Sempre gostei da expressão números primos, pois reúne duas palavras especiais – número e primo. Antes de amar as palavras eu amei os números e adorava fazer contas de cabeça, resolver problemas de matemática, ler e reler o livro “O homem que calculava”. Lembrei dessa expressão a partir da palavra primo, pois hoje, dia 23 de março, um primo querido estaria fazendo 88 anos. Se eu fosse espírita escreveria uma carta para ele e amanhã iria pôr na caixa de Correios do Centro Espírita da rua Caju em Petrópolis. O primo adorava ser chamado de Mico, pois esse apelido o ajudava a ser humilde diante de tantas conquistas impensáveis.
Um dia nos encontramos na frente do Palácio da Neurose em frente à Santa Casa de Misericórdia e comentei com ele o título da revista “Shalom” dirigida pelo primo Marcão. Na capa da revista tinha a foto do Mico e escrito: “Do Bom Fim ao mundo”, e ele não gostara pois achou muito exagerado. A matéria foi uma entrevista de duas horas que fiz com ele sobre sua vida como médico e escritor, onde falamos sobre o País, literatura, judaísmo e seu último livro, “O centauro no jardim”, obra que o consagrou no exterior, até mais do que no Brasil.
Os familiares e amigos do Mico já sabem que estou me referindo ao imortal Moacyr Scliar. Imortal, pois foi aceito na Academia Brasileira de Letras por unanimidade, com um só voto de abstenção que foi, quase certo, de Paulo Coelho. O primo tinha criticado o quanto ele copiava histórias sem dar a fonte.
A Tia Sara era a mãe do Moacyr, como professora estimulou o filho a escrever desde criança em papel de pão. Nunca conversamos muito, mas sempre foram conversas marcantes sobre literatura, psicanálise, o mundo em geral. Ele era preocupado com a beleza das frases, cuidadoso com o uso das palavras. Nunca gostou muito do que eu escrevia até o livro “Quem pensas tu que eu sou?” de 2008. Aí me enviou um e-mail no qual escreveu: “Agora estás em outro nível”. Numa frase ele apoiou meu desejo de aprender a escrever, e aí passei a ser entusiasmado por números e palavras.
Agora me ocorreu escrever um e-mail para ele, que chegará a todos que o conheceram, ou aos que o leram, e quem sabe a mais gente. E-mail foi a forma na qual mais conversamos, e toda semana, durante anos, eu comentava por e-mail sua crônica na “Folha de São Paulo”, que fazia a partir de uma ocorrência qualquer. De uma nota ele inventava uma história engraçada. Então aí vai o e-mail:
“Querido primo, tu fazes muita falta aqui na Terra, no Brasil e na nosso Porto Alegre. Estás fazendo 88 anos, logo, saibas que teus familiares, amigos e leitores não te esqueceram. Tua querida Judith com seu irmão Gabriel cuidam muito da edição dos teus oitenta livros, mais ou menos. Obrigado por tudo, és imortal de verdade, gratidão sempre por tuas inúmeras críticas, e saibas que, ao morreres em 2011, eu pensei, com dor, que morria a quem eu pediria o prefácio do livro ‘Humor é coisa séria’. Mico, acho que gostarias dele que até ganhou um prêmio literário. Gratidão, amigo, sempre, segues sendo lido e quando sinto saudades tuas releio “O Texto ou: A Vida- uma trajetória literária ou um conto ou ensaio. Feliz aniversário, Mico”.