Há cerca de três meses, meus dois telefones fixos pifaram. Dois? Pois é, até hoje sinto-me mais à vontade, relaxado, quando falo através do fone de gancho. Já superei a fase da discagem pela roleta com números. Sou moderno, meus aparelhos operam pressionando botões. Raramente me deixam na mão, mas, como dizia, resolveram emudecer.

A simples perspectiva de fazer contato com a operadora e seus robôs que simulam voz humana quase me paralisou. Antes de contar o dramalhão que se seguiu, viajo brevemente pela era pré-celulares.

Houve época em que linhas telefônicas eram artigo de luxo.  Seu valor de mercado tinha que constar do patrimônio na declaração anual do imposto de renda. Enquanto não surgiam os orelhões, a tribo dos sem-telefone recorria aos poucos comerciantes que possuíam o valioso artefato. Botecos ajudavam a facilitar a vida dos vizinhos. Cediam os aparelhos, sem muito resmungo, para rápidas chamadas. Salvaram muitos relacionamentos, consolaram almas solitárias, testemunharam negócios escusos.

Os orelhões, que pareciam cuias invertidas, democratizaram o acesso aos telefones. À custa de filas e caras amarradas para os prolixos sem noção que faziam relatórios intermináveis sobre a rotina, o “sabe da última, menina?”, a frieira do Severino e o joanete da patroa. Enquanto isso, conseguir que o telefone de casa “desse linha” era uma loteria diária. Melhor ter um banquinho e o repertório de palavrões à mão. Xingar a Telerj, que depois virou Telemar e, por fim e sem surpresa, Telemerda, fazia parte do ritual.

Leitor voraz de gibis, nunca entendi uma passagem obrigatória nas histórias do Super-Homem. Para quem não sabe, o repórter Clark Kent, do jornal Planeta Diário, era a identidade secreta do Homem de Aço. Quando havia um pedido de socorro, Clark se metia numa cabine telefônica, tirava roupa e óculos “civis”, exibia o uniforme azul com capa e botinhas vermelhas e saía voando por aí. No corre-corre de Metrópolis, à luz do dia, ninguém via a metamorfose? Onde ficavam a roupa e os óculos? Acho que só o Sombra sabe as respostas. Por enquanto, e para a eternidade, ficam as imagens de aventuras que nós, para sempre de calças curtas, gostaríamos de ter vivido e, de preferência, dado um amasso na Lois Lane. Éramos generosos. Sobraria um carinho para a princesa Narda e Diana Palmer.

Voltando ao início. Tomei um chá de camomila, mentalizei um mantra qualquer, assobiei o hino da Baixa Eslobóvia, respirei fundo e liguei para a operadora. Num cândido delírio, esperava que me atendessem com um Alô Daisy ou, melhor ainda, Seu criado, obrigado. Rapidamente caí na real. O que veio mesmo foi a voz xinfrim de um robô, que me encaminhou para um emaranhado de opções, sem que uma voz humana fizesse a gentileza de perguntar o que eu queria. Várias tentativas em vão, todas invariavelmente terminando com um metálico “é tudo o que sabemos no momento”.

Era o início de uma novela de humor negro. Durante meses, o máximo que consegui foi que, finalmente, marcassem uma visita técnica. Claro que ninguém apareceu. Eficiência privada é isso aí. Os telefones continuavam mortinhos da silva. Um dia, no meio da tormenta, recebi, pelo celular, ligação da Ouvidoria da tal operadora. Coitada da senhora do outro lado da linha! Despejei, catarticamente, toda a indignação sobre ela. Que fosse arengar em outra freguesia, ora essa. Vá pentear macacos.

Há duas semanas, cancelei, com dor no peito, uma das linhas e transferi a outra para uma operadora qualquer. Dizem que todas funcionam mal. Quando privatizaram na bacia das almas a telefonia, nos prometeram o paraíso, a concorrência geraria bons serviços e preços melhores. Sei, conta outra, mané. Isso faz lembrar do Apparício Torelly, o grande Barão de Itararé. Eleito vereador pelo Distrito Federal logo após o fim do Estado Novo, perdeu o mandato com a cassação canalha da legenda do PCB. Ao se despedir da Câmara, fez um de seus antológicos discursos. Lá pelas tantas, ironizou: “Saio da vida pública e entro na privada!”. Lugar apropriado também para serviços caros e displicentes que nos enfiam goela abaixo em nome do livre mercado (sic).

Pelo sim, pelo não, já estou combinando com meus netos a montagem de telefones de lata. Aqueles feitos com duas latas e barbante. Com um pouco de engenho e arte, funcionarão melhor do que essas geringonças cheias de caprichos e escangalhos.

Abraço. E coragem.