Assim como o racismo contra os negros não tem fim, o mesmo parece ocorrer com o antissemitismo com uma história de dois mil anos. Quando fiquei sabendo dos livros do Mauro Nadav sobre o ódio aos judeus tanto na esquerda como na direita, fiquei curioso com os novos estudos sobre um velho tema. Ao ser convidado para fazer uma resenha, fiquei contente, pois assim saberia que iria mesmo ler e aprender. Estudar mais sobre o antissemitismo não é agradável, mas é preciso pois o desagradável é importante, ou muito importante. O livro “O socialismo dos tolos: antissemitismo e a corrosão dos valores de esquerda” começa pela origem da expressão “socialismo de tolos”, sobre a qual muito li mas desconhecia sua origem. O importante líder de esquerda da Alemanha, August Bebel, foi quem disse, no final do século XIX: “Na verdade, o antissemitismo é o socialismo dos tolos”. É uma declaração sobre a ideia de que a “riqueza” e o “poder” judaicos são a fonte de toda injustiça social. Bebel concluiu: “Nossa luta é contra sistemas de opressão, não contra grupos étnicos ou religiosos. O momento em que aceitarmos dividir a classe trabalhadora com base em religião ou etnia, teremos traído tudo pelo que lutamos”. Bebel, ao morrer em 1913, foi saudado por Lenine e outros líderes mundiais, pois dedicou sua vida pela luta socialista. A leitura é muito agradável porque há detalhes do clima, dos espaços no qual ocorrem os diálogos, num estilo que desperta o interesse do leitor.

Gostaria de transcrever todo o sumário para que se tenha uma ideia do quanto o autor estudou nos mínimos detalhes a incrível história de como se formou o antissemitismo na esquerda. O primeiro capítulo é: “O Socialismo dos Tolos – Das Origens à Contemporaneidade”.

Já o segundo é “As três características fundamentais do antissemitismo de esquerda”. Já o capítulo quatorze é sobre o novo antissemitismo na Europa, e seguem mais doze capítulos. Ao terminar a leitura, me dei conta de quanto foram feitas novas investigações sobre o velho tema. Há muito para se aprender sobre um tema que nunca será agradável, mas hoje é mais necessário do que nunca. O antissemitismo num sentido é democrático, pois, mesmo estando mais à direita (fascismo e nazismo mantêm uma fraternidade), ele integra certa esquerda sim, a começar por Stalin, que perseguiu e mandou matar judeus como o escritor Isaac Babel e médicos judeus.

Na leitura do livro lembrei de uma história que nunca escrevi, mas um dia em Israel minha irmã Gladis comentou. Era o final do mês de maio de 1967, quando já se anunciava a guerra entre o Egito e Israel, quando foi organizada na Faculdade de Direito da UFRGS uma conferência com debate que estaria a cargo de um importante líder de esquerda que era judeu. Alguém me avisou que eu deveria ir, pois alguém precisava debater, em tempos que se debatia mais que hoje. Fui, é claro, e havia um bom público com alguns intelectuais como Marco Aurélio Garcia, que viria a ser um assessor importante do presidente Lula. Israel era definido na época como sendo a ponta de lança do Imperialismo Americano. O conferencista falou por quase uma hora, quando destacou a importância de Gamal Abdel Nasser, líder egípcio, importante no chamado Terceiro Mundo. O clima todo era contra Israel e a favor do Egito, como se fosse uma partida de futebol. Curioso que o Marco Aurélio levou um radinho de pilha, pois escutava a partida de futebol de São Paulo X Internacional, e, quando saiu o gol de Lambari batendo uma falta, ele comentou baixinho. Terminou a conferência e ocorreu um silêncio na plateia. Fiquei quieto aguardando que alguém falasse, mas o tema não era fácil, afinal, o Oriente Médio na época era muito distante.

Levantei a mão depois de um bom tempo, e logo me passaram a palavra. Disse algo mais ou menos assim (afinal, faz quase sessenta anos): “Nasser está sendo muito exaltado, mas desejo recordar o que ocorreu em 1964 quando o líder soviético Nikita Kruschev veio inaugurar a barragem de Assuã. Poucos dias antes de sua visita que durou dezesseis dias, Nasser ordenou a libertação de centenas de presos comunistas e de esquerda. Portanto, se estivéssemos lá talvez poderíamos estar entre os presos”. Logo se estabeleceu um debate, um belo debate que minha irmã Gladis nunca esqueceu. Em 1967, Mauro Nadav talvez não tivesse nascido ou era um menino, e parte da esquerda já não gostava de Israel. O livro se recomenda por si. Leiam o sumário, uma página ou pouco mais, e logo verão que é um estudo indispensável.

Kol Hakavod – com todo o respeito – Mauro Nadav, missão cumprida!