por Charles Schaffer

Ainda em final de 2024, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal do Brasil, relator do inquérito das fake news, ordenou que a Rumble e a Trump Media & Technology Group, proprietária da rede social Truth Social, removessem contas de perfis ligados à extrema-direita, acusados de disseminar discurso de ódio e desinformação.

A ordem incluía o bloqueio de contas específicas, o seu acesso por brasileiros, a indicação de representante legal no Brasil (conforme a lei determina), sob pena de multas, inclusive relativas a descumprimentos de ordens anteriores. Em particular, o alvo era Allan dos Santos, com prisão preventiva decretada em 5 de outubro de 2021.

Allan dos Santos é acusado de atuação em organização criminosa para desestabilizar as instituições democráticas brasileira, esquemas de lavagem de dinheiro e crimes contra a honra, entre outros. A extradição dos EUA foi negada, justificada pela Primeira Emenda.

A Rumble e a Trump Media então processaram o ministro Moraes em um tribunal federal na Flórida, acusando-o de tentar censurar o discurso político legítimo nos Estados Unidos, amparado pela Primeira Emenda.

A ação desferida teve um conteúdo pessoal e dirigida contra o Ministro Alexandre de Morais, desconsiderando que toda a atuação do Ministro estava baseada na jurisprudência do STF.

Este caso foi tornado uma nova disputa pessoal, de políticos contra a pessoa de Alexandre de Morais e, como sempre, não contra o STF que tem confirmado todas as  suas decisões. Isto gerou novas repercussões, ataques agressivos por parlamentares e pela mídia, em um debate político nacional já tão polarizado.

Com a recusa da plataforma Rumble em cumprir as determinações judiciais, o STF emitiu uma nova ordem, agora para suspender o acesso à rede social em todo o território brasileiro. Na ordem, foi determinado à Anatel que adotasse as medidas necessárias.

Neste dia 25 de fevereiro de 2025 saiu a decisão do tribunal nos EUA, em Tampa, indeferindo a ação proposta, por não haver nada a decidir, pelo princípio do “ripness” (imaturidade da ação, nada a julgar) já que:

✔ A decisão de Moraes contra Rumble e Trump Media não foi formalmente executada nos EUA.
✔ Nenhuma entidade tentou obrigar as empresas a cumprir as ordens brasileiras em território americano.
✔ Portanto, não há um caso concreto para ser analisado agora.

No julgamento, um precedente foi chamado à pauta:

O caso Yahoo! Inc. v. La Ligue Contre Le Racisme et L’Antisémitisme (9º Circuito, 2006)

O caso Yahoo! Inc. v. La Ligue Contre Le Racisme et L’Antisémitisme, decidido pelo Tribunal de Apelação do 9º Circuito dos Estados Unidos em 2006, é um precedente importante sobre jurisdição internacional e liberdade de expressão na internet.

Ele envolveu uma disputa entre a empresa americana Yahoo! Inc. e organizações francesas de combate ao racismo e antissemitismo.

Em meados do ano 2000, a internet ainda era um território em expansão, onde as fronteiras físicas pareciam dissolver-se diante da vastidão digital. Nesse cenário, o portal Yahoo! destacava-se como uma das principais portas de entrada para o mundo online, oferecendo uma variedade de serviços, incluindo leilões virtuais.

Entre os itens disponíveis nos leilões do Yahoo!, encontravam-se objetos carregados de um passado sombrio: memorabilia nazista, incluindo uniformes, insígnias e até mesmo uma lata de Zyklon B, o gás mortal utilizado nos campos de extermínio, tudo protegido pela Primeira Emenda à Constituição dos EUA.

Para muitos, especialmente na França, país profundamente marcado pelas atrocidades da Segunda Guerra Mundial, a simples exposição e comercialização desses artefatos eram não apenas ofensivas, mas também ilegais.

A Ligue Internationale Contre le Racisme et l’Antisémitisme (LICRA) e a Union des Étudiants Juifs de France (UEJF), organizações dedicadas ao combate ao racismo e ao antissemitismo, não puderam ignorar tal afronta. Indignadas, decidiram agir. Em maio de 2000, ingressaram com uma ação judicial no Tribunal de Grande Instância de Paris, buscando impedir que o Yahoo! continuasse a facilitar a venda desses itens em sua plataforma.

O Yahoo!, por sua vez, argumentou que seus servidores estavam localizados nos Estados Unidos, onde tais vendas eram permitidas sob a égide da Primeira Emenda da Constituição Americana, que protege a liberdade de expressão. A empresa alegou, ainda, que seria tecnicamente inviável restringir o acesso de usuários franceses aos leilões hospedados em seus domínios americanos.

O tribunal francês, no entanto, não se convenceu. Em uma decisão histórica, determinou que o Yahoo! deveria “tomar todas as medidas necessárias para dissuadir e impedir” o acesso de internautas franceses a essas ofertas, sob pena de multa diária de 100.000 francos. Especialistas foram consultados e concluíram que, embora desafiador, era tecnicamente possível implementar filtros que bloqueassem a maioria dos acessos provenientes da França.

Diante da pressão legal e moral, o Yahoo! optou por ajustar sua política global. Anunciou a proibição da venda de objetos nazistas em todas as suas plataformas de leilão, não apenas na França.

Essa decisão não apenas atendeu às demandas legais, mas também refletiu uma responsabilidade corporativa diante das sensibilidades históricas e culturais.

Esse episódio emblemático destacou os desafios intrínsecos à governança da internet, especialmente quando práticas online entram em conflito com legislações e valores culturais de diferentes nações. A controvérsia entre a LICRA e o Yahoo! serviu como um marco na discussão sobre jurisdição, liberdade de expressão e responsabilidade corporativa no espaço digital globalizado.

Vinte e cinco anos depois, com a nova presidência norte-americana, com Donald Trump, o tema de uma Primeira Emenda que abriga e protege o discurso de ódio, teses nazistas, antissemitismo, liberdade a partidos nazistas, atuação da Ku Klux Klan, demonstrações reiteradas da saudação romana, sinal de apoio a Hitler utilizado na segunda guerra, por Elon Musk, Steve Bannon, volta à tona o debate.

Muitos judeus, no mundo inteiro, estão seduzidos pelo canto da sereia do discurso de Trump em apoio Israel na faixa de Gaza, com um projeto absolutamente inaceitável por aqueles que defendem a paz, e, com ela, a única opção compatível com a democracia e os valores judaicos do “Tikun Olam” (melhorar o mundo).

A necessária formatação, ainda que lenta e de longo prazo, de um projeto de dois estados, Israel e Palestina, lado a lado, é pré-requisito para a paz e para o futuro democrático do Estado de Israel.

Esta cegueira surge em consonância com um filosemitismo efêmero e instável, afinal o 47º presidente dos EUA é instável e pode mudar de posição a qualquer momento, basta um aceno de fornecimento de petróleo barato por países como a Arábia Saudita.

Não podemos agir com cegos a esta nova realidade. Um perigo. Não se trata de opinião. Abrir os olhos é essencial, especialmente se queremos reafirmar que “NUNCA MAIS É NUNCA MAIS” mesmo.