A Verdade e a Parábola foram discursar numa cidade, e reuniu muita gente para escutar a Parábola. Já a Verdade só falou para um casal, um cachorro e um gato. Quando tudo terminou, a Verdade tristonha perguntou à Parábola: “Por que eu reuni duas pessoas apenas e você, que disse coisas parecidas, aglutinou uma multidão?”. Então a Parábola respondeu: “Tudo depende como se conta a verdade”. É preciso aprender como conversar com os indecisos, pois com a turma fanatizada é inútil. É fácil dizer hoje que no nazismo a gente seria antinazista, como é fácil pensar que diante do fascismo espanhol a gente seria republicano, ou nos Estados Unidos se seria democrata e contra Trump. Hoje, aqui no Brasil, a democracia vem sendo atacada desde o golpe de 2016.
O golpe avança com os ataques às urnas, ao Poder Judiciário, o crescente medo que paralisa até conversas sobre as eleições. Para quebrar o gelo, tenho perguntado assim para desconhecidos: “Uma pergunta difícil, mas não precisa responder: em quem a turma aqui votará nas eleições?”. Em geral, respondem que a maioria votará na democracia e não no autoritarismo, mas nem sempre! Um dos livros de maior sucesso nos Estados Unidos e em outros países é “Como as Democracias morrem”. Durante vinte anos, dois professores de Ciências Políticas da Universidade Harvard estudaram os últimos cem anos da democracia mundial. Steven Levitsky e Daniel Ziblatt puderam detectar quais os passos que os inimigos íntimos da democracia percorreram até matar a senhora Democracia. Definiram quatro principais indicadores de comportamento autoritário:
1) Rejeição das regras democráticas do jogo ou um compromisso débil com elas. Os candidatos rejeitam a Constituição ou expressam disposição de violá-la. Sugerem a necessidade de medidas antidemocráticas. Tentam minar a legitimidade das eleições, recusando-se a aceitar resultados eleitorais.
2) Negação da legitimidade dos oponentes políticos, descrevendo alguns de seus rivais como subversivos ou oponentes à ordem constitucional. Que são uma ameaça à Segurança Nacional, pois são criminosos.
3) Tolerância ou encorajamento à violência. Laços com gangues, forças paramilitares. Estimulam seus seguidores a ataques contra oponentes. Elogiam atos de violência política no passado ou em outros lugares do mundo.
4) Propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia. Ameaçam tomar medidas legais punitivas contra seus críticos. Elogiam medidas repressivas tomadas por outros governos tanto no passado como no presente.
Em recente entrevista de Levitsky a “Roda Viva”, ele disse que a vitória no primeiro turno seria importante à democracia. Antes de os professores de Harvard escreverem sobre a morte das democracias, teve o livro de Tzvetan Todorov “Os inimigos íntimos da Democracia”. Nascido na Bulgária, teve sua tese de doutorado orientada por Roland Barthes, estudioso da literatura e da linguística, nos últimos anos de sua vida escreveu sobre as graves ameaças mundiais à liberdade. Ou seja: há muitos anos a humanidade democrática vem sendo atacada por doenças de guerra, de ódio, de crueldade, e muita gente ainda não acordou.
Recebi de um amigo algumas frases do cantor Chico César, como esta: “Aqui estou para acordar os dormentes”. Acorde, a hora é agora, o dia está chegando, é preciso acreditar na vitória da liberdade, da justiça, da democracia. Por dever humanista, não é possível seguir silenciando frente ao ódio à vacina, às mulheres, aos negros, aos índios, aos pobres, à devastação das florestas. Tenho a impressão de que muitos estão se acordando, mas outros ainda seguem adormecidos, indiferentes.
Gente querida, é preciso acordar!