Escrevi esta primeira parte do artigo a uma semana atrás. Pensei em re-escrever, mas decidi deixar assim para o leitor poder ver a dinâmica e a velocidade dos acontecimentos em Israel.

19/07/2023

Quando pensamos se seria possível uma guerra civil em Israel, nossa imaginação nos leva a ver uma guerra entre judeus e árabes palestinos. Mas a realidade vai muito mais além de nossa imaginação.

A Guerra civil em Israel já existe. Ela iniciou-se em 4 de novembro de 1995, quando Igal Amir, sob influência de rabinos extremistas e da extrema direita, assassinou ao primeiro-ministro Itzhak Rabin.

A guerra civil vem se desenvolvendo desde lá com o apoio de judeus multimilionários americanos, que criaram a organização Kohelet, que define quais devem ser os passos para um “Novo Israel”, enterrando as origens do sionismo socialista laico humanista democrático e criando um Estado sionista messiânico, influenciado cada vez mais pelas leis da halacha e pela anexação dos territórios palestinos.

A guerra civil, com um só morto, foi comandada pela direita, durante os 13 anos do governo de Bibi Nataniahu, Likud e seus “parceiros naturais”, os partidos do sionismo messiânico, ultra ortodoxos e a extrema direita do Rabino Kahane.

Em janeiro deste ano subiu ao poder, principalmente por um erro grave da esquerda, que não se uniu e assim 2 partidos minoritários não alcançaram a porcentagem mínima , perdendo de 3-5 bancas, dando assim o poder de mãos beijadas a direita e a extrema direita, partido do terrorista judeu de Bem Gvir (ministro da segurança nacional) e do racista Smotrich (ministro das finanças) –  a favor da imposição religiosa no pais (halacha), a favor da anexação dos territórios palestinos, homofônico, cuja plataforma política é o extermínio da comunidade LGTBQ+, contra igualdade de direitos a mulher, aos árabes e finalmente contra o pluralismo judaico e as correntes reforma e conservativa.

Mas, este governo abriu a caixa de Pandora, colocando todos os fantasmas temidos para fora. Mas, sem saber que junto com os fantasmas a caixa de Pandora também continha a Esperança. A reação a Guerra Civil da direita.

Prof. Yuval Noah Harari declarou há dois dias que “O Estado de Israel como o conhecíamos está morto. Este governo está determinado a avançar em apenas uma direção – a ditadura, mesmo à custa de quebrar o contrato israelense “.

O ex-primeiro-ministro Ehud Barak afirmou na quinta-feira que a política liderada pelo atual governo liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu levará a um levante dentro das IDF e do Shin Bet – “A agenda liderada pelo governo mais direitista da história de Israel causará uma revolta e resistência civil, e recusas de ordens por altos oficiais das IDF e pessoal do Shin Bet”.

“O contrato foi quebrado, não podemos continuar assim. Chegamos ao momento da verdade, a um ponto em que sentimos que é tudo ou nada”. Continua Yuval Harari.

Em 1980 foi criado o movimento “Yesh Gvul” (tem fronteira). Soldados da reserva se recusavam a servir além das fronteiras de 67. Eu também assinei a carta de Yesh Gvul. Meu filho nasceu em 1983. 18 anos mais tarde, em 2011 ele se recusou a servir no exército de opressão e domínio dos territórios palestinos. Com ele estava o sobrinho do Bibi Nataniahu. Ambos foram presos por 6 meses, até serem liberados. Naquela época éramos uma minoria, e a causa era o conflito com os palestinos. Ninguém poderia imaginar o que aconteceria 40 anos mais tarde.

Está claro para todos nós que este governo quer eliminar todos os freios e contrapesos do regime   democrático, obter poder ilimitado para si e, assim, transformar Israel em uma ditadura. A princípio o governo tentou fazer isso por meio de uma rápida blitz legislativa. Nós a paramos e esperamos que ela ficasse sóbria. Queríamos acreditar que o governo percebeu seu erro e abandonou seu plano destrutivo. Demos uma chance de negociação na casa do presidente, com muita desconfiança, mas também com muita esperança. Infelizmente, todas as suspeitas foram confirmadas e a esperança foi completamente destruída .

O contrato que manteve nosso país unido por 75 anos está morto . A extrema direita o matou em novembro de 1995 e o governo  de Netanyahu fez “vidui ariga” (comprovante de morte) [1] a partir de janeiro de 2023 e o  enterrou  em julho.

É preciso entender que não estamos falando só de revolução judiciaria, esvaziando o Supremo Tribunal, permitindo ao governo tomar decisões em contra das Leis Básicas de Israel [2] , demissão e admissão de funcionários públicos e contrato de serviços sem concursos, desconectando os ministérios dos assessores judiciais independentes dos ministérios.  O poder executivo já está totalmente conectado com o poder legislativo. O que quer este governo é conectar o poder judiciário ao executivo e assim ter o poder total das decisões no País. Desta forma poderá o governo, com 25 % de membros ultra-ortodoxos aprovar leis religiosas em base a halacha, lei que permita a não convocação ao exercito de “avrachim” (jovens que estudam em Yeshivot – no momento foram exentos 170 mil jovens), lutar contra a comunidade LGTBQ+, reduzir os espaços públicos de mulheres, eliminar os movimentos reforma e conservativo. Um Israel “à la Irã”. Por outro lado, os 2 partidos sionistas messiânicos, de extrema direita, 25% do governo, poderão anexar os territórios da Palestina, conquistados em 1967, transformando Israel em uma África do Sul, com uma população judia previlegiada e sem direito de voto aos palestinos.

O governo não pensava que haveria uma resistência tão grande da população. Apesar de que receberam 64 cadeiras na Knesset, a maioria da população é contra a revolução judiciaria. Se houvesse eleições agora, a oposição receberia 64 cadeiras mais 5 do partido da Frente Árabe e o governo somente 51 cadeiras.

Mas, no momento, o governo caminha a toda velocidade e sem freios para mudar o País e implantar a ditadura. Mais ainda, agora que eles sabem que perderão as próximas eleições.

E quem vai se opor e resistir a esse golpe e revolução judiciaria? Será que as manifestações, que já vão a sua 30ª semana, são suficientes? Claro que não.

Cerca de 4.000 reservistas, oficiais e pilotos já declararam: Deixaremos de se voluntariar se a legislação unilateral continuar. O protesto nas FDI aprofunda-se e espalha-se por mais e mais unidades em todas as forças • A coligação continua a decretar a eliminação da lei da razoabilidade – e mais reservistas ameaçam abertamente que não se reportarão às suas unidades se a lei for aprovada. Reservistas pilotos e navegadores, Shaldag e Shayetet 13 a veteranos de oficiais do Corpo de Inteligência. A previsão do ex-primeiro-ministro Ehud Barak se concretiza.

O contragolpe virá de dentro do exército, dos serviços de segurança e informação, do setor de high tech, do sistema médico-hospitalar (mais de 400 médicos do sistema já declararam que se demitiram, caso as leis sejam aprovadas).

25/07/2023

Em apenas menos de uma semana, mais de 10 mil reservistas declararam que não servirão mais no exército. Há 3 dias atrás saiu de Tel Aviv a caminhada contra a reforma. Iniciou com 50 pessoas e chegou a 10 mil em Jerusalém. A ela se uniram mais de 150 mil pessoas. Entre elas, pela primeira vez, o setor religioso ortodoxo moderado, que até então não havia se manifestado. Em minha opinião elas são mais de 30% da população religiosa.

Durante o dia de domingo, o ex-chefe do serviço de informação fez uma declaração avisando do perigo da lei a ser aprovada. A Histadrut (Organização dos sindicatos) junto com a Organização das empresas particulares reuniu com representantes do governo, prevenindo pela centésima vez do perigo da quebra da economia de Israel. Entregaram uma proposta de mediação. Resistencia total.

Ontem, apesar das várias tentativas de mediação, com proposta de abrandar a Lei da razoabilidade, foi aprovada a lei em sua forma mais extremista, impedindo o Supremo tribunal de intervir e cancelar qualquer decisão do governo, seja de ordem política ou administrativa.  Pressionado pelo lado extremista do governo (Bem Gvir, Smotrich, Levin), que ameaçaram romper a coalisão, Bibi cedeu e permitiu que a lei fosse votada sem nenhuma mudança. 64 a favor, 0 contra. A oposição não votou à lei.

Desta forma, está aberto o caminho para a ditadura. Ontem mesmo, já houve atos de violência por parte da população mais extrema, atos que já se vem manifestando a tempo sem nenhuma resposta do exército ou da polícia – queima de cultivos agrícolas e corte de oliveiras em campos palestinos e queima de carros e casas em aldeias palestinas por extremistas nacionalistas, ataques a igrejas por extremistas religiosos ultra-ortodoxos.

A comemoração de vitória por parte dos partidos extremistas de direita e messiânicos, abre as portas, as populações extremistas de agirem.

A pergunta que para mim é a central, é como agirão as lideranças da oposição e a população que até agora saiu as ruas de forma pacífica. População que envolve extrema esquerda (uma minoria quase sem expressão), esquerda, centro (a grande maioria), os religiosos moderados e árabes.
Será que isto levará a um aumento de grupos de esquerda militantes? Será que isto levará a que a população que até agora soube brecar nos faróis vermelhos de atravessá-los? Será que a revolta civil pacifista até agora, tomará forma de violência?

Não acredito na resistência pela violência. Na revolta civil pacífica existe muito mais força e impacto. Recusar a servir no exército, deixar de pagar imposto, boicote, manifestações pacíficas, greves, etc. Ações que paralisam o país, mas não geram mais violência.

Para evitar um incremento de violência necessitamos também do apoio de fora. Do governo americano e das diásporas. É hora do Levante diaspórico. Deixar de contribuir com o Fundo Comunitário, enviar manifestos de apoio a revolta civil, boicotar Israel. Sim, boicotar àqueles setores extremistas nacionalistas e religiosos.  Manifestar-se em atos contra o atual governo e as medidas tomadas por eles. E não, não é uma questão só dos israelenses. E sim, sim a diáspora tem o direito de interferir. Ela já está interferindo a anos através da Organização Kohelet e outras organizações ultra-religiosas, que querem mudar o rumo do Estado de Israel. É hora dos judeus progressistas se levantarem e gritarem “Dai”, chega. Manifestar em frente da embaixada de Israel. Juntar-se a nós, lembrando que estamos há dois dias de 9 de Av, estamos diante de um “déjà vu” histórico de extremistas assumindo o poder e instigando o ódio gratuito – os principais motivos da destruição do 1º e 2º templo e da autonomia judaica em Israel.

[1] no exercito depois de atirar em um “terrorista” o soldado se aproxima e atira mais uma vez para comprovar a morte

[2] Israel não tem constituição, mas uma série de leis básicas que resguardam os direitos humanos e a declaração da independência, na qual está escrito que todos são iguais perante a lei, independente de sua religião, cor, sexo e raça.