Eu sofro de mimfobia/Tenho medo de mim mesmo/Mas me enfrento todo dia. (Millôr Fernandes)

Naquele calorão de derreter concreto, quem pensaria em crise? Pois a caminhada na orla de Copacabana, banhada em suores torrenciais, foi interrompida por um folheto que prometia solução para A Crise. Assim mesmo, com iniciais em maiúsculo, para assustar ainda mais o distinto público. O papelzinho, oferecido por uma mocinha sorridente e patrocinado por uma igreja missionária, faz uma lista detalhada dos grandes problemas que nos atormentam. Como sempre acontece nestes casos, a solução proposta é simples. Basta seguir Cristo.

Longe de mim ridicularizar quem acredita nessa receita. Naquele momento, no entanto, minha maior crise era de hidratação. Meu reino na Terra por uma água de coco! Agradeci à simpática moçoila e segui adiante, com a pulga atrás da orelha. Será que chegamos numa fase tão difícil, parecida com a cena do Monty Python na Vida de Brian, onde se multiplicavam profetas de calibre variado, anunciando o Apocalipse ou desenhando paraísos improváveis? Estará a saída em espectros sobrenaturais?

Tenho uma relação afetuosa com o invisível. Começou nas ondas do rádio, com um programa escrito pelo Henrique Foréis Domingues, o Almirante, “a mais alta patente do rádio”. À noite, não muito tarde, uma voz entre cavernosa e imperativa perguntava: “Você não acredita no sobrenatural? Então ouça!”. Era o programa Incrível! Fantástico! Extraordinário!, que dramatizava histórias contadas por ouvintes. O recheio não variava muito. Almas do outro mundo, maldições, relógios anunciando a meia-noite, cemitérios pulsantes, sofrimentos na eternidade. O Menino acreditava naquilo e, tal como numa sátira dos argentinos Les Luthiers, temia e tremia. Quando o programa passou a ser transmitido nas tardes de domingo, antes das jornadas esportivas, o mistério definhou. A luz é implacável com o invisível.

Evoluí para os clássicos. Fiquei solidário com Boris Karloff, digo, Frankenstein, e sua aflitiva crise de identidade. Me compadeci do Bela Lugosi, digo, Conde Drácula, condenado a sugar vidas alheias e não ter vida própria. Diverti-me com a fileira de filmes B, estrelados por aranhas gigantes, monstros em lagos, metamorfoses zoófilas, alienígenas zumbis. Uma dica. Johnny Depp e Martin Landau protagonizaram uma homenagem delicada à Hollywood em preto-e-branco no filme Ed Wood (nome do que foi considerado o pior diretor de cinema de todos os tempos). Landau na pele de Lugosi é antológico.

Nada se compara com o terror apenas insinuado, sugerido. É o que acontece com o Bebê de Rosemary. Não há uma única cena com o bebê diabólico do título. A história deixa para a imaginação de cada um a aparência do Mal que nasce num útero inocente. Tive medo ao assistir o filme. O enredo convocou uma assembleia extraordinária dos meus fantasmas internos, que se agitaram como na Dança dos Vampiros. Pior. Não adiantaria agitar um crucifixo para acalmá-los. Por razões ancestrais, este símbolo seria impotente. Desculpe o plágio, Ioine!

Há muitos escroques que exploram o Medo para comercializar a fé. Outros, sob aparência menos vil, vendem soluções gerais para lidar com problemas complexos. E la nave va. A melhor forma de dialogar com o invisível é tirá-lo da escuridão. Fantasma não resiste a um facho de luz.

Pelo sim, pelo não, seguro morreu de velho. Não aceito o desafio de entrar num cemitério à meia-noite. Vai que aquelas pequenas chamas azuladas que costumam frequentá-los não são o que os cientistas chamam de fogo-fátuo (combustão espontânea de gases gerados por decomposição de matéria orgânica). Vai que, lá longe, de um horizonte indefinido, ecoa uma voz sorumbática perguntando: “Você acredita no sobrenatural?”. Eu, hein, Rosa! Pernas para que te quero!

Abraço. E coragem.