A raça humana não consegue suportar muita realidade (T. S. Eliot)

No Brasil, está mais fácil encontrar influenciadores digitais (“influencers”) do que dentistas ou arquitetos. Segundo uma empresa multinacional de pesquisas, há no país meio milhão de influenciadores digitais, contra 374 mil dentistas e 212 mil arquitetos. Quem são estes iluminados, que conseguem a proeza de chamar a atenção na selva virtual? Teriam a mesma capacidade de envolver interlocutores como faziam os que nós, das antigas, chamávamos de formadores de opinião?

Uma pequena pesquisa e tiro o coelho da cartola. Trata-se, essencialmente, de um enorme departamento de vendas, maquiado como inocente peça da indústria de entretenimento. Usa o voyeurismo patológico que se espalha como praga pelo planeta e vende de tudo. Os influenciadores são veículos de propaganda, que vendem de shampoo a leite de cabra, de cortes de cabelo a pacotes turísticos. Donos de animais, há sacerdotes da fofurologia que usam os bichinhos para faturar no mercado pet (bleargh!). Estão à venda também espaços para lançamento de carreiras políticas. Em São Paulo, policiais influenciadores aproveitam o sucesso de vídeos de operações espetaculosas e lançam candidaturas às próximas eleições.

O fenômeno está longe de ser apenas verde-amarelo. Deu no New York Times. A notória Kim Kardashian, com 316 milhões de seguidores, lançou uma linha de produtos para manter a pele jovem. Mesmo sabendo que suas opiniões são levadas a sério por milhões de pessoas, que tendem a imitar seus gostos, afirmou que “se você me dissesse que literalmente teria que comer cocô todos os dias para parecer mais jovem, eu comeria, eu simplesmente comeria”.

O mercado de influenciadores segue uma lógica simples. Quanto mais repercussão alcança uma postagem, mais valorizado fica seu divulgador e mais chance terá de ser contratado para campanhas promocionais. A repercussão é medida pelo número de acessos às postagens. Como era de se esperar, já existem artifícios para turbinar perfis na internet. São as chamadas fazendas de cliques. Gente que, usando contas falsas, multiplica as curtidas e os comentários nos perfis dos influenciadores. É um trabalho mal remunerado, sem qualquer proteção social ou trabalhista, típico da precarização que engole boa parte dos empregos no Brasil.

Os números deste mercado impressionam. Em 2021, as redes sociais receberam R$ 1,43 bilhão em investimento publicitário. Valor maior do que a soma do investimento em rádio, jornal, revista e cinema.

Acho que mal arranhei a superfície deste planeta estranho. Um planeta onde tudo é aparência e, lembrando o que Marx disse sobre o capitalismo, se transforma em mercadoria. Desde relações amorosas até espaços reservados à privacidade. Não me surpreende que se projete para o futuro próximo a consolidação de um metaverso, onde cada indivíduo terá um avatar a representá-lo. A fronteira entre o real e o virtual estará definitivamente violada.

Quem terão sido meus influenciadores ao longo da vida? Os de carne e alma, que abriram veredas de encanto, beleza e criatividade e mostraram sentidos que eu desconhecia? Fujo por um instante do clichê freudiano (pais, tios avós, primos) e penso nos músicos e cronistas, nos jogadores de futebol que saíram da rotina e no professor de química que sabia grego, nos (poucos) que souberam combinar política e afeto, nos atores e diretores de cinema e teatro, nos que souberam dizer as palavras certas em momentos incertos. Talvez nenhum tenha sido tão fundamental quanto Long John Silver, o pirata n’A Ilha do Tesouro. O livro de Robert Louis Stevenson foi devorado pelo Menino e a identificação com o pirata da perna-de-pau foi instantânea. Acho que até hoje sou um pouco como ele. Sei, ou suponho saber, qual é o tesouro na ilha remota, mas o caminho até lá não é fácil, não é tarefa individual e o mapa para alcançá-lo não basta. Mesmo sem resultado garantido, a viagem vale a pena.

Abraço. E coragem.