Podemos apenas imaginar o sofrimento daquela mãe. Em 2018, perdeu um filho recém-nascido e, desesperada, carregou o corpo durante mais de duas semanas. O que se passou na mente atormentada pela dor? Alguém consegue colocar-se em seu lugar?

Não bastasse a ferida emocional, inapagável, descomunal,  seis anos depois voltou a gerar um filho que resistiu pouco. Os que a acompanhavam à distância desconhecem por quanto tempo voltou a carregar o corpo sem vida, com o mesmo cuidado que as mães doam aos recém-nascidos.

Chama-se Tahlequah, a mãe enlutada. É uma orca e seu martírio duplo foi acompanhado por cientistas de Seattle, nos Estados Unidos. As cenas impressionantes parecem o luto que costumamos viver quando perdemos alguém próximo e levamos um tempo indeterminado para absorver o choque e tocar a vida.

Caso isolado na Natureza, essa imensa, complexa e bela engrenagem que nos habituamos a olhar com soberba? De jeito nenhum. Num zoológico espanhol, Natalia perdeu seu bebê 14 dias após o nascimento. Inconformada, carregou o corpo por sete meses, incapaz de separar-se daquele pequeno ser que emergiu de suas entranhas. Mesmo com a decomposição inevitável do corpo, continuou a carregá-lo, numa expressão de cuidado e, talvez, de desejo de que tudo aquilo não passasse de ilusão e o filho, de repente, abrisse os olhos para a mãe amorosa. O rosto triste atraiu a solidariedade de seus vizinhos, que a acompanharam no calvário.

Natalia é uma chimpanzé da subespécie Pan troglodytes verum, que se encontra em risco crítico de extinção. Mesmo submetida ao cativeiro no zoo, instituição escravocrata que cada vez mais desprezo, ela demonstra como não estamos sós na complexidade de sentimentos e de vivências na maternidade, nos tempos multicores da existência. Somos apenas um subgrupo de tripulantes presunçosos nesta esfera enlouquecida.

Lá atrás, dona Zenaide, pilotando desenvolta o quadro-negro, nos ensinava que éramos animais racionais. Sim, nossa superioridade sobre as demais espécies viventes, todas irracionais, era óbvia nos manuais escolares. Na cabeça quase virgem do Menino, esta informação se traduzia como direito inquestionável de subordinar a Natureza às nossas vontades. A Razão dos homens era soberana. Ao longo dos séculos, extinguimos animais em massa por caça predatória e destruição de habitats. Tudo se passa como se o planeta só existisse para saciar nossos apetites, não importa a que custo.

A vida na Terra é um processo bioquímico extremamente complexo. Pelo conhecimento atual da ciência, ela surgiu há quase 4 bilhões de anos. No início, muito antes da explosão de múltiplas formas de vida, eram seres unicelulares. Os hominídeos, nossos parentes remotos, desceram das árvores nas savanas africanas há 5 milhões de anos. Eram resultado de uma sequência de eventos absolutamente acidentais e que jamais se repetirão. Somos parte de uma imensa cadeia orgânica vital, delicada e única. A cada dia, por prepotência e cobiça, estamos destruindo seus elos.

Pode ser que existam formas de vida em outros planetas. Afinal de contas, apenas na “nossa” Via Láctea existem cerca de 200 bilhões de estrelas. Ao redor de muitas, devem gravitar corpos celestes semelhantes a planetas. Quem sabe em alguns, ou muitos, existirão condições propícias para o nascimento de organismos vivos. Provavelmente, nada a ver com os monstrinhos verdes imaginados pela ficção científica ou os habitantes do planeta Mongo, familiares ao Flash Gordon e à Dale Arden.

Uma coisa parece certa. O Sol, alma mater da vida na Terra, vai esfriar completamente e explodir em 5 bilhões de anos. Nosso planeta, então, se transformará num imenso vazio, estéril, sem vida. Do jeito em que a banda está tocando, vamos acelerar o tempo da destruição. A ação do homem fez com que o ano passado tenha sido o mais quente da história, rompendo a marca de 1,5 º C de aumento da temperatura média da Terra em relação aos níveis pré-industriais. Os resultados estão aí. Enchentes no Saara, incêndios e secas devastadores em todos os quadrantes, furacões com força inédita. Eventos extremos são o novo normal.

Enquanto seu lobo não vem, percebamos com humildade o contraste do desprezo à vida que desfila todos os dias em cada canto do planeta e o comportamento belo das Tahlequahs e Natalias que nos cercam. Irracionais? O que diria de tudo isso a dona Zenaide?

Abraço. E coragem.