Minha irmã vivia seus últimos momentos. Antes da sedação profunda, seguida de redução gradual da respiração e colapso final do corpo, conversamos rapidamente. Embora enfraquecida, conseguiu dizer que tinha muita curiosidade sobre a Morte. Entendi que desejava confirmar a veracidade de tudo o que costumamos ouvir sobre o assunto, em grande parte versões de uma jamais provada continuação da Vida post mortem. Encontraria nossos parentes? Se encontrasse, teriam a mesma aparência de quando morreram? Como seria o mundo destas ex-pessoas? A dor da vida estaria extinta? Quem comandaria a orquestra e como seria a rotina dos músicos? Haveria hierarquia, desigualdade, carências afetivas, fronteiras? Desafios? Tédio? Se alguém se ferisse, onde compraria a competente Maravilha Curativa do Dr. Humphrey’s para tratar o ferimento? Os espectros masculinos precisariam aparar a barba ?

Muita gente boa fica aflita quando desenterra a pergunta-chave: Vida é só isso? Entenda-se “isso” como o tempo curto (ah, como tudo passa rápido!) e a condenação certa ao esquecimento, as angústias muitas e a paz volúvel, os encantos raros e os desencantos insistentes. Daí ser um pulo  inventar soluções sobrenaturais para aliviar a ansiedade que a dúvida traz. Não dá para contar a quantidade de descrições de uma suposta segunda vida, com seu repertório de almas e realidades etéreas. Às vezes, sofistica-se a fábula descrevendo o processo de transição, enfeitado por luzes brilhantes, túneis camaradas, harpas afinadas, vozes tranquilas.

A ciência, que não costuma dar refresco para tanto delírio, pesquisa o funcionamento do cérebro, aglomerado extraordinário de células e memórias. Como subproduto, debruça-se sobre o mistério do momento em que se morre. As primeiras conclusões são fascinantes porque desmistificadoras. Ao contrário do que se pensa, o cérebro continua ativo durante algum tempo após a parada final do coração. Aumenta a emissão de uma onda cerebral associada a sonho, meditação e recuperação de memória. Os primeiros resultados, espetaculares, sugerem que nosso cérebro pode permanecer ativo e coordenado na transição para a Morte. Esta atividade seria responsável, por exemplo, por certas alucinações vividas por pessoas que passam por experiências de quase morte (paradas cardíacas, por exemplo). Quanto mais conhecermos as complexas capacidades cerebrais, mais nos afastaremos das fantasias do Além Túmulo.

Drácula e Frankenstein, clássicos do terror (Bela Lugosi e Boris Karloff inesquecíveis), são assombrações que dramatizam a busca impossível pela vida eterna. Para o conde, que opera na penumbra com seus caninos salientes, a eternidade é maldição. Colecionar para sempre sangue alheio, e aqui pensa na grife Klaus Kinski, é uma tarefa que o deprime. Já o velho Frank, espécie de Lego orgânico, vive em permanente crise de identidade. Cada parte de seu corpo deformado nasceu de outrem. Qual delas é a hegemônica? A cabeça do açougueiro ou o tronco do coveiro? O braço do acadêmico ou a perna do peladeiro? Uma boa dica para ambos seria que levassem em conta o que disse Mark Twain, um grande gozador: “Quem viveu bastante para descobrir o que é a vida, sabe que dívida de profunda gratidão devemos a Adão, primeiro grande benfeitor da nossa raça. Foi quem trouxe a morte para dentro do mundo”.

Eternidade mesmo parece repousar na natureza. Vejam só. Uma pesquisadora israelense teve acesso a uma semente descoberta numa caverna no deserto da Judeia. Testes indicaram que ela tinha cerca de mais de 10 séculos. Replantada e fertilizada, brotou e deu origem a uma árvore sem congênere no mundo atual. Suas folhas contêm substâncias com grande potencial medicinal. Resumo da ópera: tratada com delicadeza e respeito, a natureza pode regenerar-se e produzir, aí sim e sem contorcionismo, uma segunda vida.

Abraço. E coragem.