Era um dia de céu escuro anunciando chuva. Eram mais ou menos dez horas, hora do recreio na Escola Educação e Cultura, o colégio judaico do bairro Bom Fim. Em vez de os alunos irem brincar, chamaram todos para um amplo pátio. Veio então a diretora do colégio, toda vestida de preto (sapatos pretos, meias de nylon pretas, traje preto), e com voz chorosa disse que o grande presidente Getúlio Vargas morrera naquela manhã e o Brasil estava de luto. Disse, no final, que não haveria mais escola naquele dia. Começou assim o inesquecível dia 24 de agosto de 1954. Ao meio-dia, escutei som de tiros próximo à minha casa, som de caminhões e tanques. À tarde, fui a uma festa de aniversário do primo Bruno, e ao chegar ele chorava, dizendo que ninguém iria vir na sua festa. Depois de alguns anos, vivi, já adolescente em 1961, o ano da Legalidade, e logo veio 1964, o ano do golpe e do começo da longa ditadura militar do nosso país.
Muitos anos se passaram, e uma vez viajei ao Rio de Janeiro, e numa manhã saí a caminhar a esmo. Fui indo pelo aterro do Flamengo, quando vi um portão de ferro semiaberto num longo muro. Curioso, dei uma olhada e vi um belíssimo jardim com palmeiras de pescoços finos a perder de vista em filas paralelas, entre jardins impactantes. Entrei devagar e perguntei ao primeiro trabalhador que vi sobre o que era aquilo tudo e escutei que era o Palácio do Catete. Fiquei pasmo, pois sabia que num quarto dessa imensa construção tinha se suicidado o presidente Getúlio. Caminhei devagar pelos jardins muito bem cuidados, enquanto olhava à direita e à esquerda do caminho central entre as palmeiras, e lembro até hoje as emoções de estar diante do famoso palácio, onde viveram tantos presidentes. Cheguei, finalmente, a uma primeira sala que percebi ser o salão das reuniões ministeriais pela longa mesa e as cadeiras. Seis cadeiras de cada lado da mesa e na ponta a cadeira do presidente do Brasil. As cadeiras onde se sentaram ministros como Tancredo Neves e Osvaldo Aranha, e as paredes com quadros em tons escuros. Havia uma porta entreaberta pela qual passei e logo vi uma escada e veio o segundo andar. Olhei aqui e ali, buscando o quarto famoso dos presidentes. Subi mais um andar e, finalmente, percebi que só podia ser o quarto do suicídio. Olhei a cama sem colchão, o guarda-roupa, uma mesinha, até que avistei um móvel com um vidro e atrás dele um casaco de pijama com uma mancha escura na altura do coração. Foi por meio desse casaco que senti me encontrando com o mais famoso dos presidentes do Brasil. Estava no quarto em que no dia 24 de agosto, às 8h35, Getúlio segurou um revólver 38 com as duas mãos-para não errar- deu um tiro no seu coração.
Ao longo dos anos fui entendendo por que ele teve que se suicidar, pois se sentia já velho, e o suicídio foi o caminho para defender sua dignidade, sua honra, com a famosa frase final da carta-testamento: “Saio da vida para entrar na História”. A grande acusação contra Getúlio era da corrupção – já naquela época – que ocorria entre os que estavam próximos a ele. A verdade também era que foi um nacionalista na criação da Petrobrás, e sua disposição de lutar pelos mais humildes, pelos trabalhadores, contrariava muitos interesses civis e militares. Em janeiro de 1954 o salário teve um aumento de cem por cento, e em fevereiro apareceu o manifesto dos coronéis em tom sedicioso. Tudo isso se uniu a uma poderosa oposição e ao descontentamento popular com a inflação.
A Era Vargas durou de 1930 até 1964, quando ocorreu o golpe militar tentado dez anos antes. Anos depois, sonhei com o número 1964, que associei tanto ao golpe militar como ao traumático 1954, o ano em que era um menino atônito com a morte do famoso presidente Getúlio. Revivo hoje o clima de violências e ameaças do passado com a ex