A lógica que associa o nazismo, o psicanalista Sigmund Freud, o psiquiatra Carl Jung, o escritor R. Louis Stevenson aos bolsomínios se reduz a duas teorias psíquicas e um contexto histórico atual em frangalhos.
O renitente emprego de símbolos, os gestos, as cantarolas de hinos, e a hipnotizante cadência de voz de Hitler eram as estratégias de propaganda repetidas pelo partido nazista para arregimentar e conduzir as massas. No rol dos panfletos, os nazistas ressaltavam as características imponentes do líder, colocando-o acima do povo. Um panfleto com Hitler, num plano elevado, usando a veste de um cavaleiro da Ordem Teutônica– uma das mais poderosas e influentes ordens da Alemanha nas Cruzadas–, mostra-o empunhando sua espada e dirigindo seu olhar à população. Num plano abaixo, chamas luminosas, advindas de candeeiros erguidos pela juventude nazista, expõem a celebração do solstício. O efeito dessa composição sugere que o poder de elevar as massas está nas mãos do cavaleiro divino (que utiliza do jogo das luzes dos candeeiros para iluminar seus fiéis com sua espada) cuja missão é quase um salvamento messiânico delas.
Em 1919, em seu ensaio, Sigmund Freud cunha o termo Del unheimlich (O Inquietante) para se referir à atração da coletividade aos aspectos sombrios e ocultos que imagens, fatos, ou impressões suscitam nos indivíduos, agindo sobre eles como verdadeiros feitiços. Em O Homem e seus Símbolos (1968), Carl G. Jung dá um salto adiante para mostrar essa mesma atração pela via dos arquétipos. Manifestados como imagens ou símbolos do inconsciente, os arquétipos são forças psíquicas dissociadas da consciência, possuindo autonomia própria e atuando de forma coletiva. Essas forças podem cooptar participantes para seitas, criar novas religiões e arrastar multidões arrefecidas. Aos arquétipos, se fixam os rituais que replicam seu poder magnético, resultante de uma deficiência na humanidade. A despeito dos avanços materiais da civilização, os psíquicos ainda carecem de atenção e se revelam por intermédio de forças inconscientes coletivas. Enquanto existirem guerras, fome, miséria, e rejeição à velhice e à morte, a humanidade continuará produzindo arquétipos.
Na ficção, essa atração se evidencia nos filmes, peças de teatro, revistas em quadrinhos e videogames que reiteram o arco temporal da transformação do personagem de R. Louis Stevenson no romance O Médico e o Monstro (1886). O fascínio que esse fenômeno exerce no público reside no jogo entre os polos opostos das personalidades de Jekyll e de Hyde e numa sedução da coletividade acerca dos aspectos sinistros e camuflados do renomado e bem-sucedido médico.
Del unheimlich e os arquétipos são construtos que explicam as bizarras transformações de indivíduos normais em bolsomínios, tornando-os verdadeiros monstros trogloditas. É como se a personalidade pré e pós-bolsomínia coincidisse exatamente com a mudança ocorrida na alegoria de Stevenson há quase um século e meio em que os caracteres diametricamente opostos são absorvidos um pelo outro ao alvorecer do dia. Como no nazismo, o bolsonarismo explora a força dos arquétipos e o fascínio em se emergir seus poderes funestos e latentes (del unheimlich). Sabendo da fragilidade socioeconômica da população, da ausência de uma robusta base educativa e das deficiências políticas na sociedade, o bolsonarismo se utiliza desses calcanhares de Aquiles para criar o seu projeto político. Conta com a massificação da mídia social e com a retórica propagandista para dar cabo ao seu projeto, empregando para isto, o mote da pátria, da família e de Deus a fim de avalizar suas desumanidades. Assim como no nazismo, essa narrativa hipnotiza a população que conta com o messias para lhe dar o acolhimento psíquico bem como resolver as mazelas sociais. Seu instrumento de poder não é a espada do cavaleiro teutônico, mas, sim, uma arma de fogo para a população se proteger de uma retroalimentada violência. Com isso, Bolsonaro abona os homicídios e dá álibis para lunáticos como Roberto Jefferson e Carla Zambelli protagonizarem cenas de bang-bang, vistas nos filmes hollywoodianos, filmes estes somente passados em vídeos de motéis de beira de estrada. Suas palavras tersas e de baixo calão rebaixam as minorias e oportunizam agressões verbais e físicas. Bolsonaro (não ele propriamente dito porque é incapaz para tal) soltou a fera voraz que habita os recônditos cantos da psique e fez a metade do Brasil ser habitada por senhores Hydes.
Lucia Ribas/PhD em Literatura e Cultura Americana-Universidade de Haifa, Israel