montanha abaixo como sombras armadas não de glória, mas de urgência, e o nome do lugar é Vemork, fábrica de água pesada, elemento essencial para a bomba atômica que o regime nazista, assassino e delirante, sonhava construir, e que não construiu, ao menos não a tempo, porque aqueles sete decidiram que às vezes basta destruir um detalhe para salvar o mundo inteiro, não houve discursos, só o estrondo, e depois o silêncio da neve cobrindo o que restou da estrutura, e o que se ganhou com isso foi tempo, o suficiente para que a guerra seguisse seu curso sem cair de vez no abismo atômico, embora, sabemos, não demorou para que outros o inaugurassem em Hiroshima.

O segundo ponto está mais perto, mais quente, mais meu, outubro de 2023, Israel, o país que é meu e não sei mais como habitá-lo sem interrogações, foi rasgado por um ataque vindo da faixa de Gaza, sim, foram eles que dispararam, mas os que vivem aqui e não apenas visitam as manchetes sabem que aquilo não começou naquele dia, começou muito antes, nos escombros deixados onde um lar já foi, nos postos de controle que se multiplicam como fungos sobre feridas, nas décadas em que um povo foi tratado como hóspede indesejado em sua própria casa, e se o leitor espera aqui uma justificativa, engana-se de rumo, não se justifica o horror com o horror, apenas se tenta compreender o que o causou, e compreender é, muitas vezes, o verbo mais maldito que se pode conjugar em tempos de guerra.

O terceiro ponto surge em 2025, drones lançados da própria Rússia contra alvos russos, sim, leu bem, a Operação Teia de Aranha, nome que quase faz rir não fosse o que deixou debaixo dos escombros, aeronaves que transportariam, talvez, a mais grave das ameaças, destruídas por engenhocas pequenas e silenciosas, lançadas de caminhões que estavam ali havia meses, à espera, e não houve alarme, nem radar, nem satélite que visse, porque quem oprime esquece de olhar para dentro, e os ucranianos, com suas mãos calejadas e sua esperança ferida, souberam tecer a emboscada como quem aprendeu que, quando não se tem exército, resta a astúcia, e quando não se tem o direito, resta a urgência.

E é quando se olha esses três momentos, tão diferentes e tão iguais, que se entende que há um padrão, uma simetria de dor e resposta, de arrogância e ruptura, e que nenhum muro, nenhuma cúpula de ferro, nenhum tratado de defesa ou tecnologia de vigilância impede aquilo que fermenta em silêncio por décadas até encontrar sua hora, e se o leitor ainda crê em segurança absoluta, que continue acreditando, mas que o faça com um olho sempre aberto, porque o outro, mais cedo ou mais tarde, será fechado pela realidade.

E agora, ao fim desta linha que não é reta mas curva, como são todas as coisas humanas, deixo o ensinamento que me veio de casa, meu pai que nunca foi homem de grandes frases, mas que dizia, sempre que ouvia falar de justiça ou vingança, que é melhor um mau acordo do que uma boa demanda, e talvez seja só isso que ainda possa salvar-nos de repetir, com nova tinta e novo sangue, as mesmas histórias que fingimos não ver.