Colocava sal num pedaço de pano, transformando-o num saquinho amarrado com barbante. Fechava os olhos e, murmurando palavras incompreensíveis, movimentava o saquinho ao redor da cabeça do Menino. Em seguida, acendia o fogão e queimava aquilo que, pelo ritual, teria atraído todo o mau-olhado porventura lançado contra o peladeiro tímido e dentuço que eu era. As cinzas comprovavam o sucesso da mandinga e a vida, meus olhos suplicavam, torceria por mim.

A avó trouxera esta defesa sobrenatural da Polônia profunda, do shtetl que a viu nascer. Posso compreender o apego ao incompreensível. Cá pra nós: a realidade, o cotidiano nada amável, as prisões existenciais e das tradições machistas, os preconceitos ao redor, tudo conspirava a favor de respostas fantasiosas a tantos e tamanhos problemas. Naquele mundo, o delírio poderia dar num gênio que o aproveitava como arte, como Chagall, ou no meshuguene da aldeia, prisioneiro do universo paralelo.

Uma notícia recente me transportou, mal e mal, para as profundezas de sombras, charlatanismo e, por que não?, medo. Perto dela, meu querido pássaro de Makow-Mazowiecki não passava de aprendiz dos desejos impossíveis. Esta notícia reflete um estado surpreendente de inanição cognitiva, de empulhação, de ofensa a tudo o que o Homem descobriu em séculos de observação e estudo da Natureza.

Ao lê-la, vá lá otimista, cheguei a pensar numa possível onda nostálgica, dessas que marqueteiros usam para requentar velharias e ganhar uns trocados. Vontade de reeditar as histórias de Alceia e Memeia, as bruxas trapalhonas das historietas da Luluzinha? Quem sabe bateu saudade coletiva de rever Elizabeth Montgomery, no delicioso seriado A feiticeira, que a televisão exibiu nos míticos anos 60?

As razões podiam, entretanto, ser menos inocentes. Crescimento da popularidade do scratch bruxista que nos atormentou nos últimos 4 anos? Olhem só o onze das Magas Patalogicas: Cássia Kiss, Regina Duarte, Damares Alves, Carla Zambelli, Mayra Capitã Cloroquina Pinheiro, Nise Yamaguchi, Ana Paula do Volei, Janaína Paschoal, Bia Kicis, Lindora PGR Araújo e Glória Perez. Um time tresloucado, com tática peculiar: ninguém joga no setor esquerdo do campo, território, claro, dominado por comunistas. A notícia teria a ver com essa assombração?

Seria, talvez, quantificação de homenagem ao Noel Rosa e seu Feitiço da Vila? Desagravo extemporâneo à caça às bruxas no macartismo? Solidariedade aos que sofrem de bruxismo? Pânico da vassoura-de-bruxa nas plantações de cacau? Assalto revisionista às sentenças dadas às Bruxas de Salem? Reivindicação das massas por uma pós-graduação para o Aprendiz de feiticeiro, com grife Paul Dukas?

De que notícia, afinal, estou falando? Um economista americano, analisando dados de 95 países, descobriu que cerca de 40% da população global acredita em bruxaria. O Brasil, oh meu mulato inzoneiro, ficou acima desta média, cravando 51%. Trocando em miúdos. Mais de metade do Brasilzão, o nunca demasiadamente louvado país do futuro, estacionou na Idade Média. Ciência? Quem precisa disso, se uma boa simpatia resolve qualquer abacaxi? Um em cada dois brazucas tende a acreditar mais em bruxas e suas mezinhas diabólicas do que nos cientistas que, por exemplo, fotografaram um buraco negro no meio da Via Láctea, a 27.000 anos-luz de distância da Terra (1 ano-luz equivale quase 10 trilhões de quilômetros). Sem apelo à mágica, usando conhecimento acumulado por milhares de pesquisadores de todas as épocas. Trabalho árduo, sem abracadabra. É isso mesmo?

No mesmo dia em que a imprensa publicou essa notícia espantosa, e desanimadora, uma certa senhora que mantém coluna fixa em jornal de grande circulação divulgou, finalmente, a grande panaceia universal. Se todos dedicarmos um minuto diariamente para “colocar o amor a serviço do mundo”, enviando energias positivas (sic) sabe-se lá pra onde, tudo será possível. Assim mesmo: tudo! Detalhe: há que se fazer isso pontualmente ao meio-dia. Taí, bruxaria moderna não se faz com a varinha da Alceia, mas com clichês patéticos. Tudo ao gosto do imediatismo esterilizador que empobrece neurônios e culturas.

Não à toa fica difícil trabalhar com a ideia de que só o povo construirá sua própria história, que o poder vem de sua organização e disposição para o combate. Trabalho árduo, demorado, sem garantia de que o coelho sairá da cartola. É mais fácil levantar os dedinhos para o céu, evocar a força de todas as superstições e clamar “pelos poderes de Grayskull!”.

Abraço. E coragem.