Já faz 21 dias desde que a guerra começou e não sei quando vai terminar, tampouco como será concluída. O que eu sei é que 400 mil israelenses estão mobilizados para a missão.

Cada um de nós aqui em Israel está lidando de uma maneira diferente frente aos desafios que nos foram impostos. Milhares de moradores do entorno de Gaza e das localidades próximas a fronteira com o Líbano foram removidos de suas casas e estão vivendo em hotéis distribuídos por todo o país. O governo já os comunicou que a situação deve perdurar até o final do ano. Alguns amigos queridos se encontram nesta situação.

Eu moro na cidade de Hadera onde a situação é mais calma. Aqui não caíram foguetes de Gaza, e mesmo assim estamos preparados para qualquer eventualidade. Tenho água mineral em garrafas suficiente para vários dias. Lanternas leds carregadas e espalhadas pela casa. Alimentos secos para o caso de ficarmos sem luz e gás. Tenho também um rádio a pilha para no caso de ficarmos sem luz e cair a rede de Internet no país, seguir escutando as notícias.

Estou trabalhando alguns dias de casa e outros no escritório. Onde eu trabalho os foguetes ainda não chegaram, mas ali perto, as sirenes já foram acionadas várias vezes. Acordo, escuto as notícias e tomo a decisão se fico, ou saio.

Percebo que no caminho de ida e volta para o trabalho a maioria dos carros não está obedecendo os limites de velocidade. A maioria está acelerando para ficar o menor tempo possível na estrada onde não existe proteção. A orientação neste caso, escutando as sirenes,  é sair do carro, se fastar dele e se deitar no chão com os braços protegendo a cabeça. Ainda não precisei fazer isto.

Tanto em casa, como no escritório é extremamente difícil se concentrar nas tarefas que precisam ser cumpridas. Passamos praticamente o tempo todo lendo, ou escutando as notícias. Impossível se desligar delas por muito tempo. A qualquer momento podemos ser surpreendidos por um fato importante que determine se devemos permanecer onde estamos, ou nos deslocar. É um esforço enorme manter a lucidez.

Eu tenho procurado fazer duas coisas durante o dia. Uma é escrever um informe com o resumo do que mais importante aconteceu do dia anterior até o momento em que estou publicando. São informes diários que posto nas redes sociais. A segunda delas é escrever artigos sobre temas relacionados a guerra., como este aqui. É a maneira que encontro de colocar para fora o que penso ser importante, de expor minhas conclusões e o que estou aprendendo com o que estou passando.

É pela televisão que geralmente ficamos sabendo onde as sirenes estão tocando. É o sinal de que foguetes estão a caminho das localidades listadas. Quando aparece na lista um local onde tenho amigos, ou parentes, o coração sempre dispara e não sossega até saber que não houve vítimas.

O estresse está sempre alto, resultado das notícias e da leituras nas redes sociais. Confesso que sempre soube da existência de antissionistas e antissemitas espalhados pelo mundo. O que me surpreendeu foi a quantidade deles. Estão em todo lugar e em todas as camadas sociais. Este não é um preconceito de classe, nem ideológico. É uma doença humana e pelo visto, contagiosa. Já cheguei a uma conclusão óbvia, não se pode convencer nenhum deles de abandonar o preconceito.

Antes de me mudar para Israel, ainda durante a campanha de Bolsonaro, eu me afastei de todos os amigos e parentes bolsonaristas, próximos ou virtuais. Agora estou tendo de fazer o mesmo com os antissemitas. Eram companheiros da mesma trincheira pela libertação e eleição de Lula. Estivemos juntos contra o fascismo.

Tenho duas filhas. Uma foi para o Brasil e a outra vive em Tel Aviv. Nos falamos todos os dias para saber uns dos outros. Falamos do nosso dia e do que esperamos que aconteça no dia seguinte. Nos apoiamos e nos preocupamos uns com os outros.

E tem as noites. Não se tem uma noite normal de sono. Os pensamentos do dia ficam nos assombrando a noite. O pior deles é sobre os reféns. Eu sinto uma enorme angústia pela situação em que se encontram. Escutar diariamente seus parentes e amigos na TV causa uma tristeza imensurável. Quando vão ser libertados, quantos, quem serão os escolhidos, estão sendo bem tratados, estão todos vivos, são alguma s das perguntas que pairam no ar.

Neste momento estamos vivenciando uma pausa no tempo. A operação por terra não começou, uma espera que aflige a todos nós. Quanto tempo vamos precisar aguardar por uma solução? O que vai acontecer quando chegarmos a cidade de Gaza? Quanto tempo vamos ter que permanecer e quem vai tomar conta da população? Quem será o próximo governo do território?

Muita dor também pela perda de tantas vidas em Gaza. Tudo foi feito para que a população civil não seja atingida. Avisos não faltaram para que todos fossem para o sul. Infelizmente, nem todos obedecem, nem todos quiseram, é desolador o que está acontecendo.

Não posso concluir sem mencionar a união de todos nós israelenses, de todo o povo de Israel neste momento. Judeus, árabes, drusos, cristãos, não importa, o povo está se abraçando, se dando as mãos e isto me faz ter certeza de que não existe nenhum outro lugar no mundo onde eu gostaria de estar.

Hoje é uma sexta-feira. Apesar de tudo, amanhã é Shabat. Um Shabat Shalom para todos que se importam com todas as vítimas inocentes do conflito, mas especialmente para todos aqueles que estão na linha de frente lutando pela minha, pela nossa sobrevivência.