Liberada a escalação de um dos times de candidatos à vereança no Rio de Janeiro. O onze carioca jogará no clássico 4-3-3 e, se desandar a maionese, chutará como der. O que cair na rede será peixe … dos grandes. Adentrará o tapete verde com Abençoado Nilson, Bolão, Zé Colmeia, Cleiton Deu Certo e Pé Reto; Pijama da Zona Oeste, Euzébio O Melhor da Auau e Maradona de Bangu; Bilico Paim O Vizinho, Bruno Pai de Maria e Chicão Pé no Chão. Ainda se recuperando de graves lesões neuronais, permanecem no estaleiro Bradock, Sérgio Parafuso e Tarzan de Vila Isabel.
Caricatura? Invenção minha? Gozação? Nada disso. Esses craques estão na lista de elegíveis em outubro. Todo mundo buscando um lugar ao sol, ou à sombra e água fresca, que o tempo está de amargar. Eleições municipais têm se parecido cada vez mais com óperas-bufas, personagens mascarados interpretando papéis que a grande maioria da plateia não consegue entender. Ninguém aplaude com convicção, apenas suspira e olha, impaciente, o tempo que falta para acabar o espetáculo. Quem é que vota, alegre e conscientemente, numa imagem que diz “você me conhece”, “vamos juntos”, “vote diferente”, “chega mais”? Partidos estão no cenário como meros adereços.
Nos cargos executivos, o jogo é mais pesado, proporcional aos interesses em jogo. Aqueles que jamais aparecem no palco, estão confortáveis nos bastidores. A pantomima tem a mesma forma dos tribunais do júri. Velhas raposas dos fóruns dizem que o que se julga não é apenas o caso, mas o desempenho de advogados e promotores. Quem é chegado a Laurence Olivier leva vantagem sobre discípulos de Victor Mature.
Podem me chamar de cínico, radical, niilista, catastrofista, mas tendo a acreditar cada vez menos no papel transformador das eleições. Tudo parece um enorme jogo de faz-de-conta, que mais vela do que revela. Geraldinos e arquibaldos interferem muito pouco nas regras, embora sejam as principais vítimas da jogatina. À salada juntam-se, em escala crescente, ingredientes como individualismo extremado (os líderes messiânicos que se apresentam como salvadores da pátria, substitutos da ação política das massas) e elementos religiosos (os votos acabam se transformando em ex-votos). O fanatismo, à falta de identidades ideológicas claras, substitui a análise consistente de fatos e situações.
Por falar em fanatismo, recupero o que falou a cavalgadura alaranjada que concorre à presidência dos Estados Unidos: “Eu poderia ficar de pé no meio da Quinta Avenida e atirar em alguém, e mesmo assim não perderia nenhum voto”. Como dizia o antigo bordão de um personagem da TV, o macaco está certo!
Para amenizar o desconforto dos meus azedumes, concordo que há momentos em que o voto pode coadjuvar certas mudanças. Em 1974, por exemplo. O país vivia sob a borduna do AI-5, a chamada crise do petróleo mexia com os bolsos da classe média, o milagre econômico dava os primeiros sinais de exaustão. Nas eleições estaduais daquele ano, estrategistas mais à esquerda do MDB (na verdade, filiados a partidos clandestinos abrigados na legenda permitida) condenaram o voto nulo e defenderam o voto em candidatos que se poderia rotular de centro-esquerda. O resultado foi a vitória oposicionista (“moderados” e “autênticos”) em 16 estados. O regime contra-atacou instituindo parlamentares biônicos, mas aí é outra história. Com canais de expressão política censurados ou proibidos, o parlamento ganhou peso e, aos solavancos, ajudou a, dez anos depois, superar a ditadura.
Resumo da ópera: em outubro, vou votar sem qualquer entusiasmo ou ilusão de que será um ato libertador. A verdadeira emancipação dos explorados e oprimidos será resultado da luta deles, disse certa vez um sábio barbudo. Não defendo, claro, a extinção sumária dos processos eleitorais. Recuso-me, entretanto, a ignorar os aspectos estruturalmente viciados destes processos nas sociedades divididas em classes. Vamos, pois, às óperas-bufas.
Abraço. E coragem.