O primeiro sábado de setembro começou ensolarado, um anúncio de primavera com os pássaros cantando alegremente. Estava indo pela avenida Ipiranga para a Feira Ecológica da José Bonifácio no Bom Fim quando parei o carro num posto de gasolina. Chegou o frentista e foi feita a combinação que era para encher o tanque de gasolina aditivada. O frentista se ofereceu para lavar os vidros, e quando o trabalho foi encerrado eu disse a ele:
– Farei uma pergunta que não precisas responder.
– Manda aí, chefe, sem problema.
– Como anda o posto sobre as eleições?
Um leve sorriso do trabalhador antes de responder.
– Olha, eu posso dizer que no turno da manhã é quase todo Lula. Eu há tempos decidi meu voto nele, é claro. Olhe o preço da gasolina, ele apontou a placa, que estava sete reais e baixou para menos de cinco só pelas eleições. O senhor já verá como ficará logo após o dia dois de outubro.
– Tens alguma explicação dos porquês desse voto do turno da manhã?
– O custo de vida está altíssimo, para nós mais pobres está muito difícil à vida, esse governo apregoa armas em vez de comida.
– Tu lembras dos governos Lula, devias ser muito jovem?
– Hoje tenho 34 anos, logo, era jovem e comecei a trabalhar naquela época e se vivia melhor, sem dúvidas.
– Última pergunta: há chances de vitória no primeiro turno?
– Muita gente vai mudar o voto até o dia das eleições, mas acredito que Lula vencerá com certeza.
O frentista trouxe a maquininha, paguei feliz, dei uma gorjeta e expliquei a ele que era pela consciência política dele. Entre o frentista e quem tem carro há muita distância social, econômica, mas saber de seu voto me alegrou, e a conversa humaniza. Quantas vezes a relação com os trabalhadores criam barreiras intransponíveis. Saí em direção à feirinha onde vou todos os sábados, imaginando um país melhor. Foi o primeiro diálogo desse papel de jornalista que, às vezes, gosto de brincar. Creio que convém ir falando com desconhecidos, mas com cautela. As eleições que estão chegando serão um plebiscito entre a democracia e o autoritarismo, o poder civil, as artes, as ciências, a educação e a saúde versus as armas, os armados, certos empresários e a turma do agro antipop. De um lado, os que desejam a paz, de outro, os que apregoam a guerra; os que são a favor da Justiça e os que defendem a Injustiça; os amorosos e os cruéis. Finalmente, é bom recordar que os líderes fascistas como Mussolini e Hitler mobilizaram muitos milhões de italianos e alemães. Os apaixonados pela ditadura são os seduzidos pela servidão voluntária, a grande massa de brancos com posses que escolheram um líder como eles. Os armados adoram matar negros, índios, pobres e opositores, e diante dessa loucura social será preciso coragem e astúcia.
No ano de 2019 muito se escreveu nas redes sobre ninguém soltar a mão de ninguém, de união entre todos, de manter as mãos dadas, e lembrei-me de um poema famoso do Carlos Drummond de Andrade. Na semana da Independência, uma homenagem à poesia brasileira, pois a vida requer amor, que requer poesia, e a poesia é o par de dança da alegria. Logo, que possamos caminhar de mãos dadas nas ruas ensolaradas para festejar o fim do mais longo inverno do milênio.
Mãos dadas
Carlos Drummond de Andrade
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.