Por Charles Schaffer

Uma resposta à publicação de 27 de dezembro de 2024, no site Poder360, de Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay: https://www.poder360.com.br/opiniao/noite-de-natal-entre-a-melancolia-e-a-tristeza/

Pois, senhores, a política brasileira, e, em especial, a política baiana de hoje, inverteu esse princípio elementar. Em lugar de verdade, verdade e mais verdade, mentira, mentira e mais mentira: só mentira, mentira e mentira. Mentira nas instituições. Na administração, mentira. Na tribuna e no telégrafo, e nos jornais, mentira, rementira e arquimentira.”

— Rui Barbosa, A Imprensa e o Dever da Verdade, Edições do Senado Federal, Vol. 272, pág. 43.

 “Ao derredor do poder formigueja a multidão venal, e os governos, se algum embaraço topam, é em dar vazão ao número de mascates da palavra escrita.”

— Ibidem, pág. 25.

 

Dois dias após o Natal, Kakay traz um texto emotivo e melancólico sobre sua cidade materna, Patos de Minas, em Minas Gerais. Fala de suas memórias de aconchego e segurança, conversas sem fim, poesia e serenatas. Uma época sem televisão, de um Natal de alegrias e tristezas injustificadas.
O presépio montado com cuidado pela mãe para um Cristo imerso em um bercinho de palha. Um texto sereno para uma cidade serena. Em sua escrita, como sempre, Kakay cativa o leitor com seu calor humano. Não obstante, interrompe a sua exposição singela para inaugurar um tributo ao governo mais antissemita da história da República no Brasil, desde Getúlio Vargas, que deportou Olga Benário para morrer nas câmaras de gás nazistas, ela e seu filho.
Cita que, “segundo a ONU”, cerca de 14.500 crianças foram mortas na Faixa de Gaza. Por ignorância e viés de confirmação, não faz referência ao fato de que a ONU é fonte secundária e que replica, sem checar, os números do “Ministério da Saúde de Gaza”, que é o próprio Hamas. A fonte primária desses números, o Hamas, é mencionada em letras pequenas, em nota de rodapé. Segundo essa fonte, nenhum terrorista morreu, o que sugere uma falta de pontaria imensa de Israel, ou extrema, que teria como alvo as cabecinhas das crianças.
A própria ONU já revisou os números para 3.500 crianças. Existem apenas duas fontes primárias sobre o conflito em Gaza: o tal “Ministério da Saúde”, controlado pelo Hamas, e as Forças de Defesa de Israel (IDF). Em análise recente, 98% das notícias — incluindo as da ONU, Anistia Internacional, CNN, BBC e agora Kakay — baseiam-se unicamente nos dados do Hamas. Dessas, 20% sequer citam a fonte. Agem como Kakay, que ignora todos os princípios do direito ao utilizar fontes secundárias e deixar de apresentar o outro lado.
Apresentar o contraditório? Nem pensar!
Para Israel, mais de 20 mil terroristas foram mortos, todos identificados com nomes e sobrenomes. Esses terroristas não usam uniformes verdes, mas andam de jeans com RPGs ao braço. O Hamas considera crianças até os 18 anos quando recruta combatentes a partir dos 14 ou 15 anos e utiliza terroristas disfarçados de mulheres para enganar o exército israelense.
Kakay ignora isso.
Nem menciona as dezenas de mulheres estupradas coletivamente pelos terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023, muitas delas sequestradas, feitas escravas sexuais em Gaza e, possivelmente, grávidas. Algumas, tem-se informações, já tiveram filhos dos seus estupradores. Ele também ignora as crianças queimadas vivas, pessoas degoladas pelo Hamas, ou um feto arrancado pelos terroristas da barriga de uma mulher grávida com uma faca. Jovens de uma rave metralhados, habitantes de kibutzim socialistas no sul de Israel executados apenas por serem judeus.
Nenhuma referência aos 250 reféns feitos pelo Hamas, dos quais 100 deles continuam em cativeiro. Outra boa parte foi executada e morta. A meta do Hamas, inscrito em seu próprio Estatuto, é exterminar os judeus. Basta ler. Primeiro o povo do Sábado, depois o povo do Domingo.
Mas Kakay não está nem aí.
A seguir, Kakay fala de Herodes, impõe a ele a identidade judaica que não tem e diz que Israel mataria Jesus se estivesse em guerra, na linha daqueles que dizem que Jesus seria palestino. Trata-se de um verdadeiro clássico do antissemitismo que aponta para os judeus como deicidas e que justificou pogroms russos, massacres durante as cruzadas, expulsão dos judeus da Inglaterra, Espanha, França, Portugal etc., torturas e mortes durante a Inquisição, inclusive no Brasil e na América Espanhola. Kakay não está nem aí.
Remeto à ignorância de Kakay sobre o tema, um jurista de primeira estirpe, mas um verdadeiro bronco em assuntos do Oriente Médio. O viés de confirmação cega, que ataca a verdade.
Herodes não era judeu; e os judeus de Jerusalém estavam sob o domínio romano. Jesus (Yeshua), filho de Miriam e Yehoshua, era judeu e religioso, chegando à posição de rabino, estudioso e professor das escrituras judaicas.
Jesus nasceu, cresceu e cumpriu a tradição judaica, incluindo o ´Brit Milá`,  cerimônia da circuncisão e o ‘Bar Mitzvá’, rito de passagem à idade adulta.
Mas a ignorância e a omissão não param por aí, nem na nesciedade do texto escrito por Kakay. Ao resgatar a ideia do ‘deicídio judaico’, Kakay dá voz ao antissemitismo histórico que culminou no Holocausto nazista.
Sendo católico, como se apresenta, Kakay deveria saber que o Papa Paulo VI, no Concílio Vaticano II, onde tivemos a Declaração “Nostra Aetate” (Nossa Era). No documento, publicado em 1965, foi recontextualizada a relação entre cristãos e judeus e deixou-se institucionalmente claro pelo Vaticano que Jesus nasceu como judeu e viveu dentro da tradição judaica, que os primeiros seguidores de Jesus eram judeus, assim como os apóstolos.
O Vaticano reconheceu que o cristianismo tem raízes no judaísmo e que a separação entre as duas religiões ocorreu após os eventos da morte de Jesus. Nada fala sobre palestinos, cuja identidade distintiva do povo árabe só surgiu na década de 1940. Mais recentemente, reuniões históricas entre papas e líderes judaicos, como o encontro de Papa João Paulo II com rabinos em Jerusalém, reafirmaram o combate ao antissemitismo. Este documento do Vaticano, que contradiz os discursos de grande parte da esquerda brasileira, que corre desta a presidente do PT até Lula, passando pelo Sr. Genoíno, Frei Betto, Janja e muitos outros. Uma vergonha.
Kakay não está nem aí.
Ele romantiza sua cidade na saudade de uma infância feliz e ataca Israel e os judeus como deicidas. Poderia refletir sobre a história de violência e racismo em Patos de Minas Gerais. Poderia traçar uma crítica histórica à trajetória de sua Patos de Minas Gerais até os dias de hoje. Que ela nasceu como Santo Antônio dos Patos em 1820 e trouxe sua estaca de fundação em um terreno marcado pelos massacres dos indígenas na expansão bandeirante. As Nações Xacriabás, Araxás e outros grupos menores são hoje etnias extintas.
Patos de Minas Gerais, como boa parte das cidades brasileiras, cresceu economicamente pelo trabalho escravo, especialmente na agricultura. Kakay, ao brincar de fazendeiro nesta sua cidade natal, como relatou saudoso, poderia agregar escravos neste seu forte apache à brasileira. Quando do Estado Novo, Patos esteve com Minas Gerais no apoio ao ditador Getúlio Vargas, mantendo inclusive um pequeno grupo de integralistas na região.
A discriminação, violência e racismo em Pato de Minas Gerais não são apenas coisas do passado, é atual: Madalena Gordiano, feita escrava doméstica desde os oito anos de idade, foi liberta apenas em 2020, um dos episódios mais tristes de exploração e de racismo estrutural no Brasil.

Seria mais correto, honesto e útil Kakay cuidar da história de sua cidade, Patos de Minas, das dezenas de Madalenas Giordanos que a sua cidade produziu, ao invés de atravessar dois mares, milhares de quilômetros, para debruçar suas lentes embaçadas pela ignorância e viés preconceituoso sobre aquilo que não conhece, o Oriente Médio, Israel e a Palestina.

Kakay, que fez um trabalho excelente em denunciar a Lava Jato, poderia também estudar um paralelo histórico, o caso Dreyfus, na França, em 1894, quando o oficial de artilharia Alfred Dreyfus, judeu, é julgado por alta traição (espionagem para os alemães) e condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Costa da Guiana Francesa.

Como Émile Zola apresentou na sua denúncia do julgamento injusto, marcado pela perseguição aos judeus, o militar francês foi também chamado de “judeu porco”, “judeu sujo”, entre outras. Rui Barbosa, em “Cartas de Inglaterra”, também dissertou sobre o caso Dreyfus.
A acusação de dupla lealdade em face dos judeus é reconhecida como antissemitismo pela carta da IHRA, da qual dezenas de países são signatários; o Brasil é membro observador, e várias cidades e estados, como São Paulo, Rio de Janeiro etc.
A Sra. Gleisi Hoffmann e os seus, entretanto, vivem de apontar para uma suposta “dupla lealdade” dos judeus brasileiros da diáspora, imputando a pecha de estrangeiros sobre estes. Vai além, ao demarcar aos judeus como responsáveis pela morte de Cristo.
Este é o Brasil antissemita, de um governo antissemita, de partidos antissemitas sob o qual os judeus, uma minoria de não mais de 0,5% da população brasileira, está vivendo.
As manifestações de antissemitismo cresceram mais de mil por cento ao longo do mandato Lula III, com impulso e estímulo do próprio governo. E olha que, sob o governo anterior, base de comparação, não houve economia no Brasil em manifestações antissemitas e nazistas.
Juristas brilhantes e formadores de opinião, como Kakay, o Marco Aurélio Carvalho, Lenio Streck e todo o grupo “Prerrogativas” têm o dever ético e moral de combater o antissemitismo no Brasil. E agora!!!
Mesmo que, na autocrítica, tenham que cortar na própria carne. Ou se tornarão apenas lacaios do ódio.