Busco viajar ao paraíso quatro vezes por semana. Escrevi quatro e logo associei ao número de sessões que tinha na análise, não porque o divã fosse um paraíso, mas pelo descanso que vivia da solidão de lidar com os conflitos. Ao paraíso se pode ir só ou acompanhado, pois é obrigatório a gente se sentir como Adão, carente de uma parceria. Bem verdade que formar uma boa dupla para viajar é a oitava maravilha do mundo. Talvez haja no ser humano uma nostalgia do paraíso, o desejo de encontrar um espaço sorridente, a vivência de felicidade, uma vivacidade pura. Viajar ao paraíso é, portanto, transcender o plano da realidade, é recuperar uma plenitude perdida, é sentir um estado de graça.
A Divina Comédia de Dante começa com o Inferno, que é a parte mais famosa do livro, depois vem o Purgatório, e nele há um verso: “Chove dentro da alta fantasia”. A fantasia é a imaginação dentro da qual chove, é uma elevação, é a capacidade de imaginar, essencial para ler A Divina Comédia, e mais ainda para viver. “Imaginar é um ato de coragem, que nos coloca em movimento, instaura espaços de revolta e esperança, abrindo mundos até então desconhecidos”. Essa última frase é a primeira da apresentação do livro Imaginar o amanhã, que o Edson Sousa e eu escrevemos. As crianças imaginam com facilidade, assim como os artistas, e a gente tem que estar sempre aprendendo. Os que tem pouca capacidade de imaginar depositam num Outro poderoso suas vidas. Têm medo da liberdade, é a servidão voluntária, abrem mão de mandar em suas vidas.
Viajar ao paraíso é imaginar, e cada pessoa pode imaginar algum espaço paradisíaco. Minha viagem aqui em Porto Alegre, que vou quatro vezes por semana, é o pouco conhecido Jardim Botânico. As vezes, caminhando nesse jardim, imagino um encontro ao ar livre para conversar sobre amizade, alegria, Brasil, como contribuir para impedir o fim do mundo. Também já imaginei em ser um guia para caminhar nesse jardim que tem milhares de árvores, de plantas, flores, que está quase sempre deserto. Quem entra no JB pode começar a viagem à esquerda da casinha onde se paga uma entrada simbólica. É uma estradinha que é paralela ao lago e segue pelo caminho que mais gosto, todo fechado pelas copas das árvores.
Ao final desse primeiro caminho estão os altos eucaliptos com seus cheiros que purificam o ar. Aí se dobra à direita e sobe em direção ao palco do teatro ao ar livre, num descampado ao lado do estacionamento. Assim começo a viagem quatro vezes por semana com meu passaporte do JB, que custa R$ 14,00, dando direito a dez entradas num mês. Comparto esse paraíso com vocês, é a natureza com a qual a gente pode se reconciliar e se fortalecer. No JB o agro não corta árvores e esburaca a terra matando os lagos, a beleza, a vida. Ah, e quem vai cedo, às nove da manhã quando abre (menos segunda-feira), pode sentir os cheiros da natureza que ainda está despertando.
Por fim: o que é mesmo o paraíso? Há muitas histórias, na Bíblia- Gênesis- como nos povos orientais; uns pensam como sendo o sagrado, outros como mito. No paraíso imaginado é sempre primavera e há uma claridade eterna, um dia nele equivale a mil dias na Terra, e onde há uma música maravilhosa. Para gente agnóstica ou meio metida a cultural, é possível imaginar o paraíso como um espaço de calma, fora da loucura cotidiana, de reconciliação com a infância, e aí as árvores em abundância são essenciais. Quem subiu em árvores na infância nunca esquece essa bela experiência. Vivo no JB algo que me faz lembrar as entradas nas cavernas do Petar, no sul de São Paulo. Entrar e sair de uma caverna é uma espeleoterapia, onde “espeleo” é caverna em grego, pois entrar e depois sair é uma terapia, como hibernar e sair de uma hibernação. Há um renascimento, e renascer gera entusiasmo para viver que alivia os pesos da existência. No JB há algo de sonho, de harmonia e até de utopia. Talvez seja imaginação demais o que escrevi, mas experimentem e quem sabe gostem, amem e até se apaixonem.