Todo mês compro um passaporte para ingressar no paraíso. O paraíso se vincula aos jardins, à beleza da natureza, do clima alegre, suave, e de paz, como os descritos nos capítulos II e III do Gênesis na Bíblia. Sua história, mesmo sendo sagrada, é também o mito dos mitos, tem milhares de anos, anterior até ao Tanach – Velho Testamento –, podendo ter nascido na Pérsia. De criança escutei muitas vezes a história de Adão e Eva, do castigo pela desobediência. As religiões anunciam um paraíso para depois da morte, mas prefiro o paraíso terrestre. Há muitos anos visito um paraíso de nossa cidade, até Porto Alegre tem o seu, pois cada cidade, cada casa, cada um pode inventar seu paraíso.
O paraíso, na verdade, é uma imagem utópica da própria Humanidade; para os que vivem com fé o sagrado, trata-se do paraíso perdido, já os profanos podem ter algum paraíso aqui. Para Kant, por exemplo, o paraíso é o primeiro momento do uso da razão e do progresso na história do homem. Karl Marx, ao descrever o que seria o comunismo parecia um profeta prevendo a revolução e a transformação total da Humanidade. Já Nietzsche o descreve como a expressão do conflito entre a Humanidade e suas crenças. Kafka escreveu que por falta de paciência o homem perdeu o paraíso e por falta de paciência não volta para lá.
Na Bíblia difamaram a querida Eva, pois ela desobedeceu ao Todo-Poderoso. Estimulada pela serpente, que teria sido a Lilith, Eva comeu da árvore do conhecimento, que era o erotismo. Ela e Adão, após comerem os frutos se perceberam nus e sentiram vergonha, e assim se humanizaram. Que seria da vida sem eros, sem erotismo? É melhor nem imaginar, aliás, nada mais erótico que a imaginação, e então, “Viva a Eva!!!”. Ainda bem que Adão aceitou comer o fruto dessa bendita árvore do conhecimento, mas Eva foi maltratada, acusada de ser a responsável da perda do paraíso até hoje pelo autoritarismo machista. Eva deveria ser abençoada, pois graças a ela nasceu a sede de saber, a curiosidade, as artes e as ciências.
Todos temos uma dívida de gratidão com Eva, ela foi atacada injustamente, o paraíso sem erotismo era chato e Adão me contou que a vida lá era entediante até chegar a mulher. O homem sem a busca do conhecimento, é como se fosse um gado de cabeça baixa e obediente. São esses que seguem o primeiro Adão, já o segundo-após comer da árvore do conhecimento- são os seguidores de Eva. O problema do mundo não é o erotismo, ao contrário, é a falta, a falta de amor à natureza e à cultura, os pecadores são os que derrubam árvores, matam os protetores das florestas, só visam lucros acima de tudo e de todos.
Agora, para entrar no Paraíso é só comprar o passaporte que se compra na entrada e custa R$ 14,00 (sim, quatorze reais) e dá direito a dez visitas em um mês. Aí se pode passear por árvores, plantas, flores, caminhos, descampado. Tem até lugar para estacionamento e um pequeno restaurante. Quase sempre está vazio, poucos funcionários, e visitantes quase não há de terça a sexta, e poucos no sábado. Passear pelas alamedas, admirar os lagos, entrar no museu do Jardim Botânico, ver os cisnes negros no lago de cima, tudo num clima de segurança e alegria, é sentir um pouco do paraíso. Sou entusiasmado por esse jardim mesmo tendo visitado o incrível Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que tem quase tudo e mais um pouco.
O nosso é mais simples, mais humilde, mas está muito perto de nós, e a imensa maioria dos cidadãos não vão. Agora, quem conhece e não vai está perdendo, e quem não conhece me choca, pois é um dos espaços vibrantes de Porto Alegre. Em 2009, quando o Jardim fez sessenta anos, foi feito um livro com ensaios da médica Cândida Otero (que relata como o JB salvou sua vida, pois o jardim é um poderoso antidepressivo), e Luís Fischer, que mora ao lado, entre outros e até eu, todos apaixonados pelo nosso paraíso. Um dia marcaremos um passeio pelo JB e terei prazer de ser o guia. Ah, quem me abriu as portas desse jardim/paraíso foi uma descendente de Eva, que se chama Sonia Maria, a quem agradeço por escrito.
P.S.: O paraíso é uma imagem idealizada da utopia. Será lançado no dia 2 de julho no bairro Floresta, rua Visconde do Rio Branco, 744, das 16h até as 19h um livro poético/psicanalítico. Seu autor é um estudioso sobre utopia e psicanálise, nosso amigo Edson Sousa. A obra é fruto de quase vinte anos de estudos com trabalhos apresentados em vários países. É preciso manter o entusiasmo no teatro dos abraços.