No sábado, 7 de outubro, eu e outros 14,7 milhões de judeus acordamos com sentimentos diversos: imensa tristeza, angústia, dor, revolta, agonia, desconsolo, tensão, incompreensão, estupefação; uma mistura de coisas ruins que atravessaram nosso despertar. Uns choraram, outros gritaram, outros explodiram de ódio, outros ficaram inertes, sem reação, outros clamaram por vingança. Todos ávidos por notícias e por saber se os seus estavam bem. Naquele momento, todos nos tornamos israelenses.
De início, foi difícil perceber que por trás destas emoções confusas havia algo maior, que talvez fosse melhor ocultar dos algozes do Hamas: medo. Um medo ancestral, que causa terror e insegurança Medo que foi transmitido a todos nós, judeus seculares e ortodoxos, de esquerda e de direita, geração a geração, durante milhares de anos. Um medo que vem da escravidão no Egito, da destruição dos dois templos, do cisma pós Salomão, das Cruzadas, dos pogroms, da Inquisição, de tantos êxodos, que fizeram de nós um povo errante, e por fim do maior genocídio da História, que matou em dimensão industrial 6 milhões de judeus.
Este medo, queiramos ou não, vive em cada um de nós, embora não exista hoje nenhum Estado onde o antissemitismo seja institucionalizado, com exceção do Irã e Qatar. Nem por isso o ódio aos judeus desapareceu. Ao contrário, o antissemitismo está mais vivo que nunca, sobretudo nos extremos, na esquerda radical, que transformou o anti-sionismo em anti-Israel e enfim em antissemitismo, e na extrema-direita nazifascista.
O pedagogo Gabriel Douek, do Instituto Brasil-Israel, ao falar do antissemitismo como componente integrante do atual debate, lembrou que “a imagem do judeu branco, rico, religioso e armado, controlador da mídia e detentor de todo o poder (econômico), ganhou força nas últimas décadas.”
É claro que o medo existe , bem como a coragem entre aqueles que aguardam, em seus tanques, a ordem para entrar em Gaza. Ele é visível, concreto, entre aqueles que devem correr para os bunkers a cada vez que as sirenes tocam, entre a mãe que chora a filha refém, entre aqueles que viram o perigo e a morte por estar simplesmente dançando. Mas não é deste medo que falo. O medo de todos os judeus, de Israel como da Diáspora, é de outra natureza. É o medo de quem perdeu seus alicerces.
Apesar das guerras enfrentadas, inclusive a do Yom Kippur, há 50 anos, que as forças de Israel venceram por verdadeiro milagre, havia, em cada um de nós, inclusive entre os seculares ateus, de esquerda, que não frequentam as sinagogas nem comemoram as festas, nem muito menos pretendem fazer aliá, como eu, o sentimento de que Israel era uma espécie de porto seguro. Por isso muitos se tornaram sionistas, defendendo a existência de Israel ali onde esta. Pois bem, isso desabou, perdemos nossa rede de proteção, como o trapezista que, do dia para a noite, tem de fazer suas proezas sabendo que tiraram a rede de proteção do circo. Se cair, morre.
O sentimento profundo neste momento é o da vitória dos terroristas e que nada mais será como antes.
O antes era bom? claro que não, é obvio que Israel (e sobretudo a extrema-direita israelense) carrega uma enorme responsabilidade por ter negligenciado a situação dramática dos palestinos, por não ter dado a importância que a criação de um Estado palestino ao lado de Israel, em cooperação e segurança, exigia … e segue exigindo. Muito embora seja sempre preciso lembrar que o Hamas não representa os palestinos nem nunca se preocupou com a criação de um nação vivendo em paz com seu vizinho. O Hamas só quer a destruição total de Israel. É o que está, preto no branco, em sua Carta.
O Hamas governa a Faixa de Gaza com mão de ferro, segundo os princípios da sharia (lei islâmica), controlando a forma como as mulheres se vestem e são tratadas, chegando a impor a segregação de gênero. É um governo corrupto, ditatorial, que reprime os meios de comunicação, controla as redes sociais, combate a oposição política e as organizações não governamentais.
Por isso o Hamas não representa o povo palestino, que em Gaza sofre muito mais que na Cisjordânia ocupada.
O problema é que este movimento, que é tudo o que de mal existe, obteve uma enorme vitória, ao ter abalado quase 15 milhões de judeus, ao ponto de hoje termos medo. Sentimo-nos destabilizados.
Mesmo que derrote o Hamas, Israel não será mais o mesmo, inclusive – e talvez sobretudo – no imaginário de cada judeu.