Semana passada memoramos o dia do Holocausto, ontem a noite e hoje memoramos Yom Hazikarom (o dia da memória), no qual lembramos os mortos caídos nas guerras e no conflito com os palestinos. Hoje a noite comemoraremos Yom Haatzmaut, o dia da Independência, da criação do Estado de Israel, sonho de 2000 mil anos do povo judeu. São dias de muita emoção e reflexão, uma práxis de minha caminhada pessoal e coletiva. Há 18 anos participo do Yom Hazikaron Alternativo, no qual memoramos os mortos judeus e palestinos caídos nas guerras e no conflito entre os dois povos. https://youtu.be/gxbkR9_ZTrw
Ao acordar hoje, como sempre, coloco músicas especiais de Yom Hazikaron. Cada uma das músicas me leva a um lugar no meu coração de tristeza, dor e esperança. Tristeza e dor pelos caídos, pelo medo de meus netos terem que continuar a servir, ou recusar a servir no exército de domínio a Palestina, antigo exército de defesa de Israel. Tristeza em pensar quantos mais terão que morrer…Bob Dylan. E ao escutar as músicas, dois pensamentos me vieram a mente.
Yamim Noraim (Days of Awe, dias de espanto) é o período de 10 dias entre Rosh Hashana (o primeiro dia do ano judaico) e Yom Kipur (o dia do perdão). São 10 dias nos quais o povo judeu pede slichot (perdão) e se reconcilia com Deus, mas principalmente e antes de tudo com os seres humanos. Vindo de uma família religiosa, Yom Kipur era um dia muito especial, de jejum, com uma áurea e energia especial, no qual rezamos uma reza na qual pedimos perdão por uma série de erros (no original pecados) que cometemos “lefaneicha” (na sua frente). Como criança e adolescente inquieto não entendia por que tenho que pedir perdão a Deus por algo que não cometi. Hoje, esta reza é a que mais me emociona, e que representa a minha metamorfose e o entendimento dela. Em primeiro lugar a reza não se dirige a Deus. Em nenhum momento está escrito “Al hachet she chatati lefaneicha elochim” (sobre o pecado que pequei em sua frente, Deus”. A Palavra Deus não consta no texto, somente “Lefaneicha” (na sua frente). חייב האדם לבקש מחילה מחברו ורק אחר כך מאלוהיו. O homem deve pedir perdão ao seu amigo e só então ao seu Deus. Sendo assim, “lefaneicha” é seu amigo, outro Ser Humano. E não só pedir perdão, mas o mais importante reconciliar. Em segundo lugar, eu sei quais foram os meus erros cometidos de proposito a outro ser humano, mas não sei se ofendi, machuquei, feri a um outro ser humano sem querer. Assim que pedir perdão específico é um sinal de humildade e de respeito pelas diferenças e pelos direitos humanos do OUTRO.
Como escrevi no artigo “Israel é importante demais para deixar somente nas mãos dos israelenses”, foram cometidos muitos erros, alguns premeditados e outros resultados da dinâmica do processo. O pior de todos a Nakba, a Desgraça, dos palestinos. 600 mil refugiados. O Segundo maior erro foi ficar com os territórios da Cisjordânia e de Gaza, conquistados na Guerra dos 6 dias em 1967. Não é hora de analisar quem é o culpado da Nakba, se os próprios palestinos, se Israel, se os lideres árabes dos países vizinhos. A Nakba é a desgraça do povo palestino, que se segue com a conquista dos territórios da Cisjordânia e de Gaza. Também não é o lugar para perguntar porque Egito e a Jordânia não incentivaram a criação do Estado Palestino nestes territórios entre 48 e 67, quando estavam em seu poder.
E, assim como em Yamim Noraim, me veio a ideia de que esta semana entre o Dia do Holocausto e Yom Hazikarom podíamos fazer um segundo Yamim Noraim, e pedir perdão aos palestinos e reconciliar-se com eles. Como em Yamim Noraim, não nos perguntamos sobre os erros (pecados) cometidos pelos outros, aqui também não questionamos os erros do outro lado, dos palestinos. O processo de perdão é um processo de introspeção, seja ela individual ou coletiva. O foco está em nossas ações, independente se foram motivados de forma premeditada, por que nos obrigaram a agir desta forma ou mesmo que não nos demos conta que estávamos fazendo mal ao outro. Desta forma quem sabe o outro lado agirá da mesma forma, criando a dinâmica da reconciliação.
O segundo pensamento surgiu já ontem a noite no Ato de Yom Hazikaron Alternativo. 10 mil pessoas presentes e outras centenas de milhares online, judeus e palestinos, escutamos a tragedia de judeus e palestinos que perderam seus entes queridos, pais, mães, irmãos, irmãs, filhos e filhas. Não existe tristeza maior ou menor, não existe dor maior ou menor. O luto é o mesmo, as memorias são as mesmas, de amor ao caído, apesar de que cada vida é uma vida individual, única.
Fora do espaço ao ar livre, no qual se realizou o ato, 20 extremistas gritavam com megafones “traidores”, cheios de odio a todos os que lá estavam, judeus e palestinos. Em meu livro “Psicopedagogia do amor”, descrevi que o mundo, hoje, se divide em dois. Àqueles que se apegam ao problema e àqueles que se apegam a solução. Os primeiros estão cheios de medo, odio e violência. Medo de perderem o poder, os valores do passado, que já não condizem com o mundo em que vivemos, com o sec. XXI. Enraizados em seus dogmas passados, desenvolvem um processo de desumanização do outro, definindo-os como traidores, ratos. Os segundos, estão cheios de amor e esperança, acreditando em um mundo melhor, no qual se pode perdoar, reconciliar e viver juntos.
O ato de ontem representa bem a sociedade israelense. Uma minoria de extremista, cheia de medo, odio e violência que por usarem “megafones”, sejam eles físicos ou virtuais, nos dá a impressão de que são a maioria. Mas, não. Não são a maioria. A maioria se cala, a maioria está confusa. A maioria não tem respostas, não tem caminho. Estão vivenciando o “bezerro de ouro” moderno, o consumo de bens materiais, o consumo das Mídias, o consumo da religião. Estes se calam, não vem e não escutam. Ou melhor não querem ver, não querem escutar para poder calar-se.
E, finalmente, os participantes do Ato. Cheios de amor e esperança, crescendo a cada dia. Me lembro que no primeiro ato havia algumas dezenas ou talvez centenas de participantes. Ano a ano fomos crescendo até tornarmos milhares, centenas de milhares a manifestar sua esperança à Paz, à reconciliação. Vemos isto também nas manifestações, que se iniciaram como protesto a futura possível ditadura, a favor da democracia judaica, da antiga ordem. Mas, assim como no Ato Alternativo, o número de pessoas e cartazes com os dizeres de “Não existe democracia com o domínio a Palestina”, “Fim do domínio, inicio da democracia” e outros foram crescendo de semana a semana, durante os últimos quatro meses.
Yuval Harari em seu livro Sapiens, escreve que uma narrativa passa a ser valida quando uma massa critica de pessoas passa a aceitá-la. Neste Yom Hatzmaut quero ser e ter esperança de que estamos caminhando para uma massa critica e que finalmente o povo de Israel entenda, através deste governo de extrema-direita e de sionistas messiânicos, de que a liberdade do povo judeu somente será quando o povo palestino tiver sua própria liberdade.
Que no ano que vem Jerusalém, em vez de ser repartida, seja compartida entre judeus e palestinos.
Chag Sameach!!!