Fiquem tranquilos: nenhum humorista atira para matar (Millôr Fernandes)
Era só o que faltava. A cidade de Yamagata, no Japão, aprovou uma lei em que regulamenta … o riso! Por ela, os cidadãos precisam rir uma vez por dia e os distintos parlamentares sugeriram o oitavo dia do mês como “o dia para os moradores promoverem a saúde através do riso”. Por que justamente o oitavo dia? Mistério da meia-noite. Para confeitar o bolo, pedem aos capitalistas que “desenvolvam um ambiente de trabalho repleto de risos”. Que importam jornadas de trabalho canibais e competições internas doentias? O negócio é seguir os manuais de autoajuda e o compositor brega Evaldo Braga. Sorria, meu bem, sorria!
A imagem do japonês sorridente me faz lembrar os tipos caricatos dos desenhos animados e gibis da época da Segunda Guerra Mundial. O Império do Sol Nascente era o inimigo e, como tal, tinha que ser ridicularizado pela máquina de propaganda. Popeye, na base do sopapo e umas latinhas de espinafre, afundava porta-aviões japoneses. Os marinheiros orientais aparecem como imbecis dentuços, usando óculos fundo-de-garrafa e … rindo o tempo todo!
Pode ser que os japoneses tenham especial apreço pelo controle não apenas dos espaços públicos, mas também dos comportamentos privados. Não estão sozinhos. O desejo de controle, do qual só a Morte escapa, é um nutrido ativo universal. Quando Zico foi jogar no Kashima Antlers, o futebol japonês era uma piada. O Galinho de Quintino tentou mostrar rudimentos de táticas de jogo, de colocação em campo. Foi surpreendido quando lhe pediram que fizesse um diagrama, indicando passo a passo a sequência de jogadas. Da figura A para a B, da C em direção à D, e por aí vai. Sem improviso, sem surpresas. Até chegar aos dribles, às manhas, às bicicletas, às trivelas, aos passes de letra e de três dedos, uma eternidade e meia se passou.
Rir por obrigação, por decreto, não tem graça. Certa vez, na velha cinemateca do MAM, exibiram uma espécie de Jean Manzon chinês. Lá pelas tantas, atarantados, vimos na tela uma cirurgia de grande porte e o cidadão recebia acupuntura como anestesia. Ele sorria (mesmo?), mas de nervoso. Lá dentro dos miolos devia pensar: “Desliga a filmadora, pô@##%!rra, e me dá uma dose extra de anestesia! A legítima e de boa safra!”.
Riso pode ser libertador, não tenho dúvida. Não precisa ser gargalhada. Harpo Marx, o meu Marx Brother predileto, emulava Chaplin e não falava uma única palavra nos filmes. Não precisava. Seus jogos cênicos, sua zombaria contínua, suas expressões, bastavam para descobrirmos a falta que a graça faz.
Noutra chave, tivemos Oscarito. Quem foi infante nos anos 50, há de lembrar a saraivada de chanchadas da Atlântida que assistimos. O mundo, como dizia o título de uma delas, era um pandeiro. Há cenas inesquecíveis. Em Nem Sansão, nem Dalila, Oscarito está em Gaza (!) e, vestindo um modelito saiote grego, imita Getúlio Vargas num daqueles discursos sonolentos, com sotaque gaúcho no ponto certo: “Trabalhadores de Gaza! A situação política nacional (e acentuava o ele)… está uma pouca vergonha!”. O inusitado, no caso um político sendo sincero, costuma ser bem engraçado.
Em Os dois ladrões, Oscarito contracena com Eva Todor e ambos criam um clássico. Vestido de mulher, com a mesma roupa de Eva, ele simula ser um espelho e imita todos os gestos da parceira, numa sincronia perfeita. As expressões de Oscarito tornam a cena hilariante.
Teremos motivos para rir espontaneamente na atual quadra histórica? No Rio, cientistas detectaram cocaína em tubarões. O mundo acaba de contabilizar os três dias mais quentes da história recente. A extrema-direita avança. Trump diz que o riso de Kamala é doentio. Olha, numa hora dessas vale o que o filho da dona Hermínia, Paulo Gustavo, disse com serena sabedoria: “Rir é um ato de resistência”. Porque satirizar os autoritários, com seus mal disfarçados preconceitos, os mentirosos compulsivos, os intolerantes, os chatos do politicamente correto, os picaretas de coturno variado, é uma catarse e tanto, um alívio em meio à aspereza da vida. Não é pouco.
Abraço. E coragem.
Jacques