A Lee Falk, Phil Davis, Will Eisner, Alex Raymond, Al Capp, E. C. Segar, Joe Schuster, Jerry Siegel e Adolfo Aizen
Os primeiros heróis da minha geração nasceram em preto e branco, resolviam tudo na bordoada e eram chegados a um amor platônico. Quase todos reproduziam um mundo dividido entre civilizados e primitivos, onde a dominação colonial era rotina, um dado na natureza. O Fantasma reinava sozinho sobre os pigmeus da tribo Bandar. Lothar, musculoso príncipe africano, era servo do Mandrake. Zorro, o Lone Ranger, usava o índio Tonto para todo tipo de quebra-galho. Dominantes e dominados na fantasiosa harmonia dos gibis. Enquanto os protagonistas enfileiravam vilões, Narda, Diana Palmer, Lois Lane e Dale Arden ficavam a ver navios.
Um daqueles heróis acaba de completar 95 anos. O marinheiro Popeye, criação do cartunista Elsie C. Segar, apareceu pela primeira vez como personagem destacado em janeiro de 1929. Antes disso, era um discreto coadjuvante nas tiras diárias Thimble Theater. Tipo esquisito, o Popeye. Fumava um cachimbo sempre apagado, falava errado (ao estilo de L’il Abner, o caipira Ferdinando Buscapé, criado por Al Capp e morador de Dogpatch, o Brejo Seco), raramente aparecia em aventuras marítimas. Era um marinheiro de terra seca.
Popeye tinha uma força descomunal. No início, a fonte deste poder era uma galinha mágica (!). Em pouco tempo, no entanto, Segar inventou o elixir de robustez que ainda hoje povoa o imaginário dos meus contemporâneos. Ele mesmo: o espinafre. Curiosamente, Segar cultivava rabanetes em sua fazenda.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Popeye e outros personagens foram convocados para lutar contra alemães, italianos e japoneses. Na época, o Fantasma reuniu os pigmeus e, munidos com zarabatanas e muita imaginação, impediram a conquista da Baía de Bengala pelos japoneses. Estes eram exibidos como idiotas dentuços, que usavam óculos com lente fundo-de-garrafa.
Popeye não comandava tropa, mesmo mambembe. Tinha a oportuna lata de espinafre como arma multiuso. Seus desenhos animados, criados pelos geniais irmãos Max e Dave Fleischer (Max foi um dos criadores da Betty Boop), mostravam-no afundando sozinho porta-aviões japoneses, na base da pancada. A molecada, eu na plateia, vibrava com aquilo, sem dar a mínima se as imagens “refletiam a realidade”. Vivíamos a fase gostosa da vida em que era permitido materializar o impossível.
Quando completou 90 anos, Popeye entrou na mira dos, sempre eles, neopatrulheiros. Implicaram com o cachimbo. Onde já se viu tamanho mau exemplo? As crianças não podem ser expostas a influências perniciosas, blá, blá, blá. Propuseram substituir o cachimbo por um apito. Marinheiro tocando apito… Não era apenas ridículo, mas preocupante. Levada a sério a patacoada, estariam destinados à fogueira quase todos os grandes clássicos do cinema. Neles, as estrelas fumavam sem parar. Quem consegue imaginar, por exemplo, Humphrey Bogart, na pele de Rick Blaine, em Casablanca, sem o cilindro tabacado? Quem ousaria substituir o cachimbo de Sherlock Holmes por um apito ou uma língua de sogra? Os disparates dos neopatrulheiros, censores frustrados, não têm limites.
Crianças não são estúpidas. Sabem perfeitamente que, quando o Coiote, fugindo do Papa Léguas, se esborracha num despenhadeiro, não vai morrer. Compreendem que o Tom, achatado em mais uma maldade do Jerry, vai voltar ao formato original. Nenhum infante vai replicar a experiência. Não existe qualquer evidência de que o cachimbo do Popeye produziu gerações de dependentes de nicotina. A ameaça está apenas na cabeça torta dos herdeiros de dona Solange Hernandes.
Abraço. E coragem.