Há pouco mais de 4 anos atrás tomei duas decisões importantes na minha vida. A primeira foi “me livrar” de todos os racistas, homofóbicos, misóginos e antidemocráticos do meu círculo de parentes, amigos e conhecidos reais ou virtuais. A segunda foi deixar o Brasil de vez e me mudar para Israel, um sonho há muito acalentado e adiado.
Hoje olhando para trás vejo que foram decisões acertadas para mim e minha família. Todos estão morando em Israel e pela primeira vez em muitos anos, passamos a festa de ano novo judaico juntos e felizes.
Ao me afastar de pessoas do mal, deixar de discutir com gente sem a menor vontade de trocar ideias, parar de responder aos ataques a civilização, minha vida melhorou muito. Não é que eu tenha deixado de me importar com a barbárie, pelo contrário, coloquei minhas forças e disposição na construção de um círculo de pessoas do bem para lutar contra ela. Assim, por exemplo, nasceu o grupo do FB Judeus Contra Bolsonaro.
Antes dele ajudei a criar os abaixo assinados contra a ida de Bolsonaro na Hebraica-SP e depois na Hebraica-RJ. Sucesso na primeira empreitada e com a ida de dezenas de judeus a porta da Hebraica-RJ para se manifestar contra a presença do mal lá dentro, no que ficou conhecida como a primeira manifestação de rua contra Bolsonaro, posso dizer que foi uma segunda vitória.
O Judeus Contra Bolsonaro, que administro com a parceria de outros companheiros, atraiu aquela parcela da comunidade judaica que percebia o que estava acontecendo naquele momento difícil do golpe e a prisão de Lula, e desejava fazer alguma coisa. O grupo chegou a ter 8 mil membros, o maior grupo judaico do FB brasileiro. Hoje com cerca de 6 mil, ainda é um dos maiores grupos e concentra, em sua maioria, aqueles que pensavam estar sozinhos. Que surpresa boa saber que existem tantos judeus preocupados com o fascismo.
Criei o site A Voz da Esquerda Judaica, um espaço para judeus de esquerda publicarem o que produzem, poesia, contos, crônicas, artigos, reportagens etc. Um verdadeiro blog do que de melhor existe no judaísmo progressista.
Dentro de poucos dias teremos as eleições no Brasil. Todos que me conhecem sabem que voto em Lula. Sempre fui de esquerda e sempre me guiei por linhas humanistas e socialistas. Nestes anos todos procurei superar meus defeitos, aprimorei meus sentimentos e minha forma de ver o mundo, compreendi meus erros passados e procurei me tronar uma pessoa melhor. Nunca vou atingir a perfeição, mas convivo bem com esta limitação.
Acredito que Lula possa ganhar já no primeiro turno. Não tenho dúvidas de que vai voltar a presidência. Logo após o primeiro turno, tenho a frente o Yom Kipur (Dia do Perdão), a data mais importante do calendário judaico. Segundo a tradição, nós judeus temos dez dias depois do inicio do ano para uma introspecção. Como o nome da data sugere, perdoar os que nos causaram mal e pedir perdão pelo mal que possamos ter causado a outros.
Não sou uma pessoa religiosa, respeito os que o são. Acredito que todo ser humano busca à sua maneira de ser feliz e de estar em paz consigo mesmo e o mundo que o rodeia. Se para alguns existe a necessidade de um parceiro nesta jornada, que assim seja.
Dito isto, eu me dou o direito de pelo fato de ainda não ter atingido a perfeição, e fazendo um balanço do meu último ano, acredito que fiz muito mais o bem do que algum mal aos que me são próximos. Meu saldo neste sentido é positivo. Até mesmo aos com quem deixei de conviver, acredito que lhes fiz um favor ao poupá-los de minhas ideias progressistas. Deve ser muito ruim para eles conviver com um sujeito que se importa com o próximo e acredita que somos todos iguais e merecedores de justiça social e das mesmas oportunidades na vida.
Ao mesmo tempo, eu tento me perdoar por haver convivido durante tanto tempo com gente da pior espécie. Amigos de infância, parentes próximos, conhecidos de uma vida toda. Eu não me dei conta do tipo de gente que realmente eram e durante um tempo ri de suas piadas preconceituosas, de seus comentários racistas, de suas atitudes grotescas para com o próximo.
Eu não os perdoo de maneira alguma. Não perdoo pelo que são, pelo que representam e principalmente pelo mal que causam ao mundo. Eu disse antes que não sou perfeito, eis a prova. Lamento, mas sou incapaz de estender minha mão a um fascista. Não durante dez dias em introspecção, nem nesta vida serei capaz de uma coisa destas.
Livre desta espécie de gente, mantive perto os próximos dos meus ideais e conheci centenas de pessoas que pensam como eu. Os tenho todos guardados em meu coração e compartilho com vocês os momentos felizes e os menos agradáveis porque sei que nunca largaram a minha mãe e eu sempre segurei a de vocês.
Peço sim perdão aos que não pude ajudar, aos que possa ter decepcionado por qualquer razão que me é desconhecida dizendo que não foi minha intenção. Perdão pela minha maneira franca de dizer as coisas, de ser prático com as decisões e por um senso de justiça que me guia e nem sempre possa ser compreendido. Gostaria de ter feito mais e melhor.
Também é parte da tradição desejar que sejamos inscritos no Livro da Vida, uma forma talvez até poética de dizer que quero ver a todos vocês, gente do bem, presentes em mais um ano da minha vida. Eles não!