A revista Annals of Improbable Research criou, em 1991, o prêmio IgNobel, distribuído anualmente para os vários ramos do conhecimento humano e as muitas formas de relacionamento entre as gentes. Em contraste com o solene prêmio Nobel, o IgNobel privilegia investigações e comportamentos inusitados ou surpreendentes. Não se trata de baixarias ou folclore barato. Os responsáveis pela revista avaliam que o que hoje parece risível pode ser o primeiro passo para ideias renovadoras.

Pesquisas sobre a quantidade de pelos em cada narina de uma pessoa, a atividade cerebral quando alguém fala ao contrário, as formas de reconhecimento individual através dos excrementos, como a atividade sexual das anchovas interfere na composição dos oceanos e na circulação global das correntes marinhas, a quantificação de pessoas candidatas ao inferno nos municípios do Alabama (as que não reconhecem seus pecados). Eis algumas das agraciadas com o estimulante galardão.

Neste ano, o biólogo brasileiro Felipe Yamashita foi premiado na categoria Botânica. Ele investigou mecanismos que levam uma espécie de planta, a Boquila trifoliolata, a “enxergar”, processar e reproduzir o que está à sua volta. Não vou aqui detalhar a interessantíssima experiência do cientista, mas sua conclusão, derrubando teorias anteriores, é de que a simpática plantinha, nativa do Chile e da Argentina, é capaz de ver, entender e copiar outras plantas. É, claro, um tipo de visão diferente do nosso, mas nem por isso menos identificável ou sofisticado. Quem diria, hein?, olhos vegetais atentos podem estar nos observando de vasos e jardins. Não se sabe com que intenções. Quem se lembra do filme Invasores de corpos (Vampiros de almas na versão original, de 1956) pode começar a roer as unhas.

Não pensem que estou enchendo linguiça, jogando conversa fora. O tema do Yamashita me leva a antigas conversas sobre veganismo que tive com minha irmã, vegana radical. Um pouco por convicção, outro tanto por provocação, eu lhe dizia não entender por quê ela e seus pares não comiam, por exemplo, ovos caipiras. Expelidos por galináceas saudáveis e não galadas, não são produto de maus tratos ou métodos artificiais. Também não geram novas vidas. A única coisa que eles matam é a fome. Nunca tive resposta razoável para isso. Como também não obtive explicação quando aleguei que alfaces, brócolis, chicórias e almeirões são seres vivos complexos e comê-los não deixava de ser uma forma de violência. Quem sabe ao morder um repolho ele não grita por socorro? Se a Boquila pode ver, por que a rúcula não pode sentir dor?

Calma no Brasil, amigos veganos, não quero desqualificar ninguém. Cada um escolhe o sapato que calça. Estou com vocês na crítica à forma torturante com que se criam penosas e rebanhos. O mesmo para a exploração predatória, e cheia de consequências, dos oceanos e rios. É a racionalidade capitalista em sua plena e exuberante versão. Daí a condenar o consumo generalizado de proteína animal vai uma longa distância.

Basta olhar a Natureza sem maquiagens idealistas. Não há bichinhos de pelúcia circulando por relvas e florestas.  Numerosas espécies caçam para sobreviver. É uma caça que não ameaça extinguir nenhuma espécie. Não conheço casos de tribos indígenas veganas. Os povos originários caçam e pescam há séculos, sem arruinar populações animais e destruir biomas. Em todos estes casos, há uma interação virtuosa que tende ao equilíbrio. Por que não replicar este modelo em larga escala? O que desequilibra é a cobiça, a transformação de alimentos em mercadorias, a busca do lucro como objetivo da organização social. A conclusão é que o inimigo não é a maminha de alcatra, a picanha suína ou o filé de badejo. É o capital.

Leio que existe um restaurante em Paris, o Inoveat, que, por módicos 99 euros, serve uma sequência de pratos elaborados com gafanhotos, formigas, vermes de origem variada e bichos-da-seda. Uma experiência e tanto, dizem os cozinheiros fardados. De acordo com a nota que li, há uma grande demanda por grilos crocantes com batata doce. Fiquei com uma dúvida. Infelizmente, não poderei saná-la com minha irmã, que morreu no início do ano. Eu lhe perguntaria se este banquete de artrópodes e himenópteras enquadra-se na categoria vegana. Seria bom papo num fim de tarde vadio.