Parecia ter nascido com pijama e chinelo. Rosto esculpido em tristeza, vagava sozinho pelo cimento fecundo da vila. Às vezes, dava as caras sua mulher, gêmea da Mãe Chucruts (quem leu Sobrinhos do Capitão sabe de quem estou falando),  sempre de avental, cabeça baixa, sorriso raro. O filho, recruta do exército, igualmente silencioso e triste, usava o corte de cabelo reco que todos replicávamos à força. A família do seu Gama, de rotina opaca e destino penoso, acompanhou palmo a palmo minha meninice. Era assim que as coisas deveriam ser?

Ouvia falar de futuros pela voz autorizada do astrólogo Omar Cardoso, oráculo dos sem futuro. O bordão “todos os dias, sob todos os pontos de vista, vou cada vez melhor” não combinava com o que o Menino via. Seu Gama e sua tribo melancólica, “tia” Marília, sempre à espera de uma relação amorosa que nunca vinha, o demitido pela fábrica de margarina, desempregado crônico, a mãe solteira que consolava o filho com gravações de um pai ausente. Cada vez melhor? Seria uma conspiração cósmica dos astros contra as interpretações do Cardoso? Andaria embaçada a lupa premonitória do feiticeiro?

Nunca apelei para simpatias, leitura de mãos, cartas, búzios, borra de café, ervas milagrosas, vidas passadas. Não sei se já repararam, mas o léxico dos futurólogos é uma declaração de crença incondicional, e tola, na natureza humana. As “previsões”, recentemente rebatizadas como “tendências”, não nos enxergam como seres complexos, portadores de sentimentos antagônicos em luta permanente. Seríamos o adiamento cotidiano e necessário de virtudes que precisam apenas ser liberadas. Onde é que já se viu um horóscopo antevendo, por exemplo, que os fulanos do signo tal vão, em massa, aproveitar uma oportunidade e esganar o vizinho barulhento e inconveniente? Ou incinerar o cãozinho pigmeu, ameba quadrúpede, que não para de latir? Ou ainda retaliar demissões injustas jogando pó-de-mico em cadeiras patronais? Quem sabe, numa homenagem póstuma ao Carlos Heitor Cony, darão a pista para, finalmente, se descobrir os ossos da Dana de Teffé?

Omar Cardoso, Zora Yonara, a turma que enfeita os postes dando garantia de que “traz seu amor de volta em três dias”, são românticos contadores de histórias perto dos pretensiosos que, hoje, dão verniz “científico” às previsões. Há de tudo, a cada minuto, homessa!, nasce um otário.

Fiz um pequeno teste. Sei que nasci numa sexta-feira. Certa senhora que assina coluna semanal em jornal de grande tiragem, falando sobre “espiritualidade”, fez uma lista de características comuns a pessoas que nascem em cada um dos sete dias da semana. O que coube a mim e aos milhões de sexta-feirinos neste latifúndio astral? Primeiro, a grande revelação. Somos de Vênus. O que isso quer dizer? Que sou uma parte extraviada, Auíca!, dos Incas Venusianos? Ou uma vastidão inóspita, imprópria para respirar, vazia de impulsos vitais? Adiante. Minhas cores indicadas são verde e rosa. Protesto! Sou portelense. Lá também diz que adoro festas, tenho bom humor imbatível, só me engajo nas melhores ações. Para tanto acacianismo, tenho uma coisa a declarar: errou de A a Z.

A Terra já tem 8 bilhões de habitantes. Só posso atribuir à insegurança, a mesma dos nossos ancestrais nas cavernas, a crença em patacoadas astrológicas. É duro não saber de onde viemos e para onde vamos. Vejam vocês, entre os 8 bilhões de terráqueos, há cerca de 1 bilhão vivendo em favelas. Pois nossos valorosos adivinhadores/intérpretes garantem que, por terem nascido em determinado dia e horário, o favelado do Buraco Quente tem a mesma perspectiva existencial do burguês da Vieira Souto. Influência das condições materiais, das condições históricas de exploração do trabalho humano, das alternâncias na política? Para com isso, ô materialista antipático. Deixa a gente se iludir um pouquinho. Só um pouquinho…

Pensando bem, pelo menos uma das características reveladas pela, como direi, espiritualista, faz algum sentido. Em certas e mui especiais ocasiões, tenho bom humor. Por isso, encerro citando Millôr Fernandes, profissional do ramo (não do espiritualismo, mas do humor e da fina ironia): “Quando eu era criança, o futuro ia ser radioso, o futuro ia ser limpo, o futuro ia ser feliz, o futuro ia ter televisão, que seria uma maravilha. Agora o futuro é a ameaça da bomba, a ameaça da fome, a ameaça da superpopulação e da poluição. Não se faz mais futuros como antigamente”.

Abraço. E coragem.